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Articulação e planejamento do trabalho voltado à inclusão da criança com TEA

No artigo 14 da LDBEN n.º 9.394/96 consta que os sistemas de ensino, pautados em uma gestão democrática e considerando suas peculiaridades, devem realizar seus projetos pedagógicos, o que implica, necessariamente, em tempos dedicados a uma experiência verdadeira de trabalho em equipe em prol da diversidade presente no espaço escolar.

Art. 14. Os sistemas de ensino definirão as normas da gestão democrática do ensino público na educação básica de acordo com as suas peculiaridades e conforme os seguintes princípios: I - participação dos profissionais da educação na elaboração do projeto pedagógico da escola [...]. (BRASIL, 1996).

Porém, de acordo com os entrevistados, a articulação intencional e o planejamento do trabalho voltado à inclusão do aluno com TEA não acontecem de forma significativa. Tanto a professora Urano quanto a professora Marte consideraram que as articulações são realizadas no corredor ou no intervalo, sendo que o planejamento ocorre na medida do possível. A professora Netuno afirmou ser uma luta no dia a dia, que quase não tem tempo, pois, além de atender na SR os alunos matriculados na escola Sirius, atende os alunos com TEA das escolas próximas: “[...] eu não tenho quase tempo, às vezes tenho aluno pra fazer sondagem, mais três quatro autistas. É

assim, a criança falta, a gente liga, a gente tem a queixa dos pais, muitos deles precisam de terapia, mas não tem... a gente fica angustiada”. E a professora Terra relatou:

Eu costumo sentar e explicar que têm duas crianças que precisam de mais atenção, eu explico quais são as dificuldades, o que dá pra fazer e o que não dá [...]. Como eu já conheço o Sol, em algumas atividades ele tem dificuldade, mas ele é bom visualmente... Passo as informações e cobro.

Eu penso num planejamento pra ele mais prático, o que eu vou poder fazer pra que ele tenha uma vida lá fora um pouco mais fácil, então ele vai ter que aprender a ler e escrever e conseguir fazer algumas operações, não vou exigir que ele entenda porque esse número um passou para a dezena, isso ele vai poder fazer com a calculadora, eu não quero usar calculadora ainda pra que ele entenda alguma coisa, mas ele vai poder usar a calculadora. Ele não precisa copiar da lousa, porque ele vai poder usar um tablete, tirar uma foto, mas algumas coisas, comportamentos ele vai usar lá fora, ele vai poder escrever um bilhete, ele vai ler uma lista pra fazer uma compra, ele tem que aprender a dar um troco. E essa dificuldade é nossa de entender que o conteúdo da escola, muitas vezes não tem sentido... Pra que eu vou ficar me matando para que ele entenda quais são as regiões brasileiras? Até para os outros tá difícil, pra ele a gente tem que ter uma coisa mais prática. A vida dele vai ser muito mais complexa do que isso, a gente tem que pensar o que a gente pode fazer pra que não seja tão difícil.

No planejamento ninguém lembra dessas crianças, são invisíveis! Só existem a partir do momento que começam a dar trabalho. Senão são invisíveis. Aí se a gente mostra que a gente enxerga todos, o pai também percebe que o trabalho da escola é diferenciado, isso é um ganho pra escola, mas o pessoal da gestão, e não estou falando da gestão daqui, estou falado de um modo geral, da gestão das escolas, esse pessoal não vê como um ganho.

A professora Júpiter mais uma vez lembrou do seu tempo na equipe gestora e afirmou, de forma enfática, que não existe articulação, nem planejamento. Plutão disse que, quando tem alguma dificuldade, conversa.

Os depoimentos mostram que, entre tantas variáveis, como a falta de tempo e a motivação de cada um, a escola, que deveria promover ensino de qualidade para todos, inclusive para os alunos com deficiência ou transtorno, se reduz a um

[...] mercado de saber; o professor, a um especialista sofisticado, que vende e distribui um “conhecimento empacotado”; o aluno, no cliente que compra e “come” este conhecimento. Se o educador, pelo contrário, não é levado a “burocratizar-se” neste processo, mas a manter viva a sua curiosidade, re- desvela o objetivo do desvelamento que dele vão fazendo os educandos e, assim, não raro, percebe nele dimensões até então despercebidas. (FREIRE, 2011, p. 22).

Para os gestores das duas escolas, o planejamento é realizado em conjunto, havendo momentos em que a professora da sala comum e da SR trocam saberes e experiências. Sobre

esse fato, a coordenação da escola Órion mencionou que “[...] o tempo é curto para toda a informação que ela tem que passar para os professores” (VÊNUS) e a coordenação da escola Sirius ponderou ser um trabalho árduo, lembrou que “[...] tem professor que participa do planejamento em outra escola, nem sempre tem resultado a curto prazo” (ÉRIS). Como assinala Carvalho (2015, p. 107), ao planejar, ressignificamos a prática pedagógica na

[...] sala de aula (aspecto físico/arquitetônico, arrumação do mobiliário, o clima afetivo, etc.), na ação didático-pedagógica (planejamento dos trabalhos em equipe; atividades curriculares ‘fora da escola, como passeios, excursões, visitas), revisão da metodologia didática, desenvolvendo-se mais trabalhos em grupo, pois favorecem a aprendizagem cooperativa; adoção de recursos da tecnologia informática, preparação de material didático; adequação do vocabulário do professor; mais escuta dos alunos; adoção de pesquisa como estratégia de ensino/aprendizagem; organização de adaptações curriculares, principalmente as de acesso; substituição do dever de casa pelo prazer de casa; revisão dos procedimentos de avaliação do processo de ensino-aprendizagem (entendendo-se avaliação como subsídio ao planejamento); a participação da família e da comunidade como cúmplices que se dispõem a organizar uma rede de ajuda e apoio, para alunos, seus pais e professores, se dela necessitarem.

Essas ressignificações não são percebidas nem por Pegasi, nem por Wasp, agentes de organização escolar. Messier e Láctea, mães das crianças com TEA, não se referiram ao planejamento, mas ao empenho das professoras, sendo que Láctea afirmou:

[...] eles se preocupam mais em incluir ele com os outros alunos do que no aprender... minha maior preocupação é que ele não atrapalhasse as outras crianças... se for o caso ele vem um dia sim, dia não, mas a diretora falou que não, vamos fazer um teste, vamos deixar ele... eles não colocaram empecilhos.

Lembramos que, no caso da SEE/SP, vários níveis hierárquicos estão envolvidos na ação de planejar e na necessidade de articular, desde a própria Secretaria, com suas coordenadorias, até, em nível intermediário, as Diretorias de Ensino que, por meio da equipe do Núcleo Pedagógico, são responsáveis por acompanhar o trabalho realizado nas escolas, auxiliando quando necessário. Sobre a forma como a SEE/SP propõe a articulação entre os diversos atores no espaço escolar, o promotor do GEDUC ponderou:

[...] a gente percebe claramente que tem uma diferença de projeto pedagógico, a Secretaria Estadual partiu pra um projeto como ela já vinha trabalhando com as demais deficiências, quer dizer criando salas de recursos específicas para autismo. E na rede municipal, com um discurso inclusivo de que o autismo é uma deficiência como as outras, eles vão ser trabalhados no AEE, com

capacitação para os professores em geral sobre o tema, sem esse olhar específico nessa deficiência, criando estruturas específicas para essa deficiência ou pra outra.

[...] a Secretaria trabalha, ainda, com compartimentos, como se tivesse uma técnica específica para trabalhar com a deficiência, e não há articulação entre o trabalho da Sala de Recursos com o trabalho da sala de aula. [...].

Eu acho que a Secretaria Estadual ainda trabalha nessa linha, o problema está na deficiência e não no que acontece no espaço escolar, na interação, nos obstáculos, e isso se revela no fato da Sala de Recursos pouco conversar com a sala de aula. (J. P. FAUSTINONI).

Mesmo que os responsáveis por legislar estejam imbuídos do desejo de projetar o melhor para todas as crianças e jovens, esse empenho não repercute na escola, como revelou a fala dos profissionais, em especial da professora Netuno que, ao desabafar sobre o que vem a ser atender alunos de diversas escolas, mostrou a necessidade de estabelecer prioridades para o que lhe é demandado, sendo que, em meio à sobrecarga de trabalho, planejar e articular ficam para quando for possível, ou seja, não acontecem de forma adequada.

De acordo com o dicionário da Língua Portuguesa de Aurélio Buarque de Holanda Ferreira, articular pode ser definido como “[...] unir pelas articulações, juntar formando cadeias, ligar, unir [...]”, e planejar, “[...] elaborar um plano ou roteiro de, programar, planificar [...]”. A partir dessas definições e embasados nas falas destacadas, conjecturamos que inclusão, em uma perspectiva emancipadora, dificilmente ultrapassará o espaço do discurso se for desconsiderado o quão planejar e articular estão intimamente relacionados; em outras palavras, se for desconsiderado que, para um projeto com intenções determinadas ser bem-sucedido, o envolvimento, o compromisso e espirito científico de todos é imprescindível. Como lembra Freire (2014), um programa educativo que se faz sem a visão de mundo dos envolvidos se constitui como invasão cultural, não educação emancipadora.