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COMPETIÇÃO NO ATACADO

No documento DE ENERGIA ELÉTRICA (páginas 80-83)

PARTE I – DISCIPLINA JURÍDICA DO SETOR ELÉTRICO BRASILEIRO

3 ESTRUTURAÇÃO DO SETOR ELÉTRICO A PARTIR DO MODELO HUNT-

3.3 COMPETIÇÃO NO ATACADO

Passa-se agora à análise do esquema teórico de competição no atacado, no qual os distribuidores podem comprar energia elétrica individualmente e diretamente dos agentes vendedores (comercializadores, geradores, produtores independentes ou autoprodutores) em operações bilaterais de compra e venda. Os consumidores de menor porte – consumidores cativos – podem optar por suas fontes de aquisição de energia, mantendo-se o monopólio de venda das distribuidoras. Tais transações ocorrem num mercado atacadista de energia, cuja nota diferencial frente ao modelo anterior é que diversos agentes podem nele atuar, ao invés de uma única agência ou pool como compradores únicos.

Em tal modelo, há a desverticalização da cadeia produtiva de energia, ou integração vertical de baixo percentual, ocorrendo competição nas atividades de geração e de comercialização (no atacado) de energia.

Chichester: John Wiley and Sons, 2004, p. 6.

154 “On the whole, Model 2 [comprador único] is a good transition model in places where the more sophisticated arrangements needed for a more complete market structure are not in place and would be hard to establish.” HUNT, Sally; SHUTTLEWORTH, Graham. Competition and Choice in Electricity. Nova York: John Wiley and Sons, 1996, p. 51.

A atuação regulatória para a garantia do bom funcionamento neste modelo é importante principalmente no que toca à garantia do livre acesso às redes de transmissão, ao controle das tarifas da energia fornecida aos consumidores pelas distribuidoras, à supervisão do mercado atacadista, e à prevenção quanto a atuações anticoncorrenciais em segmentos do mercado, principalmente na geração e distribuição.

Tendo em vista sua estrutura pulverizada é necessário um agente externo, independente das partes atuantes, que coordene e garanta a frequência e voltagem do sistema de transmissão e o coordene o despacho das usinas geradoras. Além disso, é preciso a existência de um mercado spot155, que faça a contabilização das operações de compra e venda realizadas entre os agentes comercializadores, definindo a cada hora ou meia hora o preço spot desse mercado.

Dentre os problemas e riscos desse modelo de estrutura setorial está o self-dealing decorrente da propriedade de distribuidoras e usinas geradoras por um mesmo grupo econômico. Em tais casos, as distribuidoras podem preferir comprar energia das suas próprias geradoras, inclusive por preços acima aos de mercado, pois poderá repassar o excesso de custo aos consumidores sobre os quais mantém o monopólio (mesmo que a tarifa possa estar sujeita a regulação). Além disso, tendo em vista que estas geradoras podem vender energia por preços mais altos, perde-se incentivo a aumentos de eficiência e ampliação do parque gerador.

Não fosse suficiente, é necessário controlar por meio de mecanismos regulatórios o poder de mercado de agentes geradores que antes detinham monopólio de geração e passam a ter fatias de mercado significativas num mercado competitivo. Tal aspecto pode representar uma importante barreira de entrada a novos atores, e abre a possibilidade de distorções no processo de formação de preços no mercado spot.

Ainda, há menor intervenção estatal quanto a obrigações dos agentes de mercado relacionadas a políticas públicas. Em verdade, estas praticamente deixam

155 O mercado spot pode ser definido da seguinte forma: “the market where a contract, commodity, or asset is traded for its most immediate or next-avaible contracting and delivery. The immediacy of delivery is a function of the market characteristics. In American power markets, the spot market is generally regarded as the delivery-into-next day or day-ahead market.” WENGLER, John.

Managing energy risk: a nontechnical guide to markets and trading. Tulsa: PennWell Books, 2001, p.

360. Por sua vez, o preço spot é o preço de disponibilidade de energia em tal mercado. Traduzir

de existir, pois não se sustentam em um mercado competitivo.156 Elas podem ser implementadas por intermédio de subsídios, mas o mercado não vai financiar por si mesmo tais políticas. Nesse sentido, restam dificultadas políticas públicas quanto à quantidade e tipo de geração, restando tais decisões deixadas ao mercado, geralmente. A imposição pelo Estado de obrigações ligadas a políticas públicas se dará em tal modelo principalmente nos elementos da cadeia que detém monopólios sobre determinadas categorias de consumidores, notadamente as distribuidoras.

Da mesma forma, restam aumentados os custos de transação do setor, uma vez que passam a ser necessários, de maneira mais intensa, aos agentes em geral, contratos de comercialização e contratos de acesso às redes.

O modelo de competição no atacado apresenta como vantagem uma maior competição na formação dos preços de atacado, por serem preços essencialmente de mercado.157 De igual forma, o processo de formação de preços baseado em uma estrutura de competição naturalmente irá selecionar as fontes de geração mais eficientes. Ainda, os riscos da atividade de geração voltam a ser controlados pelos próprios agentes geradores e possuem maior dificuldade de serem repassados para os consumidores. Os autores entendem que é preferível o gerenciamento de tais riscos pelo gerador, por deterem maior conhecimento e estarem mais próximos da atividade em questão do que o órgão regulador.

Os autores consideram esse tipo de modelo instável, assim, uma antessala para o modelo de competição no varejo, explicado no tópico seguinte. Isso porque a maior parte dos sistemas que o adotou, como o Reino Unido e Estados Unidos (a

156 Rodney Stevenson trata das limitações da competição para o atingimento de objetivos sociais no setor elétrico, desta feita, destaca a necessidade de planejamento e da atuação dos órgãos reguladores para obtê-los: “Competitive choice of suppliers, within the context of a socially desirable integrated resource plan, can be an effective mechanism for ensuring efficiency and accountability in the supply of energy ervices. However, federal policies of partial deregulation (particularly with regards to utility activity) do not necessarily assure the promotion of beneficial competition in the electric power industry. Partial deregulation places greater burdens on state regulatory commissions seeking to attain beneficial social goals. To meet social goals, state commissions will need to put in place additional safeguards as discussed above. With adequate safeguards, fair and effective competition for electricity generation can evolve within the electric utility industry, and social goals can be met. Without adequate safeguards, the federal movement toward greater reliance on market forces will greatly enhance the ability of existing utilities to increase profits and will limit the ability of society to direct development of the electric utility industry along more socially and environmentally desirable pathways.” STEVENSON, Rodney. Social goals and partial deregulation of the electric utility industry. Journal of Economic Issues. vol. 28, n.. 2, jun. 1994, p. 410.

157 KIRSCHEN, Daniel; STRBAC, Goran. Fundamentals of power system economics.

Chichester: John Wiley and Sons, 2004, p. 6.

partir do Energy Policy Act – EPAct – Pub. L. No. 102-486, 92, Out-1992), permitiram a entrada de grandes consumidores no mercado, além das dificuldades decorrentes de pequenos consumidores se unirem para poderem comprar sua energia diretamente no mercado.

A rigor, a relação direta entre consumidor e gerador dar-se-á apenas no modelo de competição no varejo, conforme será visto a seguir no próximo e último tópico sobre o presente tema.

No documento DE ENERGIA ELÉTRICA (páginas 80-83)