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Em 2001, com o objetivo de instituir diretrizes nacionais para a educação especial na educação básica é publicada a Resolução CNE/CEB n.º 02/2001 que, em seu artigo 2º, determina:

Os sistemas de ensino devem matricular todos os alunos, cabendo às escolas organizar-se para o atendimento aos educandos com necessidades educacionais especiais, assegurando as condições necessárias para uma educação de qualidade para todos. (BRASIL, 2001b).

Desta forma, coube à escola se organizar para garantir o atendimento educacional aos alunos público destinatário da educação especial, sem que lhe fosse elucidado como seriam viabilizadas as condições materiais e estruturais para tal implantação. Na mesma Resolução, no artigo 5º lemos:

Consideram-se educandos com necessidades educacionais especiais os que, durante o processo educacional, apresentarem: I – dificuldades acentuadas de aprendizagem ou limitações no processo de desenvolvimento que dificultem o acompanhamento das atividades curriculares, compreendidas em dois grupos: a) aquelas não vinculadas a uma causa orgânica específica; b) aquelas relacionadas a condições, disfunções, limitações ou deficiências; II – dificuldades de comunicação e sinalização diferenciadas dos demais alunos, demandando a utilização de linguagens e códigos aplicáveis; III – altas habilidades/superdotação, grande facilidade de aprendizagem que os leve a dominar rapidamente conceitos, procedimentos e atitudes. (BRASIL, 2001b).

Ao determinar que dentre os alunos com necessidades educacionais especiais (NEE) estão os que apresentam dificuldades acentuadas de aprendizagem ou limitações no processo de desenvolvimento, assim como dificuldades de comunicação e de sinalização, que demandam a utilização de linguagens e códigos, essa legislação indicou que os alunos com transtorno estão entre os com NEE, mas, ao mesmo tempo, o termo “dificuldades acentuadas de aprendizagem” tornou passível de inúmeras interpretações a quem realmente se destina o atendimento educacional especializado (AEE). Sobre como identificar as NEE, no artigo 6º, sinaliza que a escola

[...] deve realizar, com assessoramento técnico, avaliação do aluno no processo de ensino e aprendizagem, contando, para tal, com: I – a experiência de seu corpo docente, seus diretores, coordenadores, orientadores e supervisores educacionais; II – o setor responsável pela educação especial do respectivo sistema; III – a colaboração da família e a cooperação dos serviços de Saúde, Assistência Social, Trabalho, Justiça e Esporte, bem como do Ministério Público, quando necessário. (BRASIL, 2001b).

No texto, a avaliação é, claramente, responsabilidade dos profissionais da educação, contando com a colaboração da família e, quando necessário, dos serviços de saúde, dentre outros. Acerca da contribuição dos campos médico e psicológico, Bueno (2011) avalia que, se no passado os mesmos serviram para situar na criança as causas do não aprender, no presente,

sob risco de viabilizar uma inclusão pouco qualificada, precisamos refletir antes de criticar todo e qualquer conhecimento.

Nos artigos 7º e 8º, há a determinação de que o atendimento educacional dos alunos com NEE, em qualquer etapa ou modalidade da educação básica, deve ocorrer em classes comuns do ensino regular, com flexibilização e adaptação curricular adequados ao seu desenvolvimento; atuação colaborativa entre os professores; apoios necessários à aprendizagem, locomoção e comunicação; apoio pedagógico especializado em SR; espaços de formação e troca de experiências, e que também devem ser assegurados recursos humanos capacitados e especializados para tal atendimento. Essas determinações e a de que os alunos devem ser distribuídos pelas várias classes, evidencia a preocupação com a não segregação. Em contraposição, nos artigos 9º e 10º, a possibilidade de matrícula em classe especial, bem como em escolas especiais continua a ser apontada, deixando margem para práticas segregativas.

Essa resolução referenciou a organização do atendimento aos alunos com NEE até a publicação do documento Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva, em 2008, que substituiu o termo NEE por “[...] alunos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades/superdotação” (BRASIL, 2008, p. 14). Nesse documento lemos que todos os alunos devem ser atendidos em classes comuns e, acerca dos alunos com transtornos globais do desenvolvimento (TGD), encontramos como definição ser os “[...] que apresentam alterações qualitativas das interações sociais recíprocas e na comunicação, um repertório de interesses e atividades restrito, estereotipado e repetitivo” (BRASIL, 2008, p. 15). O texto, por meio desta identificação, reaproximou o campo educacional e o clínico.

O Estado de São Paulo segue as diretrizes nacionais, sendo que, a partir da Resolução SE n.º 61, de 5 de abril de 2002, as ações de gerenciamento e definição de diretrizes relativas à demanda de alunos, público destinatário da educação especial, passaram a integrar o Centro de

Apoio Pedagógico Especializado (CAPE)17, que teve a incumbência de atuar, de acordo com

seu artigo 3º, “[...] de forma sistemática, em ação conjunta com os órgãos desta Secretaria, mantendo trabalho articulado com órgãos de outras Secretarias de Estado, especialmente a da Saúde, Emprego e Relações do Trabalho, Desenvolvimento e Assistência Social” (SÃO PAULO, 2002).

17 O Centro de Apoio Pedagógico Especializado (CAPE) a partir do Decreto nº 57.141, que reorganiza a

Secretaria da Educação de São Paulo, passa a ser denominado Núcleo de Apoio Pedagógico Especializado, mas, em razão da tradição, mantem a sigla CAPE.

A Deliberação CEE nº 68/2007, em seu artigo 3º, descreveu quais eram os alunos que participariam do AEE nessa rede:

I – alunos com deficiência física, mental, sensorial e múltipla, que demandem atendimento educacional especializado; II – alunos com altas habilidades, superdotação e grande facilidade de aprendizagem, que os levem a dominar, rapidamente, conceitos, procedimentos e atitudes; III – alunos com transtornos invasivos de desenvolvimento; IV – alunos com outras dificuldades ou limitações acentuadas no processo de desenvolvimento, que dificultam o acompanhamento das atividades curriculares e necessitam de recursos pedagógicos adicionais. (SÃO PAULO, 2007).

Além disso, determinou que o AEE deveria ocorrer, preferencialmente, nas classes comuns do ensino regular, devendo a escola se organizar para garantir tal atendimento. Ao considerar o “preferencialmente”, indicou que esse atendimento poderia continuar acontecendo em classes regidas por professor especializado ou instituições especializadas. A Resolução n.º 11, de janeiro de 2008, manteve o indicado na Deliberação CEE nº 68/2007 acerca de quem é o aluno com NEE e do dever de realizar a matrícula, preferencialmente, na sala comum do ensino regular.

Em 11 de novembro de 2014, foi publicada a Resolução SE n.º 61, que dispôs sobre a Educação Especial nas unidades escolares da rede estadual de ensino e revogou a Deliberação CEE 68/07 e a Resolução SE 11/2008, sendo que, na sua redação, o termo AEE foi substituído pelo termo atendimento pedagógico especializado (APE) e o público com direito a este atendimento passou a ser o mesmo descrito na Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva: alunos que apresentem deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação.

De acordo com essa resolução, esses alunos têm assegurada sua matrícula em classes comuns do ensino fundamental, ou médio, ou qualquer modalidade de ensino e devem ser encaminhados ao APE adequado a cada aluno. Com relação ao APE, esse pode ocorrer por meio de Sala de Recursos (SR) ou Classe Regida por Professor Especializado (CRPE).

A SR é definida como

[...] ambiente dotado de equipamentos, mobiliários e materiais didáticos, visando ao desenvolvimento de habilidades gerais e/ou específicas, mediante ações de apoio, complementação ou suplementação pedagógica, na seguinte conformidade: (a) com turmas de até 5 alunos da própria escola e/ou diferentes escolas ou de outra rede pública de ensino; (b) com 10 aulas, para cada turma, atribuídas a professor especializado; (c) com número de alunos definido de acordo com necessidade de atendimento; (d) com atendimento individual e de

caráter transitório a aluno, ou grupos de alunos, com, no mínimo 2 aulas semanais e, no máximo, 3 aulas diárias, por aluno/grupo, na conformidade das necessidades avaliadas, devendo essas aulas ser ministradas em turno diverso ao de frequência do aluno em classe/aulas do ensino regular (SÃO PAULO, 2014, artigo 3º).

Portanto, a legislação determina, para a SR, uma organização espacial e temporal diferenciada das outras salas de aula e específica para cada deficiência, ou seja, na rede estadual de ensino paulista, para cada deficiência deverá existir uma SR. Desta forma, mediante disponibilidade de espaço na unidade escolar, necessidade do atendimento, solicitação do diretor da escola e autorização dos órgãos superiores, poderemos encontrar SR específicas de deficiência intelectual, visual, física, ou auditiva e, mais recentemente, SR de

TGD. No caso dos alunos com TGD ou TEA18, o laudo médico e a avaliação inicial realizada

pelo professor especializado determinam seu encaminhamento e permanência na SR. A mesma legislação prevê a existência de CRPE com até seis alunos,

[...] em caráter de excepcionalidade, para atendimento a alunos que apresentem deficiência intelectual, com necessidade de apoio permanente/pervasivo, ou deficiências múltiplas e transtornos globais do desenvolvimento, observando-se: (a) a indicação, e apenas nesses casos, da necessidade de atendimento em CRPE, devidamente fundamentada e comprovada em avaliação aplicada por equipe multiprofissional do Núcleo de Apoio Pedagógico Especializado – CAPE, sempre que esgotados os recursos pedagógicos necessários para permanência do aluno em classe comum do ensino regular (SÃO PAULO, 2014).

Para Mantoan (2006), a inclusão escolar deveria ser incondicional e a existência de espaços determinados para o “normal” e o “não normal” apenas reitera a marginalização e adia a discussão sobre as possibilidades de convivência e aprendizado entre os diferentes. Apesar da “[..] matrícula e permanência de alunos deficientes na escola ser ponto de partida para sua participação na sociedade” (SIQUEIRA, 2008, p. 307), o movimento de inclusão na rede regular de ensino, por si só não opera milagres. Como lembra Bourdieu (2014, p. 59),

[...] para que sejam favorecidos os mais favorecidos e desfavorecidos os mais desfavorecidos, é necessário e suficiente que a escola ignore, no âmbito dos conteúdos que transmite, dos métodos e técnicas de transmissão e dos critérios de avaliação, as desigualdades culturais entre as crianças [...]. Em outras palavras, tratando todos os educandos, por mais desiguais que sejam eles de

18 Na Resolução SE n.º 61/2014, lemos “TGD”; na Instrução de 14 de janeiro de 2015, que estabelece

procedimentos a serem observados para a inclusão dos alunos citados nessa resolução, a denominação usada é “Transtorno do Espectro Autista (TEA)”.

fato, como iguais em direitos e deveres, o sistema escolar é levado a dar sua sanção às desigualdades iniciais diante da cultura. (BOURDIEU, 2014, p. 59).

Esse autor sinaliza a necessidade de constante acompanhamento, avaliação e reflexão acerca das possibilidades de trabalho pedagógico com a diferença. Do mesmo modo, reiteramos a importância da comunicação entre os profissionais das classes comuns e do APE, para que essa escolarização não se perpetue favorecendo, sempre, os mais favorecidos. Afinal, a presença de alunos com TEA nos espaços escolares pode contribuir para a reflexão de como enfrentar as dificuldades de socialização e aprendizagem não só do aluno com TEA, mas de todos os que não respondem às exigências de uma escolarização que considera a incapacidade pelo aprendizado responsabilidade única e inata do aluno.