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Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUCSP Faculdade de Direito Marcelo Coutinho da Silveira

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Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC/SP

Faculdade de Direito

Marcelo Coutinho da Silveira

O INCIDENTE DE RESOLUÇÃO DE DEMANDAS REPETITIVAS

NO CPC/2015:

acesso à justiça, influências e perspectivas

MESTRADO EM DIREITO

(2)

Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC/SP

Faculdade de Direito

Marcelo Coutinho da Silveira

O INCIDENTE DE RESOLUÇÃO DE DEMANDAS REPETITIVAS

NO CPC/2015:

acesso à justiça, influências e perspectivas

Dissertação apresentada à banca examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de Mestre em Direito, sob a orientação do Prof. Dr. Gilson Delgado Miranda.

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Dados Internacionais de Catalogação-na-Publicação (CIP)

S587i Silveira, Marcelo Coutinho da

O Incidente de resolução de demandas repetitivas no CPC/15 / Marcelo Coutinho da Silveira; orientador, Gilson Delgado Miranda. – São Paulo, 2015.

175 f.

Dissertação (Mestrado em Direito) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, Programa de Pós-Graduação em Direito, São Paulo, 2015.

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Banca Examinadora

Orientador: Prof. Dr. Gilson Delgado Miranda

__________________________

__________________________

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(6)

AGRADECIMENTOS

Agradecer não é uma tarefa fácil, pois se corre o risco de deixar de fazer menção a pessoas ou acontecimentos cuja importância impõe o seu efetivo registro.

Não obstante, tentarei ser o mais fiel possível, assinalando que o início e a conclusão desse trabalho não seriam possíveis sem o incentivo da minha família, que concedeu indispensável suporte para o desenvolvimento e a conclusão dessa empreitada, mesmo nos momentos mais difíceis e desalentadores.

Destaco, para tanto, meus pais, Reynaldo e Claudia, por sempre terem acreditado no meu potencial e promovido meu crescimento, em todos os sentidos; meu irmão Alexandre e minha cunhada Bruna, por terem me acolhido e auxiliado sempre que precisei; e minha querida e amada esposa, Izabela, com quem pude dividir todas as minhas dúvidas, angústias e elucubrações, e que sempre esteve presente e disposta a me impulsionar para frente.

Ainda, não poderia deixar de mencionar a paciência e compreensão infinitas do meu orientador, Gilson Delgado Miranda, cuja atuação, na magistratura e no magistério, serve de exemplo para todos aqueles que, como eu, têm a oportunidade de com ele conviver como aluno. Seu auxílio, sempre sereno e preciso, foi determinante para que fosse profícua e produtiva essa jornada, bem como decisivo para que eu pudesse melhor enxergar o Direito e, em especial, o Processo Civil.

Ressalto também haver sido uma verdadeira honra e privilégio frequentar o curso de Pós Graduação da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, onde tive a oportunidade única de entrar em contato com profissionais verdadeiramente admiráveis e de importância ímpar para o desenvolvimento do Direito no País, os quais definitivamente contribuíram para o meu crescimento profissional e pessoal.

No intuito de homenagear cada um desses profissionais, registro meus mais sinceros agradecimentos aos professores Patrícia Miranda Pizzol, Clarisse Macedo D’isep, Regina Vera Villas Bôas Fessel, Marcelo Gomes Sodré, Thereza Alvim e Willis Santiago Guerra Filho.

Essas poucas linhas não estariam completas sem registrar meus agradecimentos ao Dr. Fernando Faccury Scaff, ao Dr. Jorge Alex Athias e aos demais membros do escritório Silveira, Athias, Soriano de Mello, Guimarães, Pinheiro e Scaff, por terem permitido a adequação entre o tempo necessário para escrever a presente dissertação de mestrado e o trabalho cotidiano.

Por fim, agradeço também a amiga de longa data Juliana Maria D`Macedo, cuja incansável disposição em ajudar tantas vezes me tranquilizou.

(7)

RESUMO

SILVEIRA, Marcelo Coutinho da. O incidente de resolução de demandas repetitivas no CPC/2015: acesso à justiça, influências e perspectivas. 175 f. 2015. Dissertação (Mestrado em Direito) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, Programa de Pós-Graduação em Direito, São Paulo.

A presente dissertação tem como objetivo estudar o incidente de resolução de demandas repetitivas inaugurado pelo Código de Processo Civil de 2015, a partir de uma análise que o coloque em perspectiva diante do fenômeno do constitucionalismo e de seus desenvolvimentos no âmbito do direito positivo e do direito processual. No percurso, dá-se destaque ao acesso à justiça e às modificações ocorridas na sociedade, que tornaram necessário o desenvolvimento de técnicas para a resolução coletiva de conflitos, no intuito de enfrentar a morosidade processual e a excessiva proliferação de demandas, vistas tanto no Brasil quanto no resto do mundo. Assim, observando as peculiaridades do direito pátrio em confronto com as formas de dinamizar a questão no exterior, analisa-se o incidente de resolução de demandas repetitivas, apontando-se seus pontos favoráveis e desfavoráveis.

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ABSTRACT

SILVEIRA, Marcelo Coutinho da. O incidente de resolução de demandas repetitivas no CPC/2015: acesso à justiça, influências e perspectivas. 175 f. 2015. Dissertação (Mestrado em Direito) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, Programa de Pós-Graduação em Direito, São Paulo.

The present dissertation intends to study the repetitive demands resolution incident released by the 2015 brazilian Civil Procedure Code, from an analysis that puts it in perspective with the constitutionalism phenomenon and its developments in what concerns the positive law and the procedure law. Along the way, the access to justice and society transformations will be highlighted, for the fact that they made it necessary to develop techniques to collectively solve judicial conflicts, in order to face the procedural slowness and the excessive demands proliferation, not only in Brazil but in the rest of the world as well. Thus, observing the brazilian law peculiarities and the ways used abroad to boost the issue, the repetitive demands resolution incident will be analyzed, pointed out its favorable and unfavorable sides.

(9)

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ... 11 

2 NEOCONSTITUCIONALISMO, POSITIVISMO JURÍDICO E NEOPROCES-SUALISMO ... 13 

2.1 Neoconstitucionalismo ... 13 

2.1.1 Conceito de Constituição ... 15 

2.1.2  Constituição como pacto para a concretização de direitos fundamentais ... 20 

2.1.3  A importância dos direitos fundamentais ... 23 

2.1.4  A mudança do paradigma teórico com base no neoconstitucionalis- mo ... 27 

2.2   Do positivismo ao neopositivismo ... 32 

2.2.1  O positivismo jurídico na atualidade ... 32 

2.2.2  Neoprocessualismo ... 36 

3 O ACESSO À JUSTIÇA COMO CONSEQUÊNCIA DO MOVIMENTO DE CONSTITUCIONALIZAÇÃO DO DIREITO E A NECESSIDADE DE TRANS-FORMAÇÕES NA LEGISLAÇÃO PROCESSUAL ... 46 

3.1   O acesso à justiça como fenômeno propulsor das transformações na legislação instrumental ... 46 

3.2   A reforma no direito processual ... 51 

3.3   A persistência da crise da justiça: morosidade e explosão do número de demandas judiciais ... 67 

3.4   O Código de Processo Civil de 2015 ... 74 

4 O INCIDENTE DE RESOLUÇÃO DE DEMANDAS REPETITIVAS ... 83 

4.1  A influência do direito estrangeiro ... 88 

4.1.1 O musterverfahren alemão ... 89

4.1.2 O group litigation order do direito inglês... 94 

4.1.3 O procedimento experimental do direito português ... 99 

4.1.4 O multidiscritct litigation norte-americano ... 102 

4.1.5  Algumas conclusões acerca da experiência estrangeira ... 107 

4.2   Objeto ... 111 

4.3   Requisitos e instauração ... 118 

4.4  Procedimento ... 120 

4.4.1 Requerimento e admissibilidade ... 120 

(10)

5 ANÁLISE CRÍTICA DO INCIDENTE DE RESOLUÇÃO DE DEMANDAS

REPETITIVAS ... 129 

5.1   Argumentos favoráveis ao incidente... 129 

5.2 Argumentos desfavoráveis ao incidente ... 137 

6 CONCLUSÃO ... 147 

(11)

1

INTRODUÇÃO

A criação de um novo Código de Processo Civil pretende atender a uma patente insatisfação coletiva que pugna por soluções rápidas e efetivas para a resolução de litígios, pelo que busca a simplificação dos procedimentos, a agilidade na tramitação do processo e no proferimento de decisões judiciais e a eleição de novas técnicas para resolução de conflitos.

Nesse sentido, as modificações visam a alcançar uma prestação jurisdicional efetiva, adequada e célere, sem dispensar as garantias do devido processo legal e do acesso à justiça, impondo, por igual, maior respeito aos princípios da cooperação, do contraditório e da necessária fundamentação das decisões judiciais.

Dentre os mecanismos confeccionados para desenvolver a agilidade na condução de processos e no proferimento de decisões despontam as ferramentas para o tratamento de demandas repetitivas, as quais buscam dar uma abordagem adequada às demandas massificadas e afastar divergências jurisprudenciais sobre a interpretação de determinada norma num mesmo período histórico-social, impedindo que situações idênticas sejam apreciadas de maneira diversa – o que repugna o senso comum e trás descrédito ao Poder Judiciário.

Nesse contexto, um novo mecanismo foi criado no intuito de contribuir para a resolução de causas repetitivas, o qual é identificado como incidente de resolução de demandas repetitivas.

(12)

No intuito de avaliar e buscar melhor entendimento sobre as inovações advindas da introdução do referido mecanismo, pretende-se recorrer à interpretação dos dispositivos legais que o informam e à análise da doutrina autorizada sobre os institutos encontrados no direito comparado que lhe serviram de inspiração, procurando aproximá-lo de discussões assemelhadas que são encontradas em sede de processo coletivo.

Nesse sentido, pretende-se antecipar questionamentos e propor soluções como forma de promover o debate sobre os benefícios trazidos com a criação dessa nova técnica de resolução de demandas repetitivas.

A abordagem contará, em linhas gerais, com a exposição do panorama histórico-científico que levou à sua criação, acentuando o movimento de acesso à justiça e as reformas processuais ocorridas no âmbito nacional e internacional, bem como suscitando as razões para o desenvolvimento do referido instituto no CPC/2015, observando as técnicas assemelhadas do direito comparado e verificando a sua atual formatação – o que se faz acompanhar de comentários da doutrina sobre o assunto.

(13)

2

NEOCONSTITUCIONALISMO, POSITIVISMO JURÍDICO

E NEOPROCESSUALISMO

Atualmente, não é possível falar em direito brasileiro sem fazer referência ao constitucionalismo contemporâneo inserido enfaticamente na Carta da Constitucional de 1988, com o que a presente exposição deve necessariamente ser iniciada com o dimensionamento desse fenômeno, no intuito de observar a sua influência sobre o direito processual civil.

Esse raciocínio é desenvolvido com a análise dos conceitos de neoconstitucionalismo e das crises do positivismo jurídico, que fizeram nascer novos paradigmas na teoria do direito, os quais modificaram o processo civil de modo a adequá-lo a um modelo constitucional de direito.

Por fim, será delineado o conceito de neoprocessualismo enquanto modelo representativo do fenômeno de constitucionalização do processo civil, que exsurgiu como fundamento para as reformas ocorridas no direito processual e refletidas no Código de Processo Civil de 2015.

2.1 Neoconstitucionalismo

(14)

como pressuposto para qualquer forma de interpretação e aplicação do direito, as quais devem necessariamente resguardar os valores da Constituição1.

Esse raciocínio perpassa pela ideia de força normativa da Constituição2, enquanto verdadeira expressão dos valores essenciais que delineiam o Estado Democrático de Direito Constitucional, apto a representar os anseios tanto das maiorias quanto das minorias e a impedir práticas abusivas e arbitrárias, assegurando o exercício de direitos de maneira geral3.

Nesse sentido, no plano político-jurídico, o surgimento do neoconstitucionalismo constituiu o reconhecimento quanto à importância da proteção de um elemento humano4, que fundamenta, dirige e limita a atuação do Estado e da sociedade, dando ensejo à inclusão, nas cartas constitucionais, de direitos fundamentais, como reação aos regimes totalitários e às atrocidades cometidas contra a humanidade pelas duas grandes guerras mundiais, ocorridas no século XX5.

Por sua vez, no que concerne à teoria do direito, essa perspectiva fez eclodir a criação de teorias críticas ao positivismo jurídico, baseadas na abertura jusfilosófica a valores ético-políticos e que têm como principal característica “o aumento da complexidade da estrutura normativa dos sistemas constitucionais contemporâneos, que está ligado à introdução dos

1 BARROSO, Luís Roberto; BARCELLOS, Ana Paula. O começo da história: a nova

interpretação constitucional e o papel dos princípios no direito brasileiro. R. Dir. Proc. Geral, Rio de Janeiro, v. 57, p. 305-344, 2003.

2 Cf. HESSE, Konrad. A força normativa da Constituição. Trad. Gilmar Ferreira Mendes. Porto

Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1991.

3 DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. Trad. Nelson Beira. São Paulo: Martins

Fontes, 2002. p. 452.

4 Piovesan diz que os valores humanos emergem como paradigma e referencial ético a

orientar, inclusive, a ordem internacional (PIOVESAN, Flavia. Temas de direitos humanos. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 4).

5 BARROSO, Luís Roberto. Neoconstitucionalismo e constitucionalização do direito. R. Dir.

(15)

princípios e à diferença entre estes e as regras” – como é possível notar em Alexy e Dworkin, seus principais representantes6.

No campo da ciência do direito, essas diretrizes vêm redefinir a importância da Constituição, bem como ressaltar a sua utilidade como pacto para a concretização de direitos fundamentais, salientando a importância destes últimos para o soerguimento de novas concepções teóricas que procuram superar o positivismo7.

Entre essas diversas concepções teóricas, uma é identificada com mais frequência, qual seja, o neopositivismo8.

A expressão pretende conformar o direito a esse novo paradigma, constituindo, portanto, ponto inicial da pesquisa na seara jurídica, como será mais bem desenvolvido no presente trabalho.

No intuito de analisar o referido entendimento, passa-se a tratar neste primeiro capítulo da redefinição do papel desempenhado pela Lei Maior, da sua importância como pacto para a concretização de direitos fundamentais e da influência desses direitos para a formação de uma nova ordem jurídica, que tem como centro normativo a Constituição Federal.

2.1.1 Conceito de Constituição

Na perspectiva neoconstitucionalista, a Constituição pode ser definida como um sistema aberto formado por regras e princípios9-10-11 que vinculam

6 FARALLI, Carla. A filosofia contemporânea do direito: temas e desafios. Trad. Candice

Premaor Gullo. São Paulo: Martins Fontes, 2006. p. 12.

7 BARROSO, Luís Roberto. Neoconstitucionalismo e constitucionalização do direito cit.

8 CAMBI, Eduardo. Neoconstitucionalismo e neoprocessualismo: direitos fundamentais,

políticas públicas e protagonismo judicial. São Paulo: RT, 2009. p. 78.

9 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da Constituição. 7. ed.

Coimbra: Almedina, 2003. p. 1.162.

10 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 33. ed. rev., atual. e ampl.

(16)

todos os titulares do poder e a sociedade, tornando obrigatória a observância dos preceitos constitucionais para o desempenho das funções estatais, com vistas a realizar o modelo de Estado Democrático de Direito.

Como sistema, prevê uma ordem global que abarca a totalidade do Direito Positivo, constituído por outros subsistemas, estes últimos entendidos como as ramificações estruturais e normativas do Direito Positivo, v.g., o Direito Civil, o Direito Administrativo e o Direito Penal12.

Nesse viés, o conceito de sistema se assemelha à acepção indicada por Losano, pela qual é “um conjunto de normas jurídicas reunidas por um elemento unificador, graças ao qual elas não apenas estão umas ao lado das outras, mas se organizam num ordenamento jurídico”13, o que leva a considerá-lo como sinônimo de “ordenamento jurídico”14.

A nota distintiva dessa concepção é o papel atribuído à Constituição, que ocupa o centro do ordenamento jurídico, figurando como a norma fundamental para a qual todos os demais tipos normativos são reconduzidos, formal e procedimentalmente15, em um movimento que contempla não apenas a preservação da estrutura abstrata do direito, mas que também garante a observância dos seus fundamentos valorativos e finalísticos16.

Em adição, a Constituição erige um sistema qualificado como aberto, vez que apresenta uma estrutura dialógica, dadas a sua disponibilidade e a “capacidade de aprendizagem” para captar as mudanças da realidade e as

11 BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 15. ed. atual. São Paulo: Malheiros,

2004. p. 93.

12 ESPÍNDOLA, Ruy Samuel. Conceito de princípios constitucionais: elementos teóricos para

uma formulação dogmática constitucional adequada. 2. ed. rev., atual e ampl. São Paulo: RT, 2002. p. 77-78.

13 LOSANO, Mario G. Sistema e estrutura no direito: das origens à escola histórica. Trad.

Carlo Alberto Dastoli. São Paulo: Martins Fontes, 2008. v. I, p. XIX-XX.

14 LOSANO, Mario G. Os grandes sistemas jurídicos: introdução aos sistemas jurídicos

europeus e extraeuropeus. Trad. Marcela Varejão. São Paulo: Martins Fontes, 2007.

15 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da Constituição cit., p.

243. p. XVI-XL.

(17)

concepções cambiantes de “verdade” e de “justiça”17 – que autorizam a associar, em parte, as ideias de Luhmann e Habermas.

Nesse sentido, a referenciada abertura permite ao direito interagir com as demais estruturas que compõem o espaço social, sendo possível que as influencie, acompanhe as suas respectivas transformações e adapte-se autonomamente a elas, num procedimento reflexivo de autoprodução, consoante se pode extrair de Luhmann18-19.

Já em Habermas é possível identificar a abertura constitucional com a necessária participação dos indivíduos que constituem a comunidade social, no âmbito da interpretação e da aplicação do direito, favorecendo os ideais de liberdade, de pluralismo e de democracia, que não olvidam a participação popular no processo decisório realizado nas esferas de poder do Estado20.

No mais, o raciocínio se completa com o estabelecimento de uma nova relação entre os tipos que identificam as regras e os princípios, que é diferenciada da relação mantida anteriormente entre as regras e os princípios gerais do direito, na qual a palavra princípio, não raro, assumia única e frequentemente o sentido de fonte do direito21.

Para entender esse fenômeno é destacada uma nova distinção entre regras e princípios, que se dá por meio dos graus diferenciados de abstração e determinabilidade que estes possuem, bem como por meio do seu respectivo caráter de fundamentabilidade, proximidade com a ideia de direito e natureza normogenética, os quais são mais acentuados nos princípios do que nas

17 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da Constituição cit., p.

1.159.

18 LUHMANN, Niklas. Introdução à teoria dos sistemas. Rio de Janeiro: Vozes, 2009. p.

131-132.

19 LUHMANN, Niklas. Sociologia do direito. Rio de Janeiro: Edições Tempo Brasileiro, 1983. v.

I, p. 34.

20 HABERMAS, Jürgen. A substituição do direito racional pela ideia do estado jurídico. In:

______. Direito e moral. Trad. Sandra Lippert. Lisboa: Instituto Piaget, 1992. p. 53-67 e 107-121.

21 KAUFMANN, Arthur. Filosofia do direito. Trad. Antônio Ulisses Cortês. Lisboa: Calustre

(18)

regras, revelando a rigidez das regras e a flexibilidade dos princípios no sistema jurídico22-23.

Enquanto detentores de maior flexibilidade, os princípios admitem uma pluralidade indeterminada de significados, sendo considerados multifuncionais e apresentando uma importância qualitativa para o ordenamento jurídico.

Essa multifuncionalidade se revela nas distintas funções atribuídas aos princípios, que os permitem ser utilizados para a fundamentação, a interpretação e a integração da ordem jurídica, assim como para resolver conflitos normativos. Por sua vez, a importância qualitativa dos princípios é constatada na sua capacidade de melhor proteger os valores amplamente reconhecidos pela sociedade e que podem ser encontrados direta ou indiretamente na Constituição, atendendo aos anseios de justiça.

Assim, pode-se dizer, inclusive, que a ductibilidade dos princípios é característica essencial desse constitucionalismo contemporâneo24, estando estreitamente associada à abertura do direito.

De seu turno, a rigidez das regras estabelece uma disciplina mais específica e limitada para estabelecer significados, orientada para reger condutas específicas mais do que para garantir valores25, trazendo maior segurança ao direito.

Nessa ordem de ideias, a interação entre princípios e regras ressalta uma concepção de limitação do poder, por meio da observância dos valores que informam o sistema jurídico. Isso é expresso mais exatamente como uma garantia contra o arbítrio por meio de um processo interpretativo, que

22 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da Constituição cit., p.

1.162.

23 ESPÍNDOLA, Ruy Samuel. Conceito de princípios constitucionais: elementos teóricos para

a uma formulação dogmática constitucional adequada cit., p. 69.

24 ZAGREBELSKY, Gustavo. El derecho dúctil. Ley, derechos, justicia. 9. ed. Trad. Marina

Gascón. Madri: Trotta, 2009. p. 122-126.

25 BARCELLOS, Ana Paula de. Ponderação, racionalidade e atividade jurisdicional. Rio de

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problematiza o momento decisório no direito, postulando uma comunicação e uma argumentação que sejam coerentes e coesas, diante dos elementos que o informam e que o influenciam, para, assim, afastar voluntarismos.

Cabe registrar, entretanto, que o elemento interpretativo pode se desenvolver de várias formas no plano teórico, assumindo, por exemplo, um modelo de coerência, um modelo procedimental ou um modelo hermenêutico26. Isso tudo vai depender das diferentes maneiras com que o constitucionalismo é trabalhado, as quais pretendem se afastar de uma postura meramente decisionista27.

Com efeito, os vocábulos que compõem o conceito de Constituição compreendem a formação de ordenamento jurídico constitucional, que abrange um conjunto de normas constitutivas e reguladoras das estruturas fundamentais do Estado e da sociedade, em que se destacam a figura dos princípios constitucionais e o estabelecimento de um novo viés interpretativo no direito.

A assertiva é elucidada por Canotilho, que reforça a ideia de vinculação da atuação do Estado e dos particulares ao texto constitucional, aduzindo como necessária a participação do Poder Público e da sociedade para realizar a Constituição:

[...] o Direito Constitucional é um sistema aberto de normas e princípios que, através de processos judiciais, procedimentos legislativos e administrativos, iniciativas dos cidadãos, passa de uma law in the books para uma law in action, para uma “living constitution”28.

26 BILLIER, Jean-Cassien; MARYIOLI, Aglaé. História da filosofia do direito. Trad. Mauricio de

Andrade. Barueri: Manole, 2005. p. 388.

27 FARALLI, Carla. A filosofia contemporânea do direito: temas e desafios cit., p. 12.

28 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da Constituição cit., p.

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Nesses termos, o conceito de Constituição adquire dinamicidade, como igualmente salienta o ilustríssimo constitucionalista português, que conclui afirmando a própria capacidade do ordenamento jurídico constitucional em promover a concretização dos seus respectivos desígnios:

Esta perspectiva teorético-jurídica, tendencialmente “principialista”, do “sistema constitucional”, como sistema de regras e princípios, é de particular importância, não só porque fornece suportes rigorosos para solucionar certos problemas metódicos [...], mas também porque permite respirar, legitimar, enraizar e caminhar o próprio sistema. A respiração obtém-se através da “textura aberta” dos princípios; a legitimidade entrevê-se na ideia de os princípios consagrarem valores (liberdade, democracia, dignidade) fundamentadores da ordem jurídica; o enraizamento perscruta-se na referência sociológica dos princípios a valores, programas, funções e pessoas; a capacidade de caminhar obtém-se através de instrumentos processuais e procedimentais adequados, possibilitadores da concretização, densificação e realização prática (política, administrativa, judicial) das mensagens normativas da Constituição29.

Dito isso, a Constituição passa a ser mais que um esqueleto normativo, um esquema de governo ou uma estrutura matricial da sociedade30, vez que não apenas serve para garantir direitos, mas também para dirigir os Poderes Públicos e condicionar os particulares, assegurando a realização dos valores constitucionais que formam o Estado Democrático de Direito31.

2.1.2 Constituição como pacto para a concretização de direitos fundamentais

Em seguimento ao item anterior, é necessário ressaltar o caráter social e democrático do constitucionalismo atual, o qual confere expressiva importância à realização dos valores humanos e institui como um de seus objetivos principais a concretização de direitos fundamentais.

29 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da Constituição cit., p.

1.163-1.164.

30 COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda (org.). Canotilho e a Constituição dirigente. Rio de

Janeiro: Renovar, 2003. p. 18.

31 STRECK, Lênio Luiz. Jurisdição constitucional e hermenêutica: uma nova crítica do direito.

(21)

Nesse sentido, a Constituição, enquanto lei fundamental que limita poderes e confere direitos aos jurisdicionados, é entendida com um pacto social voltado para a proteção de valores eminentemente humanos num âmbito democrático, em que imperam as concepções de liberdade, igualdade e fraternidade, para a promoção de direitos fundamentais32.

Com isso, a ideia de pacto, inicialmente trabalhada por meio da noção de acordo imutável, estabelecido idealmente para a proteção dos interesses dos jurisdicionados, passa a ser engendrada por uma concepção de consenso histórico e democrático para a proteção de direitos33, que não apenas está preocupada em reger formalmente as condutas sociais relevantes, mas que também é direcionada à efetiva realização do homem em sociedade.

O raciocínio confere evidente importância ao elemento humano, reconhecendo o conjunto de homens que vivem em sociedade como a fonte do poder estatal e como o respectivo destinatário do poder34, a quem devem ser asseguradas a liberdade, para efetivamente participar da política, e a igualdade, para a concessão de tratamento isonômico, apto a reconhecer diferenças e a permitir o exercício de direitos35.

Soma-se a essa ordem de ideias a noção de fraternidade ou solidariedade entre os membros que compõem a sociedade, buscando a realização integral do homem numa perspectiva tanto individual quanto

32 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Direitos humanos fundamentais. 14. ed. São Paulo:

Saraiva, 2012. p. 19-24.

33 ABBOUD, Georges. Jurisdição constitucional e direitos fundamentais. São Paulo: RT, 2011.

p. 329.

34 Nesse sentido, se encontra, inclusive, o preâmbulo da Constituição Federal Brasileira

(CFB), bem como o parágrafo único do art. 1.º, os quais constituem registro indelével quanto ao reconhecimento de que todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de seus representantes eleitos – o que também é constatado em outras cartas constitucionais, como a Constituição alemã, que faz previsão similar em seu preâmbulo e no art. 20, §§ 1.º e 2.º, dentre outras disposições legais.

35 Sobre a necessidade de se assegurar direitos e a importância do elemento humano, ver:

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coletiva, que ultrapassa a dicotomia estanque entre público e privado, que imperava anteriormente36.

Nesse contexto, a sociedade e o Estado devem conjugar esforços não apenas para a realização do indivíduo, como também da coletividade, à qual igualmente é reconhecida a garantia de direitos que suscitam ampla tutela jurídica37.

Esse entendimento é consagrado com a afirmação histórica dos direitos fundamentais, especialmente após a Segunda Guerra Mundial e a derrocada dos regimes totalitários, que reforça a proteção da sociedade por meio de ideais democráticos e pluralistas, os quais conferem primazia justamente ao elemento humano, rechaçando as condutas sociais e políticas que não observarem a necessidade de tutelar as garantias inerentes ao homem em sociedade38.

Para tanto, os direitos fundamentais passam a ser inscritos nas Constituições nacionais e amplamente reconhecidos em pactos internacionais, sendo-lhes conferidos normatividade e juridicidade, de especial importância para orientar os ordenamentos jurídicos39, de forma a observar a dignidade humana como valor-fonte40.

Dito isso, forte na noção de pacto social caracterizado pelo consensualismo democrático, construído no desenvolvimento dos conceitos de liberdade, igualdade e fraternidade e com vistas a assegurar a dignidade humana, os direitos fundamentais se encontram no ápice da escala valorativa

36 NERY, Rosa Maria de Andrade. Introdução ao pensamento jurídico e à teoria geral do

direito privado. São Paulo: RT, 2008. p. 174.

37 MANCUSO, Rodolfo de Camargo. A projetada participação equânime dos colegitimados à

propositura da ação civil pública: da previsão normativa à realidade forense. In: ROCHA, João Carlos de Carvalho; HENRIQUES FILHO, Tarcísio Humberto Pereiras; CAZETTA, Ubiratan. Ação civil pública: 20 anos da Lei n. 7.347/85. Belo Horizonte: Del Rey, 2005.

38 COMPARATO, Fabio Konder. A afirmação histórica dos direitos humanos. 3. ed. rev., atual.

e ampl. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 33.

39 BOBBIO, Norbeto. A era dos direitos. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004. p. 22-23.

40 NERY JR., Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Constituição Federal comentada e

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do constitucionalismo atual41, tornando a atuação do Estado e da sociedade comprometida com a sua previsão e a sua realização em favor dos jurisdicionados, dadas a sua importância e a centralidade na ordem constitucional.

Nesses termos, não é possível conceber o constitucionalismo atual de forma desvinculada dos direitos fundamentais, os quais decorrem do elemento humano e revelam a dignidade humana como valor-fonte do ordenamento jurídico.

2.1.3 A importância dos direitos fundamentais

O destaque conferido ao constitucionalismo atual para concretizar direitos fundamentais, entretanto, não revela por completo a importância destes últimos diante do ordenamento jurídico, pelo que se faz necessário melhor informá-los, sendo esse o objetivo do presente tópico.

Essa investigação se inicia com a conceituação de direitos fundamentais, os quais podem ser entendidos, de forma ampla, como:

[...] aqueles que englobam os direitos humanos universais e os direitos nacionais dos cidadãos garantidos pela Constituição, contra os abusos que possam ser cometidos pelo Estado ou pelos particulares42.

Embora possa existir confusão entre as expressões “direitos fundamentais” e “direitos humanos”43, há quem diferencie esses direitos como categoriais autônomas, como faz Sarlet44 ao aduzir que:

41 BARROSO, Luís Roberto. Neoconstitucionalismo e constitucionalização do direito cit., p.

150.

42 NERY JR., Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Constituição Federal comentada e

legislação constitucional cit., p. 216.

43 BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional cit., p. 560.

44 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais: uma teoria geral dos direitos

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[...] o termo “direitos fundamentais” se aplica para aqueles direitos do ser humano reconhecidos e positivados na esfera do direito constitucional positivo de determinado Estado, ao passo que a expressão “direitos humanos” guardaria relação com os documentos de direito internacional, por referir-se àquelas posições jurídicas que se reconhecem ao ser humano como tal, independentemente de sua vinculação com determinada ordem constitucional, e que, portanto, aspiram à validade universal, para todos os povos e tempos, de tal sorte que revelam um inequívoco caráter supranacional (internacional).

Seja adotando uma concepção ampla, seja uma restrita, é possível identificar a sua afirmação como decorrente de um processo histórico que revela que, apesar de todas as diferenças entres os seres humanos, nenhum pode afirmar-se superior aos demais, vez que iguais em direitos e em dignidade45, o que restou consolidado com a inclusão dos direitos fundamentais nas cartas constitucionais e nos tratados e convenções internacionais aceitos pelos Estados46.

Esse entendimento defluiu da importância conferida à dignidade da pessoa humana, como esclarece Flávia Piovesan, na medida em que se reconheceu que os seres humanos, enquanto racionais, dotados de um valor intrínseco, são insubstituíveis e únicos, detendo um fim em si mesmos e, por isso, devem utilizar sua autonomia para agir moralmente com vistas a assegurar esse princípio universal47.

Contudo, esse processo de compreensão se deu de forma lenta e inconstante, à custa de grandes movimentos sociais que, pouco a pouco, consagraram na consciência geral a imprescindibilidade de uma vida digna para todos48.

Nesse processo, diversos foram os documentos históricos que contribuíram para a sedimentação dessas ideias, cabendo mencionar a Magna

45 COMPARATO, Fabio Konder. A afirmação histórica dos direitos humanos cit., p. 4. 46 BOBBIO, Norberto. A era dos direitos cit., p. 22-23.

47 PIOVESAN, Flavia. Direitos humanos e direito constitucional internacional. 14. ed. rev. e

atual. São Paulo: Saraiva, 2013. p. 59.

(25)

Charta Libertatum de 1215, o Petition of Rights de 1628, o Habeas Corpus Act de 1679, o Bill of Rights de 1689, a Declaração de Independência dos Estados Unidos da América de 1776, a Constituição Americana de 1787, a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789, a Constituição Mexicana de 1917, a Constituição Alemã de 1919, a Declaração Universal de Direitos Humanos de 1948, a Convenção Europeia de Direitos Humanos de 1950, o Pacto Internacional de Direitos Humanos de 1966 e a Convenção Americana de Direitos Humanos de 1969, entre outros49.

Por meio desses documentos foram consagradas a vinculação dos soberanos às leis e a existência de direitos subjetivos para os jurisdicionados, bem como reconhecidos as soberanias populares e os regimes democráticos, mediante a expansão do conceito de igualdade50.

No entanto, a prevalência dessa concepção veio somente após a Segunda Guerra Mundial51, com a promoção de ordens jurídicas baseadas em valores humanos, aptos a orientar os Estados e os indivíduos52.

Na órbita jurídica, por meio dessa evolução histórica, evidencia-se que esse processo marcou inicialmente o surgimento de direitos civis e políticos (também conhecidos como liberdades clássicas, formais ou públicas), focados na preservação da individualidade em face do Estado (v.g., direitos à liberdade, à propriedade e à segurança), os quais foram seguidos de forma cumulativa pelo surgimento de direitos sociais, culturais e econômicos (também conhecidos como liberdades reais, concretas, materiais ou públicas positivas), no intuito de viabilizar a tutela de agrupamentos sociais e corrigir desigualdades (v.g., direito às crianças, às mulheres, aos trabalhadores e aos idosos) e pelos direitos ao desenvolvimento, à paz, ao meio ambiente sadio, à comunicação e ao patrimônio comum da humanidade, que superam as noções

49 COMPARATO, Fabio Konder. A afirmação histórica dos direitos humanos cit. 50 Idem, ibidem, p. 26-27.

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de individualidade e coletividade, dizendo respeito tanto aos Estados quanto aos indivíduos para a proteção da humanidade53.

A classificação, entretanto, não é exaustiva54, existindo autores que relatam, ainda, a existência de direitos à democracia, à informação e ao pluralismo, visando a garantir a participação dos indivíduos no processo decisório institucional, assim como afirmam a existência de um direito fundamental à paz, enquanto axioma que rege as relações humanas55.

Dado esse escorço, que melhor desenvolve as considerações feitas no tópico anterior, cabe ressaltar a efetiva importância dos direitos fundamentais para o ordenamento jurídico.

Destarte, a importância dos direitos fundamentais é compreendida em razão das suas dimensões subjetiva e objetiva, as quais consistem, respectivamente, na formação de situação jurídica que concede ao seu titular o benefício de exigir uma prestação negativa ou positiva perante o Estado ou perante os indivíduos (dimensão subjetiva) e na afirmação de valores que incidem sobre a totalidade do ordenamento jurídico, prontos para guiar as tarefas dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário (dimensão objetiva)56.

Sobre esse último ponto, cabe observar que os direitos fundamentais deram novo sentido e alcance à legislação infraconstitucional, submetendo e condicionando os diversos ramos do Direito aos ditames do constitucionalismo contemporâneo.

No mais, é permitido conceber que os direitos fundamentais têm eficácia nas relações entre o Poder Público e os particulares (eficácia vertical) e nas dos particulares entre si (eficácia horizontal), em que eles viriam a corrigir

53 BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 25. ed. atual. São Paulo: Malheiros,

2009. p. 561-570.

54 Ver Bobbio, para quem existiria um direito fundamental à integridade do patrimônio genético

(BOBBIO, Norbeto. A era dos direitos cit., p. 5-6).

55 BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional cit., p. 570-591.

56 MARINONI, Luiz Guilherme. Técnica processual e tutela de direitos. São Paulo: RT, 2004.

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um desequilíbrio jurídico e/ou fático de poderes entre os participantes da relação jurídica57.

Dada a sua eficácia, a função dos direitos fundamentais pode ser basicamente identificada como de limitação do Poder Público e de proteção contra a formação de eventuais maiorias. Ainda, vinculam os sujeitos passivos por meio da forma, do procedimento e do conteúdo de seus preceitos, com o que asseguram aos seus titulares posições juridicamente vantajosas, que são invioláveis por parte do Estado ou dos particulares58.

Nesse contexto, cabe registrar que a importância conferida à tutela dos direitos das minorias59 e à garantia do pluralismo, expresso nas diversidades cultural, religiosa, étnica e social encontradas na sociedade democrática, implementa um ideal de justiça60.

Dito isso, é possível concluir que a sua inserção no ordenamento jurídico intenta uma reaproximação entre a ética e o direito61, redimensionando a relação entre direito e moral e fazendo com que o ideal de justiça perpasse por esse valor humano.

2.1.4 A mudança do paradigma teórico com base no neoconstitucionalismo

Nos tópicos anteriores foi ressaltada a relevância do conceito de Constituição, como sistema aberto de normas e princípios, que admite a entrada de valores no ordenamento jurídico, destacando-se entre eles os direitos fundamentais. Essas características são ínsitas ao Estado Democrático de Direito, sob a ótica do neoconstitucionalismo.

57 CAMBI, Eduardo. Neoconstitucionalismo e neoprocessualismo: direitos fundamentais,

politicas públicas e protagonismo judicial cit., p. 34.

58 ABBOUD, Georges; CARNIO, Henrique Garbelini; OLIVEIRA, Rafael Tomaz de. Introdução

à teoria e a filosofia do direito. São Paulo: RT, 2013. p. 230-232.

59 DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério cit., p. 208-209.

60 Sobre a importância do pluralismo para a designação de um ideal de justiça, conferir:

CITTADINO, Gisele. Pluralismo, direito e justiça distributiva: elementos da filosofia constitucional contemporânea. 3. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004.

(28)

Cabe salientar, entretanto, que a importância dos referidos elementos não apenas se constata por meio da análise isolada de cada um deles, mas também deflui da relação que estabelecem um com o outro, no intuito de admitir a inserção de valores ético-políticos no Direito, superando o modelo de positivismo centralizado nos códigos e orientando uma nova concepção de ordem jurídica centralizada em um modelo constitucional.

É o que se vê em Dworkin62 e Alexy63, ao relacionarem à ordem jurídica a ideia de fins ou valores asseguráveis no âmbito democrático, destacando dentre eles aqueles que compõem a essência do Estado Democrático de Direito.

Como observa Faralli, essa concepção apresenta três aspectos principais, quais sejam, a dimensão de correção moral do direito, a relevância do processo decisório e a vinculação dos poderes instituídos aos mandamentos constitucionais, com fiscalização do Judiciário, formulados em uma crítica ao positivismo normativista:

[...] Em primeiro lugar, essas teorias consideram central a dimensão de correção “moral” do direito e afirmam que esta não pode ser reduzida ao direito válido, como na perspectiva positivista, apenas em termos formais. A defesa da conexão entre direito e moral baseia-se no processo de inclusão de conteúdos morais no direito, expressos nos princípios e nos direitos invioláveis dos indivíduos. A presença dos princípios se traduz na abertura do direito aos conteúdos morais e, paralelamente, determina o desenvolvimento de novas formas de decisões judiciais (ponderação de princípios, balancing). Em segundo lugar, e com base nessas novas formas decisórias, ressalta-se os processos de aplicação do direito, em particular dos judiciários, para a sua determinação no interior dos sistemas constitucionais. Em terceiro lugar, em relação direta com o segundo aspecto, evidencia-se a vinculação, no âmbito da estrutura político-constitucional, do legislador aos princípios e aos direitos constitucionais, bem como do papel decisivo dos juízes para a sua execução, mesmo em contraste com as decisões legislativas e com a lei.64

62 DWORKIN, Ronald. O império do direito. Trad. Jefferson Luiz Camargo. São Paulo: Martins

Fontes, 1999. p. 291.

63 ALEXY, Robert. Sistema jurídico y razón practica. El concepto y la validez del derecho.

Barcelona: Gedisa Ed., 1994. p. 159.

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Apesar de apresentarem concepções diversas, é importante consignar que Dworkin e Alexy são aqueles que melhor desenvolveram a suscitada temática.

Nesse sentido, Dworkin desenvolve um modelo de coerência do Direito, conferindo, com êxito, normatividade aos princípios, para integrá-los ao sistema jurídico e torná-los instrumentos aptos a garantir a integridade do direito. Com isso, exige-se que as autoridades constituídas e suas respectivas decisões sejam com eles coerentes, bem como atentem e resolvam eventuais conflitos entre eles estabelecidos e respeitem as circunstâncias do caso concreto, de modo a se alcançar uma decisão racional e correta, em obediência às diretrizes de integridade e coerência do Direito65.

Por sua vez, Alexy busca aprimorar um modelo procedimental do Direito, definindo também os princípios como uma espécie de norma jurídica a ser utilizada para aperfeiçoar a sua aplicação, incumbindo à autoridade judicial a sua incidência em casos-limite, por meio de um procedimento de ponderação66.

Por diferentes vieses, vários outros estudiosos da ciência jurídica acompanham o desenvolvimento teórico iniciado por esses autores, cabendo mencionar Gustavo Zagrebelsky e Carlos Santiago Nino67.

Nesse sentido, partindo da importância dos mandamentos constitucionais para o ordenamento jurídico, Zagrebelsky e Nino reconhecem a importância da moral e dos princípios para a estruturação do Direito68.

De efeito, o primeiro afirma a importância de se assegurar a existência e o convívio de uma pluralidade de valores e princípios na órbita jurídica

65 Cf. CALSAMIGLIA, Abert. El concepto de integridad en Dworkin. Doxa – Cuadernos de

Filosofia del Derecho, Alicante, n. 12, 1992.

66 Cf. ALEXY, Robert. Teoria discursiva do direito. Trad. Alexandre Trivisonno. Rio de Janeiro:

Forense Universitária, 2014.

67 POZZOLO, Susana. Neoconstitucionalismo y especificidad de la interpretación

constitucional. Doxa: Cuadernos del Filosia del Derecho, Espanha, v. 21-II, p. 339, 1998.

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contemporânea, visando ao alcance de um direito dúctil ou maleável, a saber, mais plural, adequado à complexidade social e melhor aparelhado para alcançar soluções justas69. Por sua vez, o segundo critica o positivismo jurídico e reforça a conexão entre direito e moral, aduzindo que as normas jurídicas necessariamente devem ser respaldadas em princípios ou razões morais encontrados no âmbito democrático e discursivo, sendo as decisões construídas com base num debate racional, que deve levar em consideração a participação popular70.

Por meio das apreciações feitas até o momento, é possível extrair os elementos que compõem um novo paradigma teórico, a saber, a prevalência dos princípios sobre as normas, o enaltecimento do processo de ponderação, a limitação da independência do legislador em face da Constituição e a concessão de maior liberdade ao juiz71.

Como esclarece Pozzolo, isso significa que: (1) o ordenamento jurídico não se compõe somente de normas jurídicas, mas também de princípios que positivam valores morais, podendo ser aplicados diretamente no caso concreto e alcançar uma decisão mais justa; (2) os processos de interpretação e aplicação do Direito, concebidos por meio da ampliação dos tipos normativos, superam o método meramente subsuntivo e buscam, em regra, pela ponderação ou balanceamento, uma solução para resolver casos difíceis; (3) o texto constitucional penetra sobre a atividade desenvolvida pelo Poder Público, não servindo somente para distribuí-lo e organizá-lo, mas também para efetivamente guiar as atividades por ele desenvolvidas, no sentido de concretização do texto constitucional; e (4) é atribuída relevância ao papel assumido pelo juiz como elemento fundamental para racionalizar o sistema

69 Cf. ZAGREBELSKY, Gustavo. El derecho dúctil cit.

70 NINO, Carlos Santiago. La constitución de la democracia deliberativa. Barcelona: Gedisa,

2003. p. 273.

71 POZZOLO, Susana. Neoconstitucionalismo y especificidad de la interpretación

(31)

jurídico, adequando a legislação aos comandos constitucionais e às exigências de justiça72.

O posicionamento é acompanhado por Carbonell, que, apesar de registrar a existência de diversas formas de trabalhar o assunto73, indica que o fenômeno suscita três níveis de análise, a saber, textos constitucionais, práticas jurisprudenciais e desenvolvimento teórico74, os quais se reportam, respectivamente, à materialização das normas de Direito Constitucional que condicionam a atuação do Estado a certos fins e objetivos, à inserção de parâmetros interpretativos novos na atividade judicial e ao desenvolvimento de novas teorias que

parten de los textos constitucionales fuertemente substantivos y de la practica jurisprudencial recién enunciada, pero también suponen aportaciones de frontera que contribuyen en ocasiones no solamente a explicar un fenómeno jurídico, sino incluso a crea-lo75.

Ao final, conclui o autor que a novidade trazida por esse novo paradigma está na forma com que esses três elementos são relacionados em conjunto na atualidade, relativamente aos modelos de direito positivo adotados anteriormente76.

Por tudo, o destaque que se evidencia é uma nova forma de trabalhar o positivismo, identificada pela tentativa de superar os modelos anteriores, fazendo valer a centralidade atribuída aos preceitos constitucionais, o que permite a construção de diversos paradigmas teóricos e torna central o papel do intérprete-aplicador do Direito.

72 POZZOLO, Susana. Neoconstitucionalismo y especificidad de la interpretación

constitucional cit., p. 339-342.

73 CARBONELL, Miguel. Nuevos tiempos para el constitucionalismo. In: CARBONELL, Miguel

(org.). Neoconstitucionalismo(s). Madrid: Trotta, 2003. p. 10-12.

74 CARBONELL, Miguel. El neoconstitucionalismo en su laberinto. In: CARBONELL, Miguel

(coord.). Teoría del neoconstitucionalismo. Ensayos escogidos. Madrid: Trotta, 2007. p. 9-12.

(32)

Entre os referidos paradigmas se destaca o modelo neopositivista77 enquanto expressão do neoconstitucionalismo, e que se reflete na maneira pela qual as conquistas trazidas no plano do direito constitucional influenciam o direito positivo – o que será objeto do tópico seguinte.

2.2 Do positivismo ao neopositivismo

2.2.1 O positivismo jurídico na atualidade

O neopositivismo pode ser identificado como uma nova forma de conceber o positivismo jurídico, que reflete as consequências do neoconstitucionalismo no direito positivo78. Com ele foi reconhecida a força normativa da Constituição, conferido destaque ao papel dos princípios jurídicos, consagrados direitos fundamentais, e promovida uma transformação da hermenêutica jurídica, com destaque para a atividade jurisdicional79.

Por força normativa da Constituição, faz-se referência ao novo papel atribuído à carta constitucional, que deixa de ser encarada como uma simples carta de boas intenções ou como um mero arrazoado de diretrizes políticas,

77 CAMBI, Eduardo. Neoconstitucionalismo e neoprocessualismo: direitos fundamentais,

politicas públicas e protagonismo judicial cit., p. 78-79.

78 É o que Luís Roberto Barroso nomina de pós-positivismo (BARROSO, Luís Roberto.

Neoconstitucionalismo e constitucionalização do direito cit., p. 140-141). Registre-se, entretanto, que a denominação do referido fenômeno no Brasil é controvertida, sendo suscitado como errôneo indicá-lo como pós-positivismo, conforme adverte Georges Abboud (ABBOUD, Georges. Jurisdição constitucional e direitos fundamentais cit., p. 50) e Lênio Streck (STRECK, Lênio Luiz. Verdade e consenso. Constituição, hermenêutica e teoria discursiva da possibilidade à necessidade de respostas corretas no direito. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 35-37), que faz referência expressa aos escritos de Eduardo Cambi em obra recente (STRECK, Lênio Luiz. O que é isto? Decido conforme a minha consciência? Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010. p. 29). Não obstante, a expressão pós-positivismo é utilizada em sentido amplo, consoante registra Albert Calsamiglia (CALSAMIGLIA, Albert. Postpositivismo. DOXA – Cuadernos de Filosofía del Derecho, v. 21-I, p. 209, 1998), pelo que não se acredita propriamente equivocada a sua manutenção. Porém, para se evitar confusões terminológicas, acredita-se melhor denominar o referido fenômeno como neopositivismo, como o faz Eduardo Cambi (CAMBI, Eduardo. Neoconstitucionalismo e neoprocessualismo: direitos fundamentais, politicas públicas e protagonismo judicial cit., p. 78-79), que é posteriormente referenciado por Didier Jr. (DIDIER JR., Fredie. Teoria do processo e teoria do direito: o neoprocessualismo. In: DIDIER JR., Fredie (coord.). Teoria do processo: panorama doutrinário mundial. Salvador: JusPodivm, 2008. v. 2).

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cujo cumprimento não era efetivamente vinculante ou imperativo no que se refere aos Poderes constituídos80.

No que concerne aos princípios, cabe registrar o seu soerguimento à condição de tipo normativo, ao que assumiu nova função no ordenamento jurídico e proporcionou o surgimento de uma série de estudos que pretendem atribuir-lhe uma correta articulação com as regras e os demais elementos que compõem o fenômeno jurídico81.

Por direitos fundamentais, reporta-se ao reconhecimento, no âmbito do direito positivo e, mais precisamente, no âmago das cartas constitucionais, dos direitos humanos, que se consubstanciam na dignidade da pessoa humana e que estabelecem limites para a atuação do Estado e dos particulares, no intuito de preservar o elemento humano como valor-fonte que conforma a concepção de direito82.

Já a transformação hermenêutica jurídica vem a fortalecer a atividade jurisdicional, conferindo-lhe maior liberdade para interpretar os comandos normativos e solucionar os casos concretos por meio de novos modelos interpretativos83, os quais favorecem a observância de princípios jurídicos, de cláusulas gerais e de conceitos jurídicos indeterminados84.

80 SARMENTO, Daniel. O neoconstitucionalismo no Brasil: riscos e possibilidades. In: LEITE,

George Salomão; SARLET, Ingo Wolfgang (org.). Direitos fundamentais e estado constitucional: estudos em homenagem a J. J. Gomes Canotilho. São Paulo: RT, 2014. p. 12-13.

81 Cf. Humberto Ávila, ao enfrentar o tema e, em seguida, propor uma nova forma de articular

princípios e regras (ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 15. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Malheiros, 2014).

82 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais: uma teoria geral dos direitos

fundamentais na perspectiva constitucional cit., p. 68.

83 BARROSO, Luís Roberto. Fundamentos teóricos e filosóficos do novo direito constitucional

brasileiro: pós-modernidade, teoria crítica e pós-positivismo. In: BARROSO, Luís Roberto (org.). A nova interpretação constitucional: ponderação, direitos fundamentais e relações privadas. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2006. p. 1-48.

84 ABBOUD, Georges; CARNIO, Henrique Garbelini; OLIVEIRA, Rafael Tomaz de. Introdução

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Nesse sentido, o neopositivismo busca superar as tradicionais concepções de positivismo encontradas até a primeira metade do século XX85, além de conferir ao Judiciário o relevante papel da preservação da nova ordem jurídica e do Estado Democrático de Direito86.

Assim, enquanto superação do positivismo jurídico, opõe-se a ideia de exclusão do justo da noção de direito e não identifica o direito exclusivamente como aquilo que é emanado normativamente pelo Estado, num sistema fechado, sem lacunas, voltado a um método construtivo lógico-formal e a um procedimento de subsunção – como sugerem as lições clássicas do positivismo jurídico87.

Sobre o assunto, cabe registrar que igualmente não retoma a concepção jusnaturalista de outrora ou consagra o empirismo jurídico, como pensamento dominante a nortear o estudo do direito, mas utiliza o referido arcabouço para moldar uma nova concepção teórica88.

Nesse sentido, confere-se importância aos elementos éticos que passaram a influenciar o estudo do Direito89, restando autorizado o intérprete a buscar a compatibilidade da norma com o conteúdo normativo e a recorrer a critérios decisórios que ultrapassam a estrutura rígida da legalidade90.

Com efeito, o fenômeno jurídico passa a ser analisado a partir de uma perspectiva de concretização, sendo o direito concebido como um fenômeno

85 BARROSO, Luís Roberto. Fundamentos teóricos e filosóficos do novo direito constitucional

brasileiro: pós-modernidade, teoria crítica e pós-positivismo cit., p. 28.

86 SARMENTO, Daniel. O neoconstitucionalismo no Brasil: riscos e possibilidades cit., p. 17. 87 CAMBI, Eduardo. Neoconstitucionalismo e neoprocessualismo: direitos fundamentais,

políticas públicas e protagonismo judicial cit., p. 79-83.

88 BARROSO, Luís Roberto. Fundamentos teóricos e filosóficos do novo direito constitucional

brasileiro pós-modernidade, teoria crítica e pós-positivismo cit., p. 23-27.

89 LOSANO, Mario G. Sistema e estrutura no direito: o século XX. Trad. Carlo Alberto Dastoli.

São Paulo: Martins Fontes, 2010. v. II, p. 255-258.

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interpretativo, em que se destaca a atividade desenvolvida pelo Judiciário de fiscalização e correta aplicação do direito91.

Por via de consequência, valoriza-se a jurisprudência como fonte do direito e dá-se destaque aos momentos de argumentação e de fundamentação para a concretização do direito em sede de decisão judicial, vez que, enquanto concebida como o resultado da aplicação dos textos normativos pelos tribunais, a jurisprudência adquire relevância quando observada como costume jurídico reconhecido pelo órgão julgador e como forma de complementar as hipóteses fáticas previstas na legislação. Por isso, tem a função básica de interpretar e concretizar o próprio direito92.

Nessa perspectiva, visa-se a alcançar técnicas que primem pela coerência e uniformização das decisões judiciais, sem imobilizar a atividade interpretativa do Direito e sem comprometer os ganhos auferidos com os desenvolvimentos da ciência jurídica93.

Desse modo, o neopositivismo vem unir as tendências atuais que informam a ciência jurídica, entronizando as ideias do constitucionalismo contemporâneo sobre o amplo papel desempenhado pela Constituição para consecução dos valores reconhecidos pelo constituinte em sociedade. Isso tudo com vistas a preservá-los e torná-los concretos, no que conta imprescindivelmente com a função desempenhada pelo Poder Judiciário.

91 CAMBI, Eduardo. Neoconstitucionalismo e neoprocessualismo: direitos fundamentais,

políticas públicas e protagonismo judicial cit., p. 108-113.

92 Idem, ibidem, p. 143-170.

93 Sobre o assunto, cabe registrar as palavras de Marinoni, ao aduzir que o constitucionalismo

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2.2.2 Neoprocessualismo

O neoprocessualismo veio a ratificar no plano processual o império da Constituição e dos direitos fundamentais sobre os códigos, o que fez que a legislação processual civil se conformasse à nova ordem constitucional.

É o que esclarece Cambi, ao aduzir que a Constituição assumiu um papel fundamental na construção do neoprocessualismo, ao contemplar direitos e garantias fundamentais de ordem material e processual, os quais alteraram o modo de construção da norma jurídica, impondo que as atividades legislativa e jurisdicional se submetam às disposições constitucionais94.

Nesse sentido, a Constituição figura como norte a orientar a atividade jurídica tanto no plano formal como no plano substancial95, tornando imperativa a leitura da legislação infraconstitucional a partir da Carta Constitucional96.

Com efeito, o neoprocessualismo é consequência da formação desse novo paradigma97 e acaba por refletir as transformações ocorridas no direito processual em função do fenômeno da constitucionalização do direito.

Para efeito de registro, são exemplos das referidas transformações:

a) a postura ativa do juiz, que intervém e atua de forma a dar jurisdição, porque este é um dos deveres do Estado, com franca valorização do princípio inquisitivo; b) o reconhecimento de que é necessário ao estado-juiz intervir para igualar as partes e permitir o devido processo legal; c) a supremacia das técnicas de efetividade em detrimento das técnicas de segurança; d) o total desapego à forma dos atos processuais, valorizando-se a instrumentalidade das formas; e) a execução com base em provimentos prováveis e a valorização do juízo de verossimilhança; f) a revisitação do mito e o dogma da coisa julgada material em prol das soluções justas; g) a

94 CAMBI, Eduardo. Neoconstitucionalismo e neoprocessualismo. Panóptica, Vitória, ano 1, n.

6, p. 1-44, fev. 2007.

95 MARINONI, Luiz Guilherme. Precedentes obrigatórios cit., p. 65-70.

96 NERY JR., Nelson. Princípios do processo civil na Constituição Federal. 7. ed. rev. e atual.

São Paulo: RT, 2002. p. 19-20.

97 CARNEIRO JÚNIOR, Amilcar Araújo. A contribuição dos precedentes judiciais para a

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superdesvalorização do direito de agir em troca da valorização da jurisdição (entrega da tutela jurisdicional); h) a aproximação do binômio direito e processo como meio de se alcançar uma eficácia social da tutela jurisdicional; i) o agrupamento das tutelas processuais num só processo (cognição, execução e cautelar); j) a prova passa a ser vista sob uma ótica pública; k) valorização da tutela específica em detrimento da tutela ressarcitória; l) a atipicidade das técnicas executivas, permitindo ao juiz a escolha do meio executivo para cada caso em concreto; m) simplificação da técnica executiva.98

A assertiva se explica pelo fato de as cartas constitucionais contemporâneas não se limitarem a dispor sobre a formação e a organização do Estado ou a disciplinar a atuação do poder político, pois também preveem disposições expressas que regem o direito processual, reconhecendo a importância e a fundamentabilidade das suas disposições em face do Estado Democrático de Direito99.

Com isso, foram assegurados constitucionalmente direitos e garantias fundamentais de natureza processual, como o devido processo legal (art. 5.º, LIV), o direito ao contraditório e à ampla defesa (art. 5.º, LV), o dever de publicidade e de fundamentação das decisões judiciais (art. 93, IX) e o direito à razoável duração do processo (art. 5.º, LXXVIII), além de terem sido estabelecidos mecanismos para ampliar e aperfeiçoar a disciplina do processo, como o mandado de segurança coletivo, o mandado de injunção e o habeas data100.

Desse modo, o direito processual deixa de ser visto como simples direito adjetivo, voltado a realizar a jurisdição independentemente dos escopos metajurídicos que também estão presentes na atuação do Estado para a resolução de conflitos101, passando a ser concebido como instrumento efetivo à

98 RODRIGUES, Marcelo Abelha. Ação civil pública. In: DIDIER JR., Fredie (org.). Ações

constitucionais. 5. ed. rev., atual. e ampl. Salvador: JusPodivm, 2011. p. 345-346.

99 NUNES, Dierle; BAHIA, Alexandre. Processo constitucional contemporâneo. In:

THEODORO JÚNIOR, Humberto; CALMON, Petrônio; NUNES, Dierle (coord.). Processo e Constituição: os dilemas do processo constitucional e dos princípios processuais constitucionais. Rio de Janeiro: GZ, 2010. p. 1-31.

100 Idem, ibidem.

101 DINAMARCO, Cândido Rangel. A instrumentalidade do processo. 14. ed. São Paulo:

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realização do direito em conformidade com a ordem constitucional e com os direitos fundamentais102.

Nessas circunstâncias, é conferido ao direito processual o dever de dar efetividade à Constituição por meio do processo e de atender à compatibilidade das instituições e institutos junto aos preceitos constitucionais, conforme registra a doutrina abalizada sobre o desenvolvimento dos estudos de “processo constitucional”103.

Como consequência, incumbe a todos os órgãos jurisdicionais observar e fazer observar os preceitos constitucionais, seja por meio do exercício da jurisdição ordinária, que permite a qualquer juiz deixar de aplicar lei que considere inconstitucional, seja por meio do controle de constitucionalidade e de remédios constitucionais, que buscam dar efetividade à Constituição por meio do processo104.

No âmbito formal, em que se circunscreve o direito processual, isso significa também viabilizar a organização judiciária e a tutela constitucional do processo, com vistas a assegurar a independência do Poder Judiciário e constituir o processo como instrumento de realização da justiça105.

Por conseguinte, garante-se também a independência política e jurídica do Poder Judiciário e de seus membros, para que possam desempenhar com desenvoltura e imparcialidade a função jurisdicional de guardião da ordem jurídica, bem como assegura que a tutela jurisdicional do Estado se desenvolva por meio das fórmulas amplas do devido processo legal

102 THEODORO JÚNIOR, Humberto. O processo civil brasileiro contemporâneo iluminado

pelos princípios constitucionais. In: MENDES, Aluísio Gonçalves de Castro; WAMBIER, Teresa Arruda Alvim (org.). O processo em perspectiva: jornadas brasileiras de direito processual civil – homenagem a José Carlos Barbosa Moreira. São Paulo: RT, 2013. p. 173-200.

103 NERY JR., Nelson. Princípios do processo civil na Constituição Federal cit., p. 20-24.

104 Cf. ALMEIDA, Gregório Assagra de; CIANCI, Mirna. Direito processual do controle da

constitucionalidade. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 19-26 e 45-49.

105 CINTRA, Antônio Carlos Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido

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e do acesso à justiça, as quais se manifestam formal e materialmente para garantir os direitos dos jurisdicionados106.

Dada a sua amplitude, assume tanto o sentido de acesso formal aos órgãos da jurisdição e de utilização de todos os meios necessários para fazer valer a pretensão posta em juízo, como condiciona materialmente o ordenamento jurídico em busca do imperativo de justiça, que extravasa o âmbito meramente técnico-processual.

No conjunto, as referidas garantias traduzem a existência de um direito fundamental à tutela jurisdicional, que se desenvolve na necessidade de se disponibilizar em favor dos jurisdicionados a concessão de tutela jurisdicional adequada, efetiva e célere. A dizer, a tutela deve ser adequada quanto aos meios utilizados, efetiva quanto ao resultado a ser obtido e célere quanto ao tempo de duração do processo107.

E mais. Por conformar orientação que não se limita à busca pela efetividade do processo, o neoprocessualismo (também identificado como formalismo-valorativo108) configura uma nova fase de desenvolvimento histórico do processo109.

Como assevera Alvaro de Oliveira, a nova fase se distingue das anteriores, entre outros motivos, por conferir maior ênfase ao desenvolvimento do constitucionalismo contemporâneo, ao permitir que o processo seja visto além da técnica e da limitada consagração única do valor efetividade110.

É o que esclarece Mitidiero ao afirmar que:

106 CINTRA, Antônio Carlos Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido

Rangel. Teoria geral do processo cit., p. 90-94 e 191-195.

107 CAMBI, Eduardo. Neoconstitucionalismo e neoprocessualismo: direitos fundamentais,

políticas públicas e protagonismo judicial cit., p. 218.

108 MITIDIERO, Daniel. Colaboração no processo civil: pressupostos sociais, lógicos e éticos.

2. ed. São Paulo: RT, 2011. p. 51-52.

109 CAMBI, Eduardo. Neoconstitucionalismo e neoprocessualismo: direitos fundamentais,

políticas públicas e protagonismo judicial cit., p. 115.

110 OLIVEIRA, Carlos Alberto Alvaro de. Do formalismo no processo civil: proposta de um

Referências

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