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2. A ARTE, A ESTÉTICA E A EDUCAÇÃO: MÚLTIPLAS INFLUÊNCIAS

2.3 A Obra de Arte e a Realidade do Homem

A educação estética emancipadora a partir dos conceitos do marxismo nos aproxima dos princípios humanistas que norteiam esta forma de ver o homem e o mundo. Quando empreendemos a crítica na identificação dos conceitos de educação estética presentes hoje nas aulas de Arte, nos inspiramos na teoria do materialismo histórico que busca o questionamento e a clareza acerca dos conceitos que envolvem os fenômenos. Lukács (2010) afirma que a clareza conceitual do marxismo em seus princípios fundamentais na esfera da criação enquanto atividade humana é um salto qualitativo sem precedentes. Defender o desenvolvimento integral do homem através da luta emancipadora do proletariado, significa também a condenação do sistema capitalista que impõe “o fracionamento da totalidade concreta do homem em especializações abstratas” (LUKÁCS, 2010, p. 20).

A ligação da arte como o mundo e com a realidade revela sua condição de pertencimento ao homem concreto41 e histórico. Portanto, algumas concepções em torno da obra de arte se tornam ponto de ebulição, como por exemplo, o combate ao naturalismo e a defesa da importância da forma artística envolvida com seu conteúdo.

É uma luta na qual o marxismo continua e desenvolve as teorias que os mestres da literatura mundial sempre tiveram em relação à essência da verdadeira obra de arte: teorias segundo as quais cabe à arte representar fielmente o real em sua totalidade, de maneira a manter-se distanciada tanto da cópia fotográfica quanto do puro jogo (vazio, em última instância) com as formas abstratas. (LUKÁCS, 2010, p. 25)

Para o autor, a verdadeira arte não pode se isentar de fornecer um olhar conjugado, representando o movimento da vida humana, ou seja, sua evolução e desenvolvimento. É através da concepção dialética que “a unidade universal móvel, o

41 Em Marx, “o concreto é tratado, primeiro de tudo, como uma característica objetiva da coisa considerada bastante independentemente de qualquer evolução que possa ter ocorrido no assunto do conhecimento. O objeto é concreto por e “nele mesmo”, independentemente de ser concebido pelo pensamento ou percebido pelos órgãos

sensoriais” (Ilienkov). Entenda um pouco mais aqui:

https://www.marxists.org/portugues/ilyenkov/1960/dialetica/03.htm

particular e o singular” (Idem, p. 26) que são específicas dos fenômenos artísticos, se concretizam.

A estética marxista se limita a desejar que a essência individualizada pelos escritos não venha representada de maneira abstrata, e sim, como essência organicamente inserida no quadro de fermentação dos fenômenos dos quais ela nasce. Não é absolutamente necessário que o fenômeno artisticamente figurado será atingido como fenômeno da vida cotidiana e nem mesmo como fenômeno da vida real em geral. Isso significa que até mesmo o mais extravagante jogo de fantasia poética e as mais fantásticas representações dos fenômenos são plenamente conciliáveis com a concepção marxista do realismo. (LUKÁCS, 2010, p.29)

Ao pensar no realismo enquanto mera representação da vida real, além de equivocados estaríamos diminuindo sua importância no que se refere à criação artística. A representação estética objetivada pressupõe a condição humana histórica do sujeito criador e sua obrigação em considerar na obra o mundo real ao qual pertence. No entanto não se limita a ela, pelo contrário, agrega em seu interior particular os cuidados necessários para o devido caminho criativo

Vemos, por conseguinte, que a objetividade da estética marxista não se acha absolutamente em contradição com o reconhecimento do fator subjetivo da arte. Mas devemos ainda considerar esta ideia de outro ângulo: precisamos acrescentar as nossas considerações que a objetividade marxista não significa neutralidade em face dos fenômenos sociais. Precisamente porque – como corretamente reconhece a estética marxista – o grande artista não representa coisas ou situações estáticas, mas investiga a direção e o ritmo dos processos, cumpre-lhe, como artista, definir o caráter de tais processos. (Idem, p.30)

A objetividade marxiana é uma tomada de posição do sujeito, fruto de sua consciência crítica perante a sociedade. Essa objetividade contempla a sua subjetividade representada pela dinâmica da obra de arte conferindo a ela, autenticidade enquanto criação. O diferencial da obra de arte está nessa aproximação do mundo humano sem se perder nele. Falar sobre o mundo em que está inserida exige de seu criador um contorcionismo para que possa apreender seu meio. Sentidos aguçados para ir além do que se apresenta enquanto verdade estabelecida, reconhecimento da importância da história.

Desse modo a estética marxista resolve precisamente a questão que mais atormentara os seus predecessores, quando eram realmente grandes, e que foi sempre deixada de lado pelos menores: a unidade entre o valor estético permanente da obra de arte e o processo histórico do qual ela – exatamente na sua perfeição, no seu valor estético – não pode ser desvinculada. (Idem, p.37)

Este vínculo com o processo histórico torna a obra de arte comprometida com o mundo dos homens. Este é um ponto fundamental que pode ser estendido em nossas reflexões para nossa formação, no olhar crítico e compreensivo sobre a práxis. Mais do que isso, a clareza acerca de nossas escolhas é condição inegociável, não podemos abrir mão de nossa autoria em nossa atuação docente.

Ao assumirmos determinado fundamento de educação estética estamos ao mesmo tempo, negando ou questionando as demais concepções estéticas que não somos simpáticos, que não nos representa. Mas para assumirmos tal postura precisamos conhecer as os fundamentos estéticos em sua amplitude conceitual. Serão as nossas compreensões que levaremos aos nossos alunos, pois como nos lembra MARX e ENGELS, (2010, p. 137) “O objeto de arte – como qualquer outro produto – cria um público capaz de compreender a arte e de fruir sua beleza. Portanto, a produção não produz somente um objeto para o sujeito, mas também um sujeito para o objeto”.

Considerando tais apontamentos, estamos convencidos que educar esteticamente os alunos faz parte do dever da escola e da universidade, ainda que tal desenvolvimento não se restrinja ao processo de escolarização.

Suponhamos que o homem seja homem e que sua relação com o mundo seja humana – então, tu só podes trocar amor por amor, confiança por confiança etc. Se tu queres desfrutar da arte, deves ser uma pessoa artisticamente cultivada, se tu queres influir sobre outros, deves ser uma pessoa que atue de modo estimulante e encorajador sobre outras pessoas. Cada uma das tuas relações com o homem e com a natureza deve ser uma determinada exteriorização, correspondente ao objeto da tua vontade, da tua vida individual real. Se tu amas sem que o teu amor seja correspondido, ou seja, se que teu amor como tal não produza o amor recíproco, se através de tua exteriorização de vida como amante tu não te tornas pessoa amada – então, teu amor é impotente, é uma infelicidade. (MARX eENGELS, 2010, p. 147)

Essa reciprocidade apontada pelo autor nos conduz a discussão da formação de professores, o quanto é importante que o professor de Arte seja educado esteticamente e

que a partir de seu desenvolvimento estético, agregando suas competências desenvolvidas possa de fato construir sua práxis.

Os diferentes sujeitos que estão presentes em nossa sala de aula carecem ser respeitados em suas preferências, mas precisam também ter a oportunidade de ter acesso aos saberes teóricos e práticos da Arte. Sem a pretensão de querer que a escola ou a universidade formem artistas, consideramos fundamental que alguns conteúdos básicos

do conteúdo da Arte como desenhar, pintar, escrever, representar esteja ao alcance dos sujeitos e que estes compreendam que as técnicas para a construção de objetos não se esgotam nelas.

A concentração exclusiva do talento artístico em indivíduos únicos – e a consequente asfixia de tais dotes na grande massa – deriva da divisão do trabalho. Se mesmo sob certas condições sociais, todos pudessem chegar a ser pintores magníficos, isto não excluiria, em absoluto, que cada qual fosse um pintor original – com que, também neste ponto, reduzir-se-ia a um puro absurdo a distinção entre o trabalho “humano” e o trabalho “único” (MARX e ENGELS, 2010, p. 168)

Os autores apontam a importância das condições materiais para o desenvolvimento do trabalho, seja ele qual for, incluindo aqui o trabalho artístico. A atividade artística por muito tempo foi vista como resultado do trabalho de um gênio ou como um dom42; e por isso uma condição reservada para poucos. A criação artística exige de seu criador trabalho árduo; é um processo que envolve a sua subjetividade objetivada dentro das condições dadas. Inclui sua formação intelectual artística, sua alfabetização estética, sua convivência com a arte. Todos estes fatores qualificam seu trabalho sem precisar com isso alimentar mitos em torno de sua condição humana. Por isso, no que se refere a mediação do professor de Arte, a desmistificação em torno do trabalho do artista é fundamental para que nossos alunos saiam da escola com a compreensão da arte como trabalho material humano.

Sobre a obra de arte não ignoramos as particularidades dos sujeitos criativos mas consideramos a importância da aprendizagem das técnicas artísticas, que é antes de qualquer coisa, um processo. Por exemplo, entendendo que a obra renascentista

42 Nas primeiras definições do dicionário Michaelis o termo é definido como Dádiva, Presente. Merecimento, mérito, Dote natural.

pertence a um determinado momento histórico, que compreendendo uma fase do desenvolvimento do homem como parte do “movimento humano que é fazer arte”. Assim estudar a obra de arte comporta conhecer os fundamentos políticos e sociais que a constituem, bem como a relevância das condições materiais e temporais que determinada produção artística foi construída pode desenvolver em nossos alunos as competências necessárias para o seu convívio com as obras de arte, seja qual for a posição que ocupe nesse encontro, como criador ou como receptor.