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4.4 Possibilidades de inclusão

4.4.2 Educação inclusiva: paradoxos

A Conferência Mundial de Educação para Todos, realizada em Jomtien, em 1990, e a Conferência Mundial de Educação Especial, realizada em 1994, em Salamanca, são consideradas marcos de um princípio educacional que defende a presença da heterogeneidade nos espaços escolares, enquanto situação provocadora de aprendizagens. De acordo com Beyer, o projeto inclusivo tem o mérito de descaracterizar a dicotomia “[...] alunos com e sem

20 As orientações para a celebração de convênios com instituições sem fins lucrativos, atuantes em Educação

deficiência, alunos com e sem distúrbios, alunos com e sem necessidades especiais” (BEYER, 2015, p. 75), e traz consigo o grande desafio de tornar concreta uma pedagogia que consiga ser válida para todos os alunos e que contribua para a conscientização dos direitos de cada um.

Nesse sentido, Carvalho (2015) afirma que a proposta de educação inclusiva deve ser compreendida como processo de remoção de barreiras em prol de uma aprendizagem com qualidade para todos, indistintamente, e, para tanto, retoma os princípios presentes na Declaração de Salamanca e na LDBEN n.º 9.394/96, quais sejam: aceitação das diferenças; acessibilidade física, comunicacional e atitudinal; currículo multicultural crítico; pedagogia direcionada à diversidade; avaliação formativa; formação do professor crítico reflexivo; gestão participativa; parceira escola-família-comunidade; e apoio ao serviço especializado.

A Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva (BRASIL, 2008) determina, para a construção dos sistemas educacionais inclusivos, “[...] a garantia do direito de todos à educação, o acesso e as condições de permanência e continuidade de estudos no ensino regular” e orienta os sistemas de ensino para garantir: educação especial desde a educação infantil até a educação superior; atendimento educacional especializado; continuidade da escolarização nos níveis mais elevados do ensino; formação de professores para o atendimento educacional especializado e demais profissionais da educação para a inclusão escolar; participação da família e da comunidade; acessibilidade urbanística, arquitetônica, nos mobiliários e equipamentos, nos transportes, na comunicação e informação; e articulação intersetorial na implementação das políticas públicas.

Nas Diretrizes Nacionais para a Educação Especial na Educação Básica, lemos que educação especial é um

Processo educacional escolar definido como uma proposta pedagógica que assegure recursos e serviços educacionais especiais, organizados institucionalmente para apoiar, complementar, suplementar e, em alguns casos, substituir os serviços educacionais comuns, de modo a garantir a educação escolar e promover o desenvolvimento das potencialidades dos educandos que apresentam necessidades educacionais especiais, em todas as etapas e modalidades da educação básica (BRASIL, 2001c, p. 69).

Glat aponta que a “[...] educação inclusiva é atualmente a política educacional oficial do país, amparada pela legislação em vigor e convertida em diretrizes para a educação básica” (GLAT, 2007, p. 23). Entretanto, Bueno (2011, p. 126) lembra que

[...] a consecução do princípio de educação inclusiva, por sua vez, não se efetuará simplesmente por decreto, sem que se avaliem as reais condições que

possibilitam a inclusão gradativa, contínua, sistêmica e planejada de crianças com necessidades educativas especiais nos sistemas de ensino.

De acordo com Prieto (2010), muitos professores se sentem no papel de meros executores de decisões, por não ter participação na formulação de políticas, nem receber uma formação capaz de garantir a compreensão das bases políticas, filosóficas e pedagógicas oriundas das propostas inclusivas apresentadas nos discursos legais. Nesse sentido, Bueno (2011, p. 133) afirma que a “[...] formação para o ensino superior foi sempre colocada como uma meta, mas constantemente relegada a um futuro incerto”, restando à formação em serviço a responsabilidade de assegurar e ampliar os conhecimentos desses profissionais sobre o tema, pois,

Se, por um lado a educação inclusiva exige que o professor do ensino regular adquira algum tipo de especialização para atender a uma população que possui características peculiares, por outro, exige que o professor da educação especial amplie suas perspectivas, tradicionalmente centradas nessas características (BUENO, 2011, p. 143).

Entretanto, além das condições de trabalho tornarem incerta essa formação, com relação ao processo de ensino e aprendizagem no interior das escolas, ainda hoje presenciamos práticas que não se coadunam com a proposta de educação para todos, disciplinas organizadas por séries, transmissão acadêmica de conteúdos, um currículo fragmentado, no qual cada disciplina é “[...] um fim em si mesma e não um dos meios de que dispomos para esclarecer o mundo em que vivemos e entender melhor nós mesmos” (MANTOAN, 2006, p. 187). Ou seja, nos deparamos com uma prática pedagógica que, em meio aos sinais de desgaste, resiste em conjugar diferenças culturais, sociais, étnicas, de gênero, físicas e cognitivas e elaborar princípios que, em contraposição a esse modelo fragmentado e pretensamente homogêneo, sejam capazes de subsidiar e qualificar práticas educacionais inclusivas.

Baptista (2015, p. 29) lembra que novas propostas devem “[...] conter o nosso pragmatismo, frear nossa tendência às respostas, explorar de maneira crítica nossa própria experiência, reconhecer nossa dolorosa e contínua implicação”. E Bueno (2011), por sua vez, reitera que uma educação inclusiva não se estabelece simples e tão somente por decreto, nem tendo em vista atender a interesses corporativos ou eleitoreiros; uma educação verdadeiramente inclusiva demanda ousadia e prudência, exige modificações no sistema de ensino que considerem não só as crianças deficientes ou com transtorno, mas todas as crianças que chegam às escolas; além disso, implica formação inicial e continuada do professor e de todos os

profissionais envolvidos no processo de ensino e aprendizagem com o objetivo de ampliar as oportunidades educacionais de todas as crianças. Bueno (2011, p. 189) também assinala que

[...] o número de alunos com deficiência inseridos no ensino regular cresceu de forma gigantesca nos últimos dez anos. Dados oficiais apontam que, no que se refere à inclusão em classes comuns do ensino regular, verifica-se um crescimento de 640%, passando de 43.923 alunos em 1998 para 325.316 em 2006.

Se, no entanto, aliarmos esses números aos resultados de desempenho escolar no ensino fundamental obtido pelas avaliações nacionais, teremos um panorama mais preciso da situação atual. Em 2005, o percentual de reprovação e abandono nesse nível foi de 20,5%, ou seja, perto de 7 milhões de alunos entre as 33 milhões de matrículas computadas no Brasil.

Esses números mostram o quanto nosso sistema escolar está distante de incluir tanto os deficientes quanto as camadas populares. Todavia, como bem lembra Bueno (2008), quando falamos em educação inclusiva, falamos em metas a serem alcançadas e, como a projeção política considera um futuro, lançamos para o horizonte móvel a educação de qualidade para todos, que deveria se constituir em uma política de fato – democrática e participativa – incorporada pela escola. Esse autor provoca a reflexão acerca dos termos educação inclusiva e sociedade inclusiva, ao afirmar que ambos vão de encontro à “[...] construção de uma sociedade crescentemente democrática, que gradativamente fosse incorporando a massa de deserdados produzidos por políticas injustas e de privilegiamento das elites sociais” (BUENO, 2008, p. 57).