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4 O INCIDENTE DE RESOLUÇÃO DE DEMANDAS REPETITIVAS 83 

5.1   Argumentos favoráveis ao incidente 129 

As transformações que incorrem na sociedade suscitam mudanças no Direito. Foi o que se deu em razão do aumento populacional, da produção de bens e serviços em larga escala, do mais amplo acesso à informação, da massificação das relações jurídicas, do maior reconhecimento de direitos e do maior acesso aos órgãos judiciais – que pugnam pelo adequado dimensionamento da nova realidade488.

Essas transformações acabaram por dar ensejo à criação de novos institutos jurídicos que, baseados numa concepção de natureza sociológica e de política judiciária, ultrapassaram uma visão meramente privatística do

processo civil e favoreceram formas de solução coletiva de conflitos489, que

visam a alcançar a efetividade e a economia processual490.

Dentre esses institutos, se destacam aqueles voltados à solução de demandas repetitivas, que acrescem às formas de tratamento de conflitos coletivos491 – como se observa nas experiências estrangeira e nacional492. Mais

especificamente, é o que se constata da técnica de construção de decisão padronizada, pela qual se decide questão jurídica determinante para a resolução de diversas outras demandas semelhantes493.

No Brasil, a iniciativa culminou com a criação do incidente de resolução de demandas repetitivas494, a partir de uma nova forma de pensar a técnica processual para a solução coletiva de conflitos, que, por meio do combate à divergência jurisprudencial e da valorização das decisões proferidas pelos tribunais superiores, pretende alcançar a isonomia e a segurança jurídica, aprimorando a prestação jurisdicional e reduzindo o número de processos495.

489 CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à justiça cit., p. 9-13.

490 LEAL, Marcio Flavio Mafra. Ações coletivas: história, teoria e prática. Porto Alegre: Fabris, 1998. p. 17-21.

491 BASTOS, Antonio Adonias Aguiar. Situações jurídicas homogêneas: um conceito necessário para o processamento das demandas de massa cit., p. 87-107.

492 PINTO, Luis Felipe Marques Porto Sá. Técnicas de tratamento macromolecular dos litígios – tendência de coletivização de tutela processual civil. Revista de Processo, São Paulo: RT, v. 35, n. 185, p. 117-144, jul. 2010.

493 RODRIGUES, Baltazar José Vasconcelos. Incidente de resolução de demandas repetitivas: especificação de fundamentos teóricos e práticos e análise comparativa entre as regras previstas no projeto do novo Código de Processo Civil e o kapitalanleger- musterverfahrensgesetz. Revista Eletrônica de Direito Processual – REDP, Rio de Janeiro, v. VIII, ano 5, p. 94-100, jul.-dez. 2011.

494 GAIO JÚNIOR, Antônio Pereira. Incidente de resolução de demandas repetitivas no projeto do novo CPC: breves apontamentos cit., p. 247-256.

495 CARNEIRO, Paulo Cezar Pinheiro. Breves notas sobre o incidente de resolução de demandas repetitivas cit., p. 485-487.

Com isso, o incidente pretende enfrentar a morosidade e o excessivo número de demandas, por meio do aproveitamento de única decisão judicial em inúmeros processos, otimizando o trabalho do juiz496.

Apesar de não se tratar propriamente de uma completa inovação, o instituto, inspirado em técnicas estrangeiras, é voltado a conferir melhor e mais amplo tratamento às demandas de massa no Brasil, tendo como objetivo a fixação de decisões iguais para a resolução de “casos iguais”, somando às formas de dimensionamento das demandas repetitivas e à formulação de precedentes497. Esses objetivos são, pois, mais ambiciosos que os dos institutos alienígenas498.

Com efeito, preocupado precipuamente em dar resposta adequada a uma multiplicidade de processos em que se identifique semelhante discussão sobre matéria preponderantemente de direito – prescindível da análise probatória499 –, o mecanismo é focado em estabelecer fundamentação relevante cuja definição é útil para encerrar dissenso prejudicial aos jurisdicionados e à administração da Justiça500.

Como registra a doutrina, a medida se caracteriza como função desempenhada pelo Poder Judiciário de interpretação e integração do direito501, não constituindo qualquer vício à atividade exercida pelo julgador e

496 AMARAL, Guilherme Rizzo do. Efetividade, segurança, massificação e a proposta de um “incidente de resolução de demandas repetitivas”. Revista de Processo, São Paulo: RT, v. 36, n. 196, p. 237-275, jun. 2011.

497 BUENO, Cassio Scarpinella. Novo Código de Processo Civil anotado cit., p. 614

498 ABBOUD, Georges; CAVALCANTI, Marcos Araujo de. Inconstitucionalidades do incidente de resolução de demandas repetitivas (IRDR) e os riscos ao sistema decisório. Revista de Processo, São Paulo: RT, v. 40, n. 240, p. 221-242, fev. 2015.

499 CAMARGO, Luiz Henrique Volpe. O incidente de resolução de demandas repetitivas no projeto de novo CPC: a comparação entre a versão do Senado Federal e a da Câmara dos Deputados cit., p. 284-285.

500 ZANFERDINI, Flavia de Almeida Montingelli; GOMES, Alexandre Gir. Tratamento coletivo adequado das demandas individuais repetitivas pelo juízo de primeiro grau. Revista de Processo, São Paulo: RT, v. 39, n. 234, p. 181-207, ago. 2014.

501 CAMARGO, Luiz Henrique Volpe. O incidente de resolução de demandas repetitivas no projeto de novo CPC: a comparação entre a versão do Senado Federal e a da Câmara dos Deputados cit., p. 305-306.

superando as limitações a que devem obedecer as ações coletivas, previstas no art. 1.º, parágrafo único, da Lei 7.347/1985502.

Nesse sentido, o IRDR é complementar às ações coletivas, vez que pode encetar tutelas mais abrangentes do que o objeto daquelas, bem como porque pode alcançar diferentes graus de homogeneidade do direito503.

Com isso, confere-se mais amplo tratamento às matérias de massa, o que é acompanhado de maiores facilidades para a sua propositura e desenvolvimento, como se vê na possibilidade da sua instauração de oficio e na aceitação de ampla participação dos interessados504.

No ponto, o incidente conta com previsão de maior divulgação e publicidade, a qual é apta a favorecer a significativa participação das partes, entes públicos e demais interessados, para que possam tomar conhecimento do incidente, participar do respectivo procedimento, bem como se orientar pelos fundamentos da decisão exarada no IRDR505.

Resguarda-se, assim, o contraditório, em sua dimensão institucional506, o que se faz com uma maior abertura à adesão e à atuação direta dos interessados, por meio da apresentação de razões e subsídios, complementados pela fiscalização do órgão ministerial, pela possível participação de amicus curiae e pela realização de audiências públicas – acompanhando a propensão dos demais procedimentos complexos e de ampla

502 CUNHA, Leonardo José Carneiro da. Anotações sobre o incidente de resolução de demandas repetitivas previsto no projeto do novo CPC cit., p. 270-272.

503 RODRIGUES, Ruy Zoch. Ações repetitivas cit., p. 91 e ss.

504 CUNHA, Leonardo José Carneiro da. O regime processual das causas repetitivas cit., p. 139-174.

505 NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Novo Código de Processo Civil – Lei 13.105/2015 cit., p. 506-507.

506 CAMARGO, Luiz Henrique Volpe. O incidente de resolução de demandas repetitivas no projeto de novo CPC: a comparação entre a versão do Senado Federal e a da Câmara dos Deputados cit., p. 305-306.

discussão previstos no ordenamento jurídico brasileiro, como o controle de constitucionalidade, o que constituiria relevante ponto positivo do IRDR507.

De marcante interesse público508, o incidente tem como diferencial sua

prioridade de julgamento, que deve ser procedido, em regra, no prazo de um ano – medidas estas justificadas pela celeridade que pretende ter seu procedimento509. Além disso, tem capacidade, uma vez admitido, de suspender os processos, a ele análogos, que se encontrem no âmbito da competência do seu respectivo órgão julgador.

De mais a mais, o IRDR só pode ser apreciado e julgado colegiadamente510, o que pretende lhe conferir maior estabilidade e uniformidade511.

É também em busca desses objetivos que se prevê deva o órgão julgador fundamentar todos os pontos, favoráveis e desfavoráveis512, da decisão fruto do julgamento do IRDR, a qual fixará orientação capaz de alcançar casos em primeira e segunda instâncias, tenham ou não os titulares participado do incidente513.

Na mesma linha está a concessão de legitimidade recursal aos interessados que foram ou possam vir a ser atingidos pela decisão paradigma,

507 BARBOSA, Andrea Carla; CANTOÁRIO, Diego Martinez Fervenza. O incidente de resolução de demandas repetitivas no projeto de Código de Processo Civil: apontamentos iniciais. In: FUX, Luiz (coord.). O novo processo civil brasileiro (direito em expectativa): reflexões acerca do projeto do novo Código de Processo Civil. Rio de Janeiro: Forense, 2011. p. 484.

508 CAMARGO, Luiz Henrique Volpe. O incidente de resolução de demandas repetitivas no projeto de novo CPC: a comparação entre a versão do Senado Federal e a da Câmara dos Deputados cit., p. 282.

509 CARNEIRO, Paulo Cezar Pinheiro. Os diálogos entre o Código de Defesa do Consumidor e o projeto do novo Código de Processo Civil cit., p. 479-481.

510 BUENO, Cassio Scarpinella. Novo Código de Processo Civil anotado cit., p. 612-620. 511 MONTEIRO, André Luís. Duas providências do projeto do novo Código de Processo Civil

para o fim da chamada jurisprudência defensiva. Revista de Processo, São Paulo: RT, v. 37, n. 204, p. 163-280, fev. 2012.

512 CAMBI, Eduardo; HELLMAN, Renê Francisco. Os precedentes e o dever de motivação das decisões judiciais no novo Código de Processo Civil (PLC 8.046/2010). Revista de Processo, São Paulo: RT, v. 41, n. 241, p. 413-438, mar. 2015.

513 ZANFERDINI, Flavia de Almeida Montingelli; GOMES, Alexandre Gir. Tratamento coletivo adequado das demandas individuais repetitivas pelo juízo de primeiro grau cit., p. 181-207.

bem assim ao amicus curiae e aos demais legitimados ativos do IRDR. Ainda, são afastados os obstáculos à interposição de recurso, vez que terá facilitado o exame de admissibilidade, terá presumida a repercussão geral – no caso do Recurso Extraordinário –, além do que será recebido no efeito suspensivo automático514.

Por sua vez, o intento de dar amplitude e abrangência à solução de processos de massa faz a coisa julgada que cobre a decisão do IRDR ser erga

omnes515 e pro et contra, pois se estende não só àqueles que participaram do

procedimento, como também a todas as demandas em trâmite no mesmo período, além do que estabiliza a decisão contrária e a favorável ao pleito516. Isso supera a limitação da coisa julgada comum às ações coletivas, que se restringe ao âmbito territorial do juiz prolator e que se forma apenas secundum

eventum litis, com o que se pretende evitar a proliferação de novas demandas

que tenham o mesmo objeto517.

Não bastasse, a grande novidade que cerca o incidente é a concessão de efeito vinculante à decisão dele extraída518, capaz de orientar a solução de demandas futuras. A medida faz do IRDR um mecanismo de formação de precedente519, na busca por conferir a autoridade que, para muitos, faltava aos pronunciamentos paradigmáticos dos tribunais locais520.

514 MARINONI, Luiz Guilherme. Da corte que declara o “sentido exato da lei” para a Corte que institui precedentes. In: MENDES, Aluísio Gonçalves de Castro; MARINONI, Luiz Guilherme; WAMBIER, Teresa Arruda Alvim (coord.). Direito jurisprudencial. São Paulo: RT, 2014. v. 2, p. 731 e ss.; MACEDO, Lucas Buril de. Precedentes judiciais e o direito processual civil. Salvador: JusPodivm, 2015. p. 527.

515 ZANFERDINI, Flavia de Almeida Montingelli; GOMES, Alexandre Gir. Tratamento coletivo adequado das demandas individuais repetitivas pelo juízo de primeiro grau cit., p. 181-207. 516 MENDES, Aluísio Gonçalves de Castro. Ações coletivas e meios de resolução coletiva de

conflito no direito comparado e nacional cit., p. 127 e 286.

517 CUNHA, Leonardo José Carneiro da. Anotações sobre o incidente de resolução de demandas repetitivas previsto no projeto do novo CPC cit., p. 270-272.

518 ZANFERDINI, Flavia de Almeida Montingelli; GOMES, Alexandre Gir. Tratamento coletivo adequado das demandas individuais repetitivas pelo juízo de primeiro grau cit., p. 181-207. 519 SANTOS, Evaristo Aragão. Em torno do conceito e da formação do precedente judicial. In:

WAMBIER, Teresa Arruda Alvim (coord.). Direito jurisprudencial. São Paulo: RT, 2012. p. 146.

520 MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel. O projeto do CPC: críticas e propostas cit., p. 176.

Essa autoridade se expressa por tornar o pronunciamento firmado de observância obrigatória aos juizados especiais e aos órgãos que compõem o respectivo tribunal responsável por proferir a decisão, cujo descumprimento ou má aplicação desafia tanto a interposição de recurso quanto o ajuizamento de reclamação521.

Da sua construção hercúlea pretende-se ainda extrair decisão de inequívoca qualidade, que pacifique entendimento de forma a estabilizar a fundamentação e dificultar sua revisão, a qual é possível apenas por meio de procedimento igualmente denso, fazendo que sua aplicação se torne impositiva em qualquer caso que dela não apresente distinção522.

A iniciativa encontra justificativa na aceitação da ideia de que os precedentes e a doutrina do stare decisis não são exclusivos do common law e nem opostos ao civil law, admitida, assim, sua aplicação a qualquer sistema jurídico, em face do reconhecimento da importância da atividade judicial e da exigência de coerência e uniformidade entre as decisões judiciais523.

Mais do que isso, essa realidade se imporia considerando, na perspectiva nacional, a necessidade de se evitar problemas de significado das normas jurídicas, que acabam por trazer excessiva divergência jurisprudencial, a qual, somada a uma falta de cultura de observância e respeito a decisões

521 Urge destacar a novidade pela qual a reclamação será cabível tanto nos casos de inobservância da decisão quanto nos casos de má aplicação do precedente. Nesse sentido, cf. CAMARGO, Luiz Henrique Volpe. O incidente de resolução de demandas repetitivas no projeto de novo CPC: a comparação entre a versão do Senado Federal e a da Câmara dos Deputados cit., p. 308.

522 Segundo Fredie Didier Jr., a verificação da compatibilidade é feita pelo método do distinguishing. Nesse sentido, DIDIER JR., Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. Curso de direito processual civil: teoria da prova, direito probatório, ações probatórias, decisão, precedente, coisa julgada e antecipação dos efeitos da tutela. 10. ed. Salvador: JusPodivm, 2015. v. 2, p. 337-340.

523 MEDINA, José Miguel Garcia; FREIRE, Alexandre; FREIRE, Alonso Reis. Para uma compreensão adequada do sistema de precedentes no projeto do novo Código de Processo Civil brasileiro. In: FREIRE, Alexandre e outros (org.). Novas tendências do processo civil: estudos sobre o projeto do novo Código de Processo Civil. Salvador: JusPodivm, 2013. p. 680 e ss.

anteriores, passa a tornar necessária a previsão legal de precedentes judiciais524.

Como se vê, por esse viés se evidencia uma maior preocupação com as consequências práticas advindas da instrumentalização de técnicas para a resolução conjunta de demandas525.

Essa instrumentalização é refletida, no processo, em razão da utilidade da decisão obtida no IRDR para dar preferência ao julgamento do feito (art. 12, § 2.º, III, do CPC/2015); permitir a concessão de tutela de evidência (art. 311, II, do CPC/2015); possibilitar a improcedência liminar do pedido (art. 332, III, do CPC/2015); cassar o efeito suspensivo da apelação (art. 311, II, e ss. c/c art. 1.012, V, do CPC/2015); dispensar o reexame necessário (art. 496, § 4.º, III, do CPC/2015); dispensar a caução em sede de execução provisória (art. 521, IV, do CPC/2015); atribuir ao relator poderes para prover e negar provimento a recursos, monocraticamente (art. 1.011, I c/c art. 932, IV, c, e V, c, do CPC/2015); julgar imediatamente conflito de competência (art. 955, parágrafo único, II, do CPC/2015); autorizar a oposição de embargos de declaração (art. 1.022, parágrafo único, I, do CPC/2015); por poder ser hipótese de inadmissão de recursos especial e extraordinário (art. 1.040, I, do CPC/2015); e por poder autorizar a interposição de agravo para viabilizar o conhecimento desses recursos extraordinários (art. 1.042, II, do CPC/2015)526.

Desse modo, como conclui a doutrina, diversos são os benefícios pretendidos com a implementação do IRDR, identificando-se, dentre eles:

524 MEDINA, José Miguel Garcia; FREIRE, Alexandre; FREIRE, Alonso Reis. Para uma compreensão adequada do sistema de precedentes no projeto do novo Código de Processo Civil brasileiro cit., p. 684.

525 MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Da jurisdição coletiva à tutela judicial plurindividual: evolução da experiência brasileira com as demais seriais cit., p. 307-334.

526 CUNHA, Leonardo José Carneiro da. Anotações sobre o incidente de resolução de demandas repetitivas previsto no projeto do novo CPC cit., p. 291-292; CAMARGO, Luiz Henrique Volpe. O incidente de resolução de demandas repetitivas no projeto de novo CPC: a comparação entre a versão do Senado Federal e a da Câmara dos Deputados cit., p. 309; DANTAS, Bruno. Teoria dos recursos repetitivos: tutela pluri-individual nos recursos dirigidos ao STF e ao STJ (arts. 543-B e 543-C do CPC) cit., p. 104-108.

a) o tratamento igualitário; b) previsibilidade e segurança jurídica; c) agilidade na entrega da prestação jurisdicional; d) desestímulo à litigância judicial e à utilização de recursos; e) mais qualidade na prestação jurisdicional; f) garantia da confiança no trabalho dos juízes, enfim, a tão desejada unidade do direito527.