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A arte e sua implicação com o conhecimento: denotações sobre o conceito do Belo

2. A ARTE, A ESTÉTICA E A EDUCAÇÃO: MÚLTIPLAS INFLUÊNCIAS

2.5 A arte e sua implicação com o conhecimento: denotações sobre o conceito do Belo

Na defesa da arte como conhecimento, temos o desafio de avançar na compreensão da estética limitada ao conceito do belo e ao conhecimento sensível; compreendendo-a como a relação dos homens com os objetos. “Certamente, embora o

estético tenha que contar com a presença de componentes sensíveis, imaginários ou afetivos irredutíveis ao conceitual, isso não exclui o elemento intelectivo, tanto no objeto quando no comportamento em relação a ele.” (SÁNCHEZ VÁZQUEZ, 1999 p. 54). Quanto ao belo como parte da estética, diversos marxista já apontaram o perigo da hipervalorização deste conceito para a redução da estética formativa. Se concentrando na beleza da obra, ficamos na esfera da subjetividade individualizada. Não ocorre um relacionamento entre sujeito e objeto, apenas uma aproximação.

As teorias acerca da constituição e desenvolvimento biológico do homem, igualmente como o conceito do belo, exercem forte influência na sociedade, e acabam desviando a discussão em torno das questões centrais para a compreensão das diferenças culturais como a política, a sociedade, a educação. A teoria da evolução de Charles Darwin e Jean-Baptiste Lamarck até hoje encontra reflexo em nossa sociedade quando se discute questões de raça. Na teoria destes biólogos, a grosso modo, alguns grupos, entre eles os europeus, foram considerados superiores aos africanos em suas faculdades intelectuais; tudo “explicadinho” pela Teoria da Evolução44. Para Kabenguele Munanga45 “todo esse preconceito foi construído a partir da ciência, que nós podemos chamar de pseudociência e isso foi difundido no tecido social através da educação e da socialização”.

Neste viés distorcido a questão do belo segue por caminhos parecidos. Também na arte encontramos na teoria do belo a manutenção de um ideal de beleza, resultando o racismo cultural46. Ainda que seja prudente considerar a origem das discussões em torno do conceito da beleza (Platão e a sociedade grega; Baumgarten na filosofia), é preciso entender a sua metamorfose e o que significa essas transformações na vida individual e coletiva; quais os interesses que motivaram ao longo da história, a definição “dos belos” e como essas mudanças estão sendo discutidas na educação estética dos sujeitos.

44 Disponível em: <http://negrobelchior.cartacapital.com.br/2014/04/29/xingar-de-macaco-uma-pequena-historia-

de-uma-ideia-racista/ >

45 Em palestra proferida “Seminário “Juventude Negra: Preconceito e Morte”. Disponível em:

<http://www.geledes.org.br/seminario-juventude-negra-preconceito-e-morte-profo-dr-kabengele-munanga- 2/#axzz3XlIVCDNz>. Acesso em 19 de abril de 2015, as 22:15h.

46 Questão problematizada no texto de Mamadou Ba “O racismo começa onde acaba a cultura?” Disponível em: <http://www.geledes.org.br/o-racismo-comeca-onde-acaba-cultura/#axzz3QtbiGCWR > Acesso em 13 de abril de 2015, as 21:19h.

Necessitamos conhecer para a devida crítica, posturas filosóficas47 como as de Hume, Kant, Hegel e até o próprio Marx (ver as críticas do marxismo de Carlos Moore no livro “marxismo e a questão racial48) entre outros, que na elevação moral dos brancos europeus defendem a supremacia branca, distingue as raças e consideram os negros incapazes de produzir arte e ciência; em outras palavras negam o intelecto desacreditando em sua capacidade de conhecimento. ‘Trocando em miúdos’ a educação estética para a emancipação não pode ser pensada pela obliquidade subjetivista, mas sim ser desvelada em todo seu prisma conceitual e ideológico.

O que a escola e universidade estão fazendo para combater o racismo questionando as posturas eurocêntricas na arte são perguntas importantes neste projeto emancipatório. Dos 51 artigos analisados, apenas um dos autores traz para a discussão da formação em Arte a questão da religiosidade africana49. A lei 10.639/200350 (alterada pela Lei 11.645/200851) obriga que a educação formal aborde essas (entre outras) questões e a Arte é disciplina chavepara esta abordagem crítica, junto com a História e a Literatura. A compreensão deste tramado que envolve a arte como objeto humano só é possível a partir da análise crítica do discurso ideológico que legitima o padrão estético existente. Para Sánchez Vásquez, o pensamento estético compõe a consciência humana, e seu caráter filosófico tem implicação metafisica, ontológica e antropológica. Para o autor, pensar a estética é considerar os objetos, atos, processos, experiências singulares em um conjunto aberto em sua totalidade. Tal totalidade na educação se configura como o combate ao racismo e ao branqueamento estético existente, que subjuga nas escolas e nas universidades os alunos negros que lá se encontram. Discutir questões acerca da estética negra de forma valorativa, bem como o reconhecimento dos padrões artísticos,

47Discussão presente no texto de Walter Praxedes “Eurocentrismo e racismo nos clássicos da filosofia e das ciências sociais”. Disponível em:< http://www.espacoacademico.com.br/083/83praxedes.htm >

48 Disponível para download em: http://portalconservador.com/livros/Carlos-Moore-Marxismo-e-a-Questao-

Racial.pdf

49 PAP16, Corpo e candomblé - conhecimento e estética na cultura popular.

50A Lei 10.639/03, que versa sobre o ensino da história e cultura afro-brasileira e africana, ressalta a importância da cultura negra na formação da sociedade brasileira. Disponível em:

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2003/l10.639.htm

51 Altera a Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996, modificada pela Lei no 10.639, de 9 de janeiro de 2003, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, para incluir no currículo oficial da rede de ensino a

força de trabalho e luta social dos negros é um dos pontos essenciais para a emancipação.

Sobre a relação estética com os objetos Sánchez Vázquez lembra que ela nem sempre existiu: como exemplo cita o uso do crucifixo, que em sua originalidade representa o Cristo crucificado, símbolo de devoção dos católicos; e na contemporaneidade se torna objeto estético. Mas mesmo esses objetos ao longo do tempo ganharam uma porção estética na relação com o homem. Um exemplo das faces que pode assumir o conceito de beleza e as mudanças da relação na estética são as máscaras africanas que foram, a priori, incompreendidas enquanto símbolo da cultura de Áfricas52. Consideradas feias, imperfeitas e primitivas encontram legitimidade53 na obra de Pablo Picasso (Lés Demoiselles D'avignon"), Paul Gauguin e Amedeo Clemente Modigliani. A clara desvalorização da identidade artística de origem africana reflete o interesse da classe dominante em se apropriar da cultura do mundo.

Os valores acerca do belo são definidos em cada tempo, conforme os interesses existentes (podemos nesta reflexão pensar nos ditames da igreja católica acerca da arte). Como diz o ditado popular ‘nem tanto ao céu, e nem tanto a terra’ cabe a educação estética discutir os porquês imbricados na definição do Belo, revelando seu caráter metamórfico. E mesmo hoje, no universo tecnológico, as mudanças e a popularização do conceito da estética precisam ser explicadas, fugindo de generalizações.

No mundo contemporâneo, a sociedade midiática impõe a ditadura da beleza exaltando um padrão de corpo e vida social inatingível para a grande maioria. A beleza se torna o inferno para aqueles que não se enquadram em suas medidas e cores. No campo das artes, a cultura de massa manipula os sujeitos, que envolvidos pelo círculo problemático do agradável, que Lukásc já condenou, seguem inconsciente da importância da arte e da cultura na formação humana. O baixo nível de consciência é uma característica do mundo capitalista que privilegia o que pode ser consumido e descartado. A arte verdadeira para Lukács promove um salto qualitativo desta condição.

52 Usamos o termo Áfricas para contemplar as particularidades dos países pertencentes a este continente. 53 Discussão disponível em: file:///C:/Users/Rosana/Downloads/01410890973.pdf

Discutir conceitos, questionar os valores estéticos da obra de arte é direito dos alunos. A arte pela arte (o esteticismo) é para Konder (1967) “o desajuste básico entre os artistas e o meio social em que vivem”. Este desajuste se reflete em algumas práticas docentes que assumem o esteticismo. Educar os sujeitos visando a emancipação torna a ação docente trabalhosa, complexa, desafiadora diferente de algumas práticas educativas pautadas no prazer imediato, do vale tudo, do deixa fazer. No entanto, o professor comprometido com a docência precisa saber que atua na formação dos sujeitos em duas frentes: buscando a educação para a emancipação ou contribuindo com o processo desumanizante do capitalismo. A educação estética se equilibra nesta fronteira que é ser, ponto de resistência ou instrumento do capital.

As obras de arte selecionadas para a prática pedagógica são antes de qualquer coisa ação consciente para a educação. Konder (1967) aponta que para Marx e Engels a arte é um aspecto dinâmico do conhecimento humano e que este conhecimento não é dado, e sim antes um ato; ação de conhecer que leva a transformação do sujeito; é na práxis que o homem se forma enquanto ser pensante. “A arte preenche a função de plasmar as consciências humanas, exercendo uma influência educacional. A arte educa enquanto arte, e não enquanto ato educativo”. (Konder segundo Gramsci p. 114). Essa força formativa da arte se concentra em sua porção estética (forma e conteúdo). Será a partir de seu reflexo do real que a obra de arte se aproxima da vida social e do desenvolvimento do homem.

As considerações preliminares deste subtítulo “Arte é conhecimento” servem para reforçar a defesa deste conhecer arte, no sentido profundo da palavra. Conhecer para transformar, onde o saber confere poder de questionar e discutir. Aliás, esta é uma premissa que deveria ser o norte da educação na libertação dos sujeitos de sua condição alienada. Os educadores que compreendem as implicações do conhecimento na vida dos sujeitos lutam pela educação comprometida com este desafio.

Um exemplo de busca de transformação através da educação é o projeto pedagógico do Ilê Aiyê, na cidade de Salvador (bairro da liberdade, na rua do Curuzu) na Bahia. Através da Escola Mae Hilda54 prioriza a ampliação do universo cultural dos discentes com visita a museus, bibliotecas, teatros, galeria de artes, terreiros de

candomblé, seminários, conferências, etc. A Escola consciente de seu dever55, e “seguindo a missão do Ilê Aiyê de que conhecimento é poder, o projeto vestibular social incentiva não apenas os jovens, mas também adultos que não conseguiram realizar o sonho de estudar num curso de graduação superior e desejam retomar seu processo educacional” (NEVES, 2015 p. 56). Portanto, a Escola Mae Hilda grega a cultura local aos saberes escolares (disciplinas curriculares comuns a outras escolas) e juntos capacitam os sujeitos que vivem em constante processo de exclusão, a compreender sua condição social, ao mesmo tempo que revela os caminhos para vencer a segregação.

O diferencial da escola Mãe Hilda é o desenvolvimento do pensamento do coletivo (na contramão do individualismo em si) que gera um pertencimento comunitário importante para o desenvolvimento também do individual. Com o lema “se o poder é bom, queremos o poder”! A educação para os dirigentes da escola é condição necessária para assumir esse poder por isso agregam os valores da sua cultura aos saberes historicamente desenvolvidos, pois é preciso desenvolver as competências para a luta que é o mundo do trabalho56”.

No caso do fetichismo da individualidade, o que ocorre é que em vez de a individualidade ser considerada fruto de um processo educativo e auto educativo deliberado, intencional, ela é considerada algo que comanda a vida das pessoas e, em consequência comanda a relação entre as pessoas e a sociedade. (DUARTE, 1999, p. 11)

O fetichismo da individualidade neste caso se afasta do desenvolvimento das particularidades dos sujeitos no coletivo. A subjetividade é importante quando em equilíbrio com a objetividade do mundo concreto. Quando ocorre o desequilíbrio, o aluno fica abandonado a sua própria educação, refém de necessidades primeiras impostas pela sociedade capitalista. A educação que aceita o fetichismo da individualidade revela a falta de compromisso ou ainda uma necessidade de fugir da tarefa de responsabilidade de educar para a vida em sociedade. Para nos ajudar a

55 Discutimos esta parceria no capítulo I, no subtítulo “educação estética e cultura popular”.

56 Discurso de um dos diretores do Ilê Aiyê e coordenador pedagógico Edmilson Neves em uma conversa informal sobe o projeto político pedagógico do Ilê Aiyê.

romper com esse caminho que pouco nos acrescenta, o autor lembra que o homem é determinado pelas circunstancias tanto quanto as determina.

A escola e a universidade precisam ter essa compreensão para mediar essas tensões; as crianças, os adolescentes e os adultos cumprem papel diferenciados, ainda que em diálogo, no processo educacional. Essa relação de reciprocidade e respeito não anula o papel do educar, que é mediar o processo dos saberes escolares combatendo o “curioso processo de inversão no qual em vez do adulto ser a referência para a humanização das crianças, é a infância que passaria a ser a referência para a humanização dos adultos” (DUARTE, 1999, p. 15). A Arte na educação necessita ponderar sobre tais equívocos. Se “o trabalho educativo é o ato de produzir direta e intencionalmente, em cada indivíduo singular, a humanidade que é produzida histórica e coletivamente pelo conjunto dos homens” (Saviani 46), pensar o fetiche da individualidade, questionando seu pressuposto, é fundamental.

Como indivíduo empírico a criança se interessa por satisfações imediatas ligadas a diversão, a ausência de esforço, as atividades prazerosas. Como indivíduo concreto, por sintetizar as relações sociais que caracterizam a sociedade em que vive, seu interesse coincide com a apropriação das objetivações humanas, isto é, o conjunto dos instrumentos materiais e culturais produzidos pela humanidade. (Idem, 49).

Na mesma ordem está a discussão da falsa dualidade objetividade e subjetividade no processo criador do artista. É Marx que resolve essa questão quando determina ambos como indissociáveis. Arte na a educação se consolida com esses pressupostos quando considera a concretude do processo educacional de sujeitos reais e historicamente determinados. Toda percepção que não avança para a compreensão dos fenômenos fica no caminho, se distanciando dos processos que levam as mudanças. A educação estética que prioriza as transformações opta por priorizar a proximidade com a vida social e a sua relação a obra artística. Para tanto, se faz necessário a apropriação pelo sujeito do conteúdo humano presente na obra de arte; este é o papel da mediação do professor; desenvolvendo na educação estética a “tríplice consciência: da forma, do trabalho e do objeto” (SÁNCHEZ VÁZQUEZ, 1999 p. 100)

Sobre a obra de arte, o autor define que a forma é que ordena o sensível, que por sua vez vai provocar a experiência no sujeito fruidor, na ordem de junção dos fatores subjetivos e objetivos. A fim de exemplificar a importância da forma e o conteúdo estético que a compõem, Sánchez Vásquez cita duas esculturas mutiladas que conservam ainda o conteúdo estético; Vênus de Milo e a Vitória de Samotrácia

O objeto estético é “físico-perceptual”, e nele o “sensível” se acha organizado “em uma forma” que o torna “significativo”. Mas só tem essa tríplice e indissolúvel existência na relação entre “um sujeito e um objeto” que se concretiza ou realiza em cada situação estética que, sendo sempre singular, se encontra condicionada histórica, social e culturalmente. (SÁNCHEZ VÁZQUEZ, 1999, p. 121)

Para as situações estéticas explícitas, o autor considera as especificidades dos sujeitos na relação com a obra de arte; o conhecimento cultural é importante e está em constante desenvolvimento. Firma-se a partir daí, a necessidade da convivência com a arte; um direito para conhecermos a nossa humanidade.

Para Tertulian (2008), a grande Estética de Lukács precisa ser vista como um sistema filosófico que tem na dialética uma abordagem ontológica do mundo; e que revela o humanismo integral de seus escritos. A partir disso, junto com os conceitos da estética marxista, os fundamentos da educação estética para a emancipação assumimos as seguintes considerações: a arte é parte do homem e compõe a sua totalidade como sujeito concreto em cada etapa do seu desenvolvimento histórico; a arte para ser verdadeira precisa ser construída em equilíbrio (subjetividade e objetividade) na sua forma e conteúdo sendo o Realismo uma condição fundamental; a arte é conhecimento e não instrumento para o conhecimento. Entender o pertencimento da arte pela concreticidade do homem permite compreender as demais considerações acerca da humanização da arte e a sua potência educadora e emancipadora; e finalmente, a obra de arte para a educação estética emancipadora tem na particularidade a sua categoria central.