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ARENA DE DISCUSSÕES E A (RE)FORMULAÇÃO DA BNCC

VAI BEM” BNCC E COMPETÊNCIAS SOCIOEMOCIONAIS NA EDUCAÇÃO INFANTIL

SOBRAL Mestre em Educação pela Universidade Federal

2. ARENA DE DISCUSSÕES E A (RE)FORMULAÇÃO DA BNCC

Habemus Base!!! (Macedo, 2018, p. 24)

O termo “Habemus Base” (temos uma base) é uma expressão latina que ficou muito conhecida, no mundo, no anúncio de um novo Papa, o chefe religioso da Igreja Católica. Certamente essa expressão representava (e ainda representa) para os cristãos católicos uma alegria imensa e uma curiosidade capaz de deixá-los em êxtase. Bem, quando Eli- zabeth Macedo (2018), usou a expressão “Habemus Base”, em seu artigo “Apostando na

Produção Contextual do Currículo” presente na obra “A BNCC na contramão do PNE 2014- 2024: avaliação e perspectivas” organizado por “Márcia Ângela da S. Aguiar e Luiz Fernan-

des Dourado” certamente ela não estava tomada de alegria, como os cristãos católicos, nem curiosa por sua homologação, tão pouco em êxtase. Pelo contrário, essa expressão representa para muitos uma causa perdida, mas para a autora em questão motivo de luta e resistência na defesa de uma educação pública, e que garanta aos cidadãos os princípios do Estado Democrático brasileiro, sobretudo, “ a cidadania e a dignidade da pessoa huma- na”.

Para se entender tamanha preocupação, não somente de (Macedo 2018), mas de muitos educadores, pais e comunidade escolar é preciso retomar o cenário de formulação da BNCC para a construção de um entendimento mais lúcido, sem paixões. Entender como esse projeto foi pensado, elaborado e implementado e quem são os sujeitos que atuaram decisivamente na formatação da BNCC aprovada, é desvendar os interesses mercadológi- cos da educação.

Macedo 2014, define três momentos importantes para se refletir sobre o processo de elaboração/construção da BNCC, como referência de uma proposta de um currículo nacional que padronize a educação escolar no Brasil. Para a autora, o primeiro momento ocorre na cidade de São Paulo em outubro de 2013, um evento organizado pelo Conselho

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Nacional de Secretários Estaduais de Educação (CONSED) e que participaram, dentre outros sujeitos de expressão no cenário político e empresarial, a União Nacional dos Diri- gentes Municipais de Educação (UNDIME), o Conselho Nacional de Educação (CNE) e o Movimento Todos pela Educação (MTP). Essa reunião extraordinária foi a última deste ano e contou com a presença de figuras importantes como a professora da USP Paula Lousano, onde a grande discussão presente nesta Reunião Extraordinária era a reforma curricular para o Ensino Médio; com a ideia de que o Brasil precisava avançar nos indicadores de qualidade da educação, sendo o tema principal do evento, norteando a fala dos exposito- res, além disso ainda houve uma apresentação fazendo o comparativo entre os sistemas públicos de ensinos referente aos rendimentos nas avalições externas do Ensino Médio.

O segundo momento correu em 2014 no 6º Fórum Nacional Extraordinário da UNDI- ME realizada em Florianópolis/SC em maio. Na ocasião estavam na pauta temas relevan- tes a serem discutidos, aonde destacam-se a aprovação do PNE; Formação de professores e carreira e Base Curricular Comum Nacional. Em relação a aprovação do PNE ressaltava- -se dois elementos, onde o primeiro diz respeito a complementação da União aos Estados e Municípios para que se garantisse o Custo Aluno Qualidade (CAQ) e o segundo voltava para a supressão de um dispositivo que contava os investimentos na relação público-priva- do como estando incluso no 10% do Produto Interno Bruto (PIB) valor que se deveria inves- tir até o final da vigência do PNE (2014-2024). No encontro UNDIME discute a Formação de professores e carreiras com relevante destaque na valorização do professor a partir de sua formação. A discussão de formação de professores foi destaque no evento, discutindo-se com ênfase a valorização financeira desses profissionais. Por fim, a pauta sobre a BNCC saiu em forma de carta com manifestação a respeito do tema pelos presentes ao evento como nos apresenta a Carta do 6º fórum da UNDIME:

Diante das dificuldades enfrentadas pelos municípios com formação inicial dos professores; com avaliações externas que definem os conteúdos trabalhados pelos professores com os alunos; com a capacidade técnica insuficiente para o desenvolvimento de currículos próprios, faz-se necessário discutir a construção de uma Base Curricular Comum Nacional que permita a inserção de especificidades culturais locais e regionais. Essa construção da Base deverá ser feita de maneira articulada entre professores, escolas e redes de ensino, por meio das políticas pedagógicas municipais e dos projetos políticos pedagógicos. Neste caso, a autonomia sobre a metodologia permanecerá sendo dos professores e das escolas. Esta Base Curricular Comum Nacional deverá provocar a reorientação dos processos de construção das matrizes das avaliações externas. (Undime, 2014) O discurso presente na carta, parece contraditório quando começam falando da in- capacidade das redes, dos professores com as avalições, com a produção do próprio cur- rículo que possibilite aos alunos uma qualidade dos conhecimentos e finalizam sinalizando que com a Base as escolas e os docentes não perderiam suas autonomias, sobretudo, a metodológica.

Finalmente, um terceiro momento centra-se no “3º Seminário Internacional do Cen- tro Lemann para o Empreendedorismo e Inovação na Educação Brasileira” (Macedo 2014) ocorrida em agosto de 2014. Na ocasião, conforme observado pela autora, o palestrante

professor David Plank, figura frequente nos encontros anteriores, trouxe como elemento central na sua apresentação a implementação do “Common Core” (Currículo Comum) na Califórnia EUA, o que ganhou atenção da plenária para sua proposta.

Para Elizabeth Macedo (2018), esses três eventos supracitados, não foram os úni- cos, porém foram determinantes para se pensar na elaboração de uma BNCC. Ressalta-se a presença de agentes públicos nesses eventos o que demonstra a relação público-privado com apontamento para uma educação mercantilizada por aceitarem a forma de atuação do terceiro setor na condução e direcionamento dos trabalhos da BNCC. Observou-se nesse processo que toda a organização e direcionamento da BNCC que determinavam que a edu- cação deveria direcionar os indivíduos a uma formação que lhe permitisse adentrar mais rapidamente ao mercado de trabalho, atendendo aos interesses privatistas.

Em 2014 as discussões e debates a respeito da BNCC tornam-se mais intensos e voltam as agendas de debates sobre a educação, sobretudo com a aprovação da Lei nº 13.005, de 2014, o Plano Nacional de Educação (PNE), que apesenta a Base como ele- mento estratégico para alcançarmos o tão sonhado padrão de qualidade na educação bra- sileira. Bem sabemos que qualidade não se limite a Base, ela extrapola os muros da escola, e as legislações vigentes como CF/88, a LDB/96, a Lei nº 8.069/1990 e o PNE (2014-2024).

Ainda falando do PNE, para se entender o cenário de elaboração da base é necessá- rio entendermos duas metas a 2ª e a 3ª com as estratégias 2.2 e 3.3 respectivamente que nos mostram que o projeto hegemônico de educação prevalecente é o que prepara para os testes padronizados e não pensa no desenvolvimento de forma consciente ao sujeito. As estratégias supracitadas evidenciam uma colaboração dos entes federados para que os “os direitos e objetivos de aprendizagem e desenvolvimento que configurarão a base nacional comum curricular do ensino fundamental” (Brasil, 2014).

Ball e Maguire (2011) apontam que as reformas educacionais são diferentes em cada contexto, e traz como exemplo as reformas do Reino Unido e dos Estados Unidos, onde apresenta uma discrepância muito grande entres os sistemas. Nos EUA os professores e os sujeitos participam do processo de reforma, enquanto que no Reino unido o processo é contrário os sujeitos são meros executores das reformas da qual não participaram. No Bra- sil, apesar de termos a sensação de que somo reformadores, e nesse ponto nos aproxima- ríamos dos EUA, o que ocorre, de fato, é uma dinâmica diferente, somos meros executores das políticas de agente político público e privado dentro de um sistema ideológico que cada vez mais nos coloca numa lógica de mercado estimulando a competitividade e o ingresso precoce no mercado de trabalho.

Avaliando as metas do PNE e o que a BNCC nos apresenta, estamos diante de um sistema gerencial que chegou nas redes de ensino por meio de um discurso oficial, cons- truído pelo agente político público, mas com fortíssima influência dos agentes políticos pri- vados que atuam diretamente dentro das entidades estratégicas como o CONSED, UNDI- ME, CNE E MEC direcionando os rumos de uma “gestão eficiente” e produtora de resultado por partes dos envolvidos conforme aponta Macedo (2018).

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Adoção de uma política de descentralização e desresponsabilização pode ser pe- rigosa pois os fracassos escolares são creditados para os sujeitos mais fraco (professo- res, alunos e pais) eximindo o Estado dessa incumbência. Sobre o gerenciamento Ball e Maguire (2011) dizem que “são importados para a educação e colocados sobre e contra o trabalho de especialistas da educação” (p. 183), sem que haja uma discussão na elabora- ção e tão pouco na sua implementação, com atuação verticalizada o gerencialismo visa a perfomatividade dos profissionais diante de realidades precárias e escolas sem estruturas adequadas para se realizar um bom trabalho.

Ainda para Ball e Maguire (2011) esses modelos de reformas que tem por referência o setor privado “tem por objetivos prover os indicadores de performance escolar em vez de medir a melhoria do aprendizado dos alunos” (p.184-185). É um discurso muito presente nas justificativas da BNCC, melhorar o rendimento da educação escolar no Brasil nos tes- tes padronizados, e essa falácia dominou o imaginário coletivo via mídia e órgãos oficiais do Estado de que se precisaria de uma Base, padronizando o currículo para que os alunos pudessem se sair bem nas avaliações externas.

A BNCC do Ensino Médio teve sua aprovação em atraso em relação a Base do In- fantil e Fundamental, depois de vários eventos que se sucederam dos quais destacamos agosto de 2018 quando houve uma abertura para as contribuições de professores, gesto- res e outros grupos ligados a educação pudessem participar com sugestões e opiniões em relação a BNCC do Ensino Médio. Em dezembro, do mesmo ano, o ministro da Educação, Rossieli Soares, homologa o documento da BNCC para a referida etapa.

Essa aprovação é fruto de uma ação mais contundente que se inicia em 2015 quando o MEC concentra seus esforços na elaboração da BNCC. Num primeiro momento tivemos uma participação dos professores da Educação Básica por meio de consultas on-line onde os interessados poderiam apresentar suas propostas. Participaram dessa etapa professo- res do Ensino Básico e superior e muitos outros profissionais do setor público e privado, do campo educacional, que apontaram caminhos para a elaboração do documento conhecido como primeira versão da BNCC. Ainda, que não a ideal, a primeira versão teve uma parti- cipação significativa pois:

Essa versão foi colocada em consulta pública, por meio de internet, entre outubro de 2015 e março de 2016. Segundo dados do MEC, houve mais de 12 milhões de contribuições ao texto, com a participação de cerca de 300 mil pessoas e instituições. Contou, também, com pareceres de especialistas brasileiros e estrangeiros, associações científicas e membros da comunidade acadêmica. (AGUIAR, 2018, p. 12).

No entanto, após recolher as contribuições, o MEC realiza juntos com parceiros e apoiadores (CONSED, UNDIME, CNE, TPE entre outros) e contaram, também, com a con- tribuição de profissionais da Universidade de Brasília (UnB) e da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ) para uma análise que resulta na nas palavras de Aguiar:

Na “segunda versão” do documento da BNCC foi disponibilizada e submetida à discussão por cerca de 9 mil educadores em seminários realizados pela União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime) e pelo Conselho Nacional de Secretários de Educação (Consed), em todo o país, entre junho e agosto do mesmo ano. A metodologia de análise do documento foi efetivada por meio de discussões em salas específicas, por áreas de estudo/componentes curriculares, e coordenada por moderadores que, em sua maioria, apresentavam slides com objetivos e conteúdos e os participantes optavam por uma das seguintes alternativas: concordo, discordo totalmente ou discordo parcialmente e indicavam propostas de alteração, se fosse o caso. (AGUIAR, 2018, p. 12).

Na segunda versão da BNCC foi possibilitado a participação da sociedade, no entan- to, é justamente a partir dessa segunda versão que UNDIME e CONSED, ao elaborarem o relatório, com base no parecer do Comitê Gestor do MEC, sobre as contribuições dos profissionais para o documento em construção que exclui o Ensino Médio da terceira ver- são e dá prosseguimento ao processo de aprovação a BNCC do Infantil e do Fundamental deixando a do Ensino Médio em estado de hibernação e somente em 2018 aprovada, o que de certa forma quebra a sequência de continuidade de um documento único para toda a Educação Básica.

No processo de aprovação da BNCC, três conselheiras do Conselho Nacional de Educação (CNE) se posicionaram contra a aprovação do documento da Base de modo fragmentado deixando a BNCC do Ensino Médio para aprovação posterior. A exclusão do Ensino Médio foi um ponto muito forte no voto sobre o Parecer referente a Base, presente nos posicionamentos das conselheiras Aurina Oliveira Santana, Malvina Tania Tuttman e Márcia Ângela da Silva Aguiar. A título de exemplo vejamos o que diz em seu voto a Con- selheira Márcia Ângela da Silva Aguiar:

Declaro meu voto contrário ao Parecer referente à Base Nacional Comum Curricular (BNCC) apresentado pelos Conselheiros Relatores da Comissão Bicameral da BNCC, José Francisco Soares e Joaquim José Soares Neto, alegando que o mesmo rompe com o princípio conceitual de Educação Básica ao excluir a etapa do Ensino Médio e minimizar a modalidade EJA, e a especificidade da educação no campo; desrespeita o princípio do pluralismo proposto pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB); fere o princípio de valorização das experiências extraescolares; afronta o princípio da gestão democrática das escolas públicas; atenta contra a organicidade da Educação Básica necessária à existência de um Sistema Nacional de Educação (SNE). Declaro, ainda, que o Conselho Nacional de Educação, ao aprovar o Anexo (documento - 3ª versão da BNCC) apresentado pelo Ministério da Educação, com lacunas e incompletudes, abdica do seu papel como órgão de Estado; fragiliza a formação integral dos estudantes, além de ferir a autonomia dos profissionais da Educação. Isto posto, reitero meu voto contrário à aprovação da Base Nacional Comum Curricular nos termos dos Parecer, Resolução e Anexos apresentados pelos Conselheiros Relatores. (AGUIAR, 2018, p. 12). Ainda que vencidas na votação o posicionamento das três conselheiras representam uma boa parte dos profissionais da educação acreditam que a educação não pode gerar desigualdade e nem atender aos caprichos de uma hegemonia que massacra e impõe seu projeto de sociedade.

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SABERES DOCENTES E FORMAÇÃO PROFISSIONAL: CURRÍCULO, PRÁTICAS E TECNOLOGIAS

No ano de 2017 tiveram as audiências públicas nas cinco regiões do Brasil, que ocorreram de 7 de junho à 11 de setembro, como veremos no quadro 1, a seguir: