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4 O INCIDENTE DE RESOLUÇÃO DE DEMANDAS REPETITIVAS 83 

5.2 Argumentos desfavoráveis ao incidente 137

Apesar da praticidade e da tecnicidade que se deseja conferir ao incidente de resolução de demandas repetitivas, sua disciplina apresenta incongruências quando comparado com os institutos do direito estrangeiro e quando analisada sua constitucionalidade.

De início, cumpre destacar que, diversamente dos institutos encontrados no direito alienígena, o mecanismo brasileiro, focado na resolução de divergência jurisprudencial e na redução do número de processos, não apresenta cuidados similares àqueles que vêm a melhor resguardar a proteção dos direitos individuais quando do manejo de técnica de resolução de questões comuns a diversos processos528.

Nesse sentido, não suscita a existência de causas que poderiam vir a obstaculizar a instauração do procedimento modelo, como ocorre no direito alemão529, bem como não define critérios preocupados em garantir a justa

solução dos casos, quando individualmente considerados – como se vê nos direitos inglês530 e estadunidense531.

527 CAMARGO, Luiz Henrique Volpe. O incidente de resolução de demandas repetitivas no projeto de novo CPC: a comparação entre a versão do Senado Federal e a da Câmara dos Deputados cit., p. 310.

528 ROSSI, Júlio César. O precedente à brasileira: súmula vinculante e o incidente de resolução de demandas repetitivas cit., p. 203-240.

529 CABRAL, Antonio do Passo. O novo procedimento-modelo (Musterverfahren) alemão cit., p. 123-146.

530 LEVY, Daniel de Andrade. O incidente de resolução de demandas repetitivas no anteprojeto do novo Código de Processo Civil: exame à luz do group litigation order britânico cit., p. 165-206.

531 ZARONI, Bruno Marzullo. Multidistrict litigation: a experiência norte-americana na tutela dos interesses de massa cit., p. 80-107.

A preocupação do IRDR, assim, prefere a solução conjunta, rápida e uniforme, à análise mais cuidadosa quanto à justiça da decisão. Registre-se, porém, que não é que o instituto brasileiro seja carente de qualquer previsão legal que resguarde as pretensões individualmente consideradas, mas o fato é que ele não confere o mesmo cuidado, nesse sentido, que os institutos estrangeiros532.

Prova disso é que não é previsto um número mínimo de demandas que discutam a mesma questão, para que se instaure o IRDR, o que problematiza a identificação do que seria uma real e efetiva multiplicidade de processos, capaz de justificar que se lance mão do mecanismo533.

No mais, no âmbito nacional, é denunciada a insuficiência de comandos que venham a garantir que a discussão a ser tratada no incidente seja amadurecida, pois não se condiciona a sua instauração à prévia identificação de pronunciamentos divergentes, como ocorreria se houvesse a necessidade de apresentação de sentenças, acórdãos ou mesmo posicionamentos doutrinários534 – que demonstrariam a instabilidade capaz de gerar prejuízos aos jurisdicionados e à administração da Justiça.

Em complemento, embora o incidente admita amplo enfrentamento de matérias de direito material e processual, possui como limitação a impossibilidade de tratar de questões de fato, adotando orientação que reduz a profundidade da cognição, ao contrário do que se vê no direito comparado535.

Além disso, está em desacordo com a doutrina que entende ser, atualmente, bastante contestável a possibilidade de se dissociar completamente o que

532 ABBOUD, Georges; CAVALCANTI, Marcos Araujo de. Inconstitucionalidades do incidente de resolução de demandas repetitivas (IRDR) e os riscos ao sistema decisório cit., p. 221- 242.

533 BUENO, Cassio Scarpinella. Novo Código de Processo Civil anotado cit., p. 612-615. 534 ROSSI, Júlio César. O precedente à brasileira: súmula vinculante e o incidente de resolução

de demandas repetitivas cit., p. 203-240.

535 SILVA, Larissa Clare Pochmann da. Uniformização decisória nas demandas coletivizáveis: entre o common law e o civil law. In: MENDES, Aluísio Gonçalves de Castro; MARINONI, Luiz Guilherme; WAMBIER, Teresa Arruda Alvim (coord.). Direito jurisprudencial. São Paulo: RT, 2014. v. 2, p. 717-718.

seriam questões de fato e questões de direito, vez que ontologicamente não se pode dizer que o direito prescinde do fato, ou que o fato prescinde do direito536.

Dito isso, pode-se inferir que os requisitos do IRDR refletem sua maior preocupação com a gestão e administração de demandas repetitivas – favorecendo a diminuição de trabalho a ser realizado pelos órgãos jurisdicionais –, em detrimento do alcance de soluções mais rentes às especificidades dos casos concretos537.

Esse aspecto do incidente também se expressa na ausência de disciplina quanto à forma de escolha da questão comum, cuja solução beneficiará as diversas demandas repetitivas, pois não é predeterminado de que modo se dará a identificação do tema relevante aos titulares de diversas demandas paralelas538. É dizer, não se dispõe se deverá ser selecionada uma ou várias demandas repetitivas representativas da controvérsia; se se fará necessária uma análise resumida de cada uma delas; se é impositiva a juntada de cópia integral (ou parcial) das demandas – ou de quais delas; ou se mera certidão do distribuidor comprovando a existência de inúmeras demandas análogas satisfaria o requisito539.

Não se estabelecem, pois, critérios para se arregimentar argumentos que espelhem a efetiva abrangência e amplitude da discussão encetada em juízo, as quais legitimariam a satisfatória extensão dos efeitos da decisão,

536 NEVES, Antonio Castanheira. Questões-de-facto – questões-de-direito ou o problema metodológico da juridicidade. Coimbra: Almedina, 1967. p. 43.

537 LEVY, Daniel de Andrade. O incidente de resolução de demandas repetitivas no anteprojeto do novo Código de Processo Civil: exame à luz do group litigation order britânico cit., p. 165-206.

538 ABBOUD, Georges; CAVALCANTI, Marcos Araujo de. Inconstitucionalidades do incidente de resolução de demandas repetitivas (IRDR) e os riscos ao sistema decisório cit., p. 221- 242.

539 É o que se vê da diversidade dos exemplos utilizados pela doutrina para demonstrar a existência dos requisitos necessários à instauração do incidente: NERY JR., Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Comentários ao Código de Processo Civil cit., p. 1.969-1.970; CAMARGO, Luiz Henrique Volpe. O incidente de resolução de demandas repetitivas no projeto de novo CPC: a comparação entre a versão do Senado Federal e a da Câmara dos Deputados cit., p. 287; YOSHIKAWA, Eduardo Henrique de Oliveira. O incidente de resolução de demandas repetitivas no novo Código de Processo Civil. Revista de Processo, São Paulo: RT, v. 37, n. 206, p. 247, abr. 2012.

característica do instituto540. Assim, as regras legais carecem da melhor

observância ao contraditório e à ampla defesa, problemas que se encontram no cerne da instrumentalização do instituto541.

A tentativa de corrigir essas incorreções por meio da admissão de participação das partes, de entes públicos e do amicus curiae542, parece ser

insuficiente, dada a ausência de controle de representatividade adequada, pois não se perquire sobre a pertinência ou capacidade dos autorizados para conduzir o incidente543.

É que a solução nacional vale-se da ampla abertura à participação de um número ilimitado de interessados, o que, inclusive, pode vir a conflitar com o seu objetivo de conferir celeridade à resolução dos conflitos de massa, diante da possibilidade de a medida causar tumulto e, com isso, a demora na conclusão do procedimento544.

Registre-se que o problema ganha maior dimensão quando se considera que da admissão do incidente decorre a imediata suspensão dos processos existentes no âmbito de atuação do respectivo tribunal545, o qual, apesar de deter prazo de um ano para julgá-lo em definitivo, poderá prorrogar o termo de suspensão dos processos por decisão fundamentada546. Desse

540 SANTOS, Evaristo Aragão. Em torno do conceito e da formação do precedente judicial cit., p. 175-179.

541 NUNES, Dierle; PATRUS, Rafael Dilly. Uma breve notícia sobre o procedimento-modelo alemão e sobre as tendências brasileiras de padronização decisória: um contributo para o estudo do incidente de resolução de demandas repetitivas brasileiro cit., p. 479.

542 CAMARGO, Luiz Henrique Volpe. O incidente de resolução de demandas repetitivas no projeto de novo CPC: a comparação entre a versão do Senado Federal e a da Câmara dos Deputados cit., p. 300-301; BARBOSA, Andrea Carla; CANTOÁRIO, Diego Martinez Fervenza. O incidente de resolução de demandas repetitivas no projeto de Código de Processo Civil: apontamentos iniciais cit., p. 484.

543 ABBOUD, Georges; CAVALCANTI, Marcos Araujo de. Inconstitucionalidades do incidente de resolução de demandas repetitivas (IRDR) e os riscos ao sistema decisório cit., p. 225. 544 YOSHIKAWA, Eduardo Henrique de Oliveira. O incidente de resolução de demandas

repetitivas no novo Código de Processo Civil cit., p. 255; STRÜNER, Rolf. Sobre as reformas recentes no direito alemão e alguns pontos em comum com o projeto brasileiro para um novo Código de Processo Civil cit., p. 358.

545 GONÇALVES, Marcelo Barbi. O incidente de resolução de demandas repetitivas e a magistratura deitada cit., p. 221-248.

546 É de se questionar qual fundamento seria suficiente para autorizar a prorrogação do prazo, em face da necessidade de se manter um equilíbrio entre os malefícios e os benefícios

modo, nada impede que a resolução da medida acabe por se tornar deveras demorada, causando efeito reverso ao intentado pela norma, até porque a expectativa de que o julgamento do IRDR se dê naquele prazo legal não condiz com o tempo normalmente dispendido pelos tribunais para a resolução de demandas, ainda que mais simples547.

O mesmo se conclui, com maior preocupação, considerando-se a possiblidade de suspensão nacional das demandas identificadas com o incidente, o que pode ocorrer independentemente da prévia interposição de recursos excepcionais, estendendo-se a paralisação dos feitos até a conclusão da discussão em sede de tribunal superior548.

É ainda de se salientar que a determinação de suspensão não desafia recurso, ao menos expressamente, pelo que, além de alongar o término do litígio, pode acabar atingindo indevidamente processos que se encontrem fora do alcance do incidente549.

trazidos com a instauração do instituto. Deve-se perquirir a sua utilidade? Questiona-se novamente sobre a manutenção dos requisitos que ensejaram a sua instauração? Ou questiona-se a respeito de potencial risco de dano caso mantido o incidente? Em todo caso, acredita-se que a fundamentação utilizada deve servir para tornar evidente a necessidade de dar cumprimento ao prazo fixado no instituto, autorizando apenas excepcionalmente a dilação do tempo de resolução do incidente.

547 É o que se observa do tempo médio para a resolução de demandas, denunciada por: ROTTA, Maurício José Ribeiro; VIEIRA, Priscila; ROVER, Aires José; e outro. Aceleração processual e o processo judicial digital: um estudo comparativo de tempo de tramitação em tribunais de justiça. Disponível em: <http://www.egov.ufsc.br/portal/sites/default/files/34238- 45743-1-pb.pdf>. Acesso em: 12 fev. 2015. Para uma análise quanto aos tribunais superiores, cf. FALCÃO, Joaquim; HARTMANN, Ivar; CHAVES, Vitor. III Relatório Supremo em números: o Supremo e o tempo. Rio de Janeiro: Escola de Direito do Rio de Janeiro da

Fundação Getulio Vargas, 2014. Disponível em: <http://bibliotecadigital.fgv.br/dspace/bitstream/handle/10438/12055/III%20Relat%c3%b3rio

%20Supremo%20em%20N%c3%bameros%20-

%20O%20Supremo%20e%20o%20Tempo.pdf?sequence=5&isAllowed=y>. Acesso em: 12 fev. 2015.

548 GONÇALVES, Marcelo Barbi. O incidente de resolução de demandas repetitivas e a magistratura deitada cit., p. 227.

549 ROSSI, Júlio César. O precedente à brasileira: súmula vinculante e o incidente de resolução de demandas repetitivas cit., p. 210.

Há quem defenda que a ausência de previsão do cabimento de espécie recursal não impede a impugnação da decisão por meio de simples requerimento (NERY JR., Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Comentários ao Código de Processo Civil cit., p. 1.972- 1.973) ou mandado de segurança (NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Novo Código de Processo Civil – Lei 13.105/2015 cit., p. 513). Não bastasse, a (não) previsão está na contramão do que o CPC/2015 adotou relativamente aos recursos repetitivos, nos quais é

A adequada solução do incidente encontra também empecilho na ausência de disposição que favoreça a fixação de teses por meio de órgão especializado, que detenha conhecimento específico sobre a matéria tratada no incidente550. Anote-se que, apesar de a lei federal não poder dispor sobre a

competência interna dos tribunais locais, estes não podem deixar de observar a regra básica, sob pena de o IRDR dar fruto a entendimento enfraquecido e inservível ao propósito a que se vale551.

As apontadas incongruências também são encontradas na fase de julgamento do incidente, na qual, muito embora se admita a sustentação oral de todos os interessados, não lhes é atribuído o mesmo tempo para manifestação, prejudicando, em parte, a participação eficaz de todos eles552.

É que a limitação quanto à participação dos interessados não parece estar de acordo com o intuito de formar decisão de amplo alcance, que busque suporte na legitimidade democrática decorrente de expressiva fundamentação, pois não há como se colher as perspectivas diversas encontradas em sociedade quando se impede a ampla oitiva dos respectivos interlocutores553.

Nada obstante, atribui-se à decisão proferida a capacidade de atingir aqueles que participaram do incidente, como também os que não o fizeram, além de torna-la útil à solução de demandas futuras554. Nisso o instituto

cabível recurso da decisão de sobrestamento dos processos paralelos (CPC/2015, art. 1.037, §§ 9.º a 13).

550 Denunciando esse problema: SANCHES, Sindei. Uniformização de jurisprudência. São Paulo: RT, 1975. p. 28. Também, mais recentemente: SANTOS, Evaristo Aragão. Em torno do conceito e da formação do precedente judicial cit., p. 164-165.

551 Em sentido contrário, defendendo que não existe problema em deixar a decisão do incidente aos membros mais antigos dos tribunais em vez de deixá-la sob os cuidados dos membros mais especializados: CAMARGO, Luiz Henrique Volpe. O incidente de resolução de demandas repetitivas no projeto de novo CPC: a comparação entre a versão do Senado Federal e a da Câmara dos Deputados cit., p. 292-294.

552 GONÇALVES, Marcelo Barbi. O incidente de resolução de demandas repetitivas e a magistratura deitada cit., p. 227.

553 MULLENIX, Linda; GRINOVER, Ada Pellegrini; WATANABE, Kazuo. Os processos coletivos nos países de civil law e common law: uma análise de direito comparado cit., p. 300-301; THEODORO JÚNIOR, Humberto; NUNES, Dierle; BAHIA, Breves considerações sobre a politização do Judiciário e sobre o panorama de aplicação no direito brasileiro cit., p. 13.

brasileiro em muito difere dos mecanismos estrangeiros, pelos quais são alcançados apenas aqueles a que foi concedida a oportunidade de influir na decisão, e cujas ações tramitavam no mesmo período555.

Corroborando essa ideia, tem-se que sequer é conferida a opção, aos titulares das demandas paralelas, de escolher entre aderir, ou não, ao incidente556, o que ratifica o fato de que a resposta a ser alcançada por meio do mecanismo não se vale por completo da influência dos respectivos interessados557.

Não bastasse isso, a rigidez que lhe acoberta dificulta uma eventual revisão da tese firmada, vez que a disposição que restou expressa na inaugurada legislação processual impede que a parte venha a requerer a sua modificação558. A decisão, portanto, torna-se obrigatória, apesar da ausência de enfrentamento de fundamentos que poderiam ser igualmente úteis para a sua construção559.

Essa rígida vinculação, entretanto, encontra diversos obstáculos, dadas algumas incompatibilidades que parece ter com o sistema jurídico- constitucional brasileiro560.

Cumpre destacar, nesse sentido, que os princípios da legalidade e da separação dos poderes induzem ser impedido que se atribua aos órgãos jurisdicionais capacidade de fixar posicionamentos de observância obrigatória,

555 ROSSI, Júlio César. O precedente à brasileira: súmula vinculante e o incidente de resolução de demandas repetitivas cit., p. 203.

556 AMARAL, Guilherme Rizzo do. Efetividade, segurança, massificação e a proposta de um “incidente de resolução de demandas repetitivas” cit., p. 248-250.

557 ABBOUD, Georges; CAVALCANTI, Marcos Araujo de. Inconstitucionalidades do incidente de resolução de demandas repetitivas (IRDR) e os riscos ao sistema decisório cit., p. 225 e ss.

558 BUENO, Cassio Scarpinella. Novo Código de Processo Civil anotado cit., p. 612-615.

559 YOSHIKAWA, Eduardo Henrique de Oliveira. O incidente de resolução de demandas repetitivas no novo Código de Processo Civil cit., p. 249.

560 NERY JR., Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Comentários ao Código de Processo Civil cit., p. 1.965-1.969.

tarefa conferida apenas ao legislador, em razão da forma como o sistema jurídico-constitucional pátrio é constituído561.

Desse modo, inviável seria o estabelecimento de tese, por meio do incidente, que, de forma equivalente à norma jurídica, acarretasse a formação de um enunciado de característica geral e abstrata, cuja aplicação se desse de maneira imediata nos casos em que se identificasse discussão semelhante562.

É que nos países ligados ao sistema do civil law a atribuição de efeito vinculante às decisões judiciais constitui medida excepcional, ligada principalmente ao controle abstrato de constitucionalidade, que não se espraia aos demais pronunciamentos emanados do Judiciário563. É dizer, o modelo brasileiro de direito, ligado ao civil law, não constitui mera constatação histórica, tratando-se verdadeiramente de uma leitura constitucional, que só excepcionalmente admite a vinculação de decisões judiciais564.

No caso, a sua incidência não abarca a tese fixada pelo órgão julgador, mas abrange a coisa julgada, qualificando-a, pelo que não incide sobre questão prejudicial ou sobre o fundamento da decisão565.

Ainda, em nada é modificada essa conclusão quando houver reiteradas decisões judiciais num mesmo sentido, configurando jurisprudência dominante, vez que mesmo a efetiva repetição de determinada fundamentação não é capaz, por si só, de dar origem ao efeito vinculante566. Isso se explica

pela ínsita flexibilidade ligada à ideia de evolução da interpretação jurídica

561 NERY JR., Nelson; ABBOUD, Georges. Stares decisis vs. direito jurisprudencial. In: FREIRE, Alexandre e outros (org.). Novas tendências do processo civil: estudos sobre o projeto do novo Código de Processo Civil. Salvador: JusPodivm, 2013. p. 488.

562 STRECK, Lênio Luiz; ABBOUD, Georges. O que é isto: o precedente judicial e as súmulas vinculantes? cit., p. 94.

563 ABBOUD, Georges. Jurisdição constitucional e direitos fundamentais cit., p. 121 e ss. 564 RAMIRES, Mauricio. Crítica à aplicação de precedentes no direito brasileiro. Porto Alegre:

Livraria do Advogado, 2010. p. 61.

565 NERY JR., Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Constituição Federal comentada e legislação constitucional cit., p. 600-606.

566 ABBOUD, Georges. Precedente judicial versus jurisprudência dotada de efeito vinculante – a ineficácia e os equívocos das reformas legislativas na busca de uma cultura de precedentes. In: WAMBIER, Teresa Arruda Alvim (coord.). Direito jurisprudencial. São Paulo: RT, 2012. p. 535 e ss.

percebida na formação da jurisprudência, em vez da rigidez conferida pela vinculação567, sendo a sua autoridade advinda de uma circunstância de fato e

não pela previsão legal de efeito vinculante568.

No mais, por outro viés, soma-se a isso o fato de que a autonomia e a independência dos órgãos que compõem o Poder Judiciário não admitem que se estabeleça como obrigatória a observância das decisões proferidas pelos tribunais superiores, que, salvo no caso da revisão do decidido no exercício da competência recursal, bem como em hipóteses excepcionais previstas na Constituição Federal569, não obedecem a uma hierarquia jurisdicional que estabeleça vínculo de subordinação entre os órgãos jurisdicionais.

Esse raciocínio é complementado pela possível violação do princípio do juiz natural que a aplicação do incidente poderia causar, em face da remessa ao órgão ad quem, antes da apreciação pelo órgão a quo, da questão jurídica de interesse a múltiplos processos570.

Por fim, também se pode identificar uma incompatibilidade entre a atribuição de efeito vinculante às decisões do IRDR e a sua aplicação aos juizados especiais, que têm disciplina constitucional específica, dissociada daquela conferida aos tribunais locais e aos tribunais superiores571.

Isso porque os Juizados não estão diretamente submetidos aos tribunais locais nem, em regra, aos tribunais superiores, o que inviabiliza ou

567 Como há muito já lecionava Ada Pellegrini Grinover, não se pode perquirir sobre uniformidade de interpretação judiciária sem conferir equilíbrio aos princípios de certeza do direito e da exigência de evolução jurídica. Nesse sentido, GRINOVER, Ada Pellegrini. Direito processual civil. São Paulo: Bushatsky, 1974. p. 133 e ss.

568 NUNES, Dierle. Processualismo constitucional democrático e o dimensionamento de técnicas para litigiosidade repetitiva: a litigância do interesse público e as tendências “não compreendidas” de padronização decisória cit., p. 53 e ss.

569 Por exemplo, súmula vinculante e decisões em controle abstrato e concentrado de constitucionalidade. Cf., nesse sentido, ABBOUD, Georges; CAVALCANTI, Marcos de Araújo. Inconstitucionalidades do incidente de resolução de demandas repetitivas (IRDR) e os riscos ao sistema decisório cit., p. 223.

570 YOSHIKAWA, Eduardo Henrique de Oliveira. O incidente de resolução de demandas repetitivas no novo Código de Processo Civil cit., p. 246.

571 KOEHLER, Frederico Augusto Leopoldino. O incidente de resolução de demandas repetitivas e os juizados especiais. Revista de Processo, São Paulo: RT, v. 39, n. 237, p. 497-510, nov. 2014.

reduz a utilidade do incidente nesses casos, sobretudo pela diversidade entre os ritos adotados no procedimento ordinário e no sumaríssimo. Tal dificuldade se reflete seja pela menor complexidade que encobre as matérias submetidas aos Juizados Especiais, pela incoerência que há em eventual pedido de instauração do incidente pelo juiz nesses casos, pela dificuldade de fiscalizar o cumprimento da decisão, seja pela restrição quanto ao cabimento de recursos ou reclamação em tal sede572.

Por tudo isso, é possível dizer que, caso não superados os problemas que acobertam o incidente de resolução de demandas repetitivas, não será possível admitir o manejo do instituto sem lhe expor a diversas objeções.

É dizer: a sua eficiência, ou seja, a capacidade que possui de ser bem