• Nenhum resultado encontrado

Registros referentes às discussões sobre inclusão não são mencionados nem pela direção, nem pela coordenação das duas escolas. Mercúrio, diretor da escola Órion, ponderou que as discussões são necessárias e que gostaria que houvesse mais troca. Lembrou que veio para a escola no ano passado e iniciou seu trabalho fazendo adequações no espaço físico. Saturno afirmou que chegou à escola após o planejamento.

A professora Terra reconheceu a importância dos momentos de troca de experiências e saberes e disse ter a preocupação de fazer propostas. Segundo ela,

Precisamos de momentos de estudo e troca. É mais fácil você falar pra essa mãe que está tudo bem, ela achava que não ia conseguir vaga e conseguiu... É uma inclusão que acontece porque tem que acontecer, é só isso. Não dá nem pra falar que acontece intuitivamente, a gente vê que tem professor, até especialista com muita dificuldade, que sabe que o lugar dele não é na escola... A gente brigou tanto para chegar aqui, antes mulher não estudava, ninguém queria esse bando de inúteis na escola, hoje estamos aqui, somos professoras, a história anda, agora é a vez deles. (TERRA).

Para as professoras Urano, Marte, Netuno e Plutão as discussões acontecem, minimamente. A professora Júpiter recordou que, nas horas-aulas de trabalho pedagógico coletivo (ATPC),

[...] a professora coordenadora do núcleo pedagógico da diretoria de ensino vem e explica, mas só quando ela vem nas visitas, o professor pergunta e ela fala. A professora da Sala de Recursos, nas ATPC, ela explicava as características dos autistas, o que a gente podia fazer com eles e como a gente poderia tirar o melhor desses alunos, mas isso era uma vez a cada dois meses.

Na visão de Wasp, agente de organização escolar da escola Sirius, a discussão é insuficiente em relação à falta de formação. Pegasi, agente de organização escolar da escola Órion, afirmou que quando não sabe o que fazer pergunta, mas, segundo Wasp,

[...] já teve momento em que eu perguntei pro professor, ele teve essa atitude, o que eu faço? Aí escuto, deixa é uma inclusão... o aluno toma um tapa e deixa é uma inclusão... eles estão aí, não existe preparo, é igual ao professor na sala de aula, se ele não tiver interesse, deixa aí.

Acerca desta fala, Carvalho (2015) avalia que, no espaço escolar, as características dos alunos são percebidas como obstáculos para a aprendizagem, sendo que poucos profissionais mencionam suas atitudes frente à diferença; “[...] a bem da verdade, alguns professores admitiram, ainda que timidamente, que devem haver outras causas ‘fora’ do aluno, mais importantes do que suas características intrínsecas” (CARVALHO, 2015, p. 123). Como esta autora lembra, não se trata de colocar um ou outro no banco dos réus, trata-se de trabalhar na diversidade, o que é uma tarefa complexa, exige a saída do imobilismo e um exercício dialógico capaz de promover o reconhecimento da presença de barreiras entre nós e o aluno, tais como o

preconceito e a estigmatização da deficiência ou, como aponta Freire (2015), trata-se da construção conjunta de uma pedagogia libertadora.

Tal proposta considera a premência de que, nessa instituição, se “[...] somem saberes outros da realidade concreta” (FREIRE, 2015, p. 135) como os das famílias, por exemplo, que, apesar de ser um canal para compreendermos a criança com TEA, durante as entrevistas revelaram não lembrar de ter participado de discussões sobre a inclusão de suas crianças nas escolas.

O promotor de justiça do GEDUC apontou a forma enfática como tem provocado a SEE/SP a pensar sobre a sua proposta de inclusão:

[...] a gente tem martelado de uma maneira quase que obsessiva com a rede estadual... Bom, com a rede estadual eu tenho, de fato, um olhar crítico em relação ao seu projeto de educação inclusiva... A gente tem provocado a Secretaria a pensar numa reformulação profunda, porque, vou te citar alguns exemplos... Por exemplo, você pensar ainda em salas por deficiência, me parece uma incongruência com a legislação [...] o AEE, como ele é pensado na legislação, ele é um espaço onde esse professor, que é um especialista, mas não em uma deficiência, ele é um especialista em educação inclusiva precisaria ter uma interlocução com a sala de aula e olhar naquele espaço o que acontece ali que atrapalha essa criança, seja ela autista, deficiente intelectual ou cega. É aquela pessoa que precisa de um olhar individualizado. [...] a gente vem discutindo muito, tentando mostrar que, olha, não é possível, não está funcionando, principalmente o arranjo todo, institucional. A jornada do professor da Sala de Recursos não bate com o horário do professor da sala comum, então eles não se encontram. (J. P. FAUSTINONI).

No Documento CGEB n.º 10, de 2014, que se propõe a orientar a realização das horas- aulas de trabalho pedagógico coletivo, ou seja, os momentos de discussão entre os professores, lemos que, para compatibilizar as exigências decorrentes de situações de acúmulo de cargo, as duas ou três horas de ATPC podem ser distribuídas ao longo da semana, sendo que pelo menos uma hora-aula tem que acontecer de forma coletiva. Portanto, para discutir e estudar, em conjunto, todas as questões voltadas à prática pedagógica, os professores contam com uma hora-aula – cinquenta minutos – por semana. Como afirmou o promotor, esses profissionais não ou minimamente se encontram, o tempo é escasso e o que vemos são tentativas solitárias para resolver problemas coletivos. Esse contexto está muito distante do ideal, que seriam bons “[...] encontros semanais para discussão da prática pedagógica, para estudos teóricos e para estimular a pesquisa em educação” (CARVALHO, 2015, p. 125), afinal “[...] a prática docente crítica, implicante do pensar certo, envolve o

movimento dinâmico, dialético, entre o fazer e o pensar sobre o fazer” (FREIRE, 2015, p. 39).

Sem desconsiderar a tensão entremeada por desafios, pela escassez do tempo, a professora Terra nos mostrou que determinar espaços para discussões sobre inclusão não é uma tarefa fácil, mas que também não é uma tarefa impossível, que em um espaço intenso de vida e conhecimento, como a escola, não cabe a isenção. E o promotor de justiça, ao cobrar uma reformulação profunda com uma perspectiva não segregativa, reiterou que uma escolarização emancipadora prescinde de criação, recriação e troca, assim como de que a “[...] tomada de distância da quotidianeidade se dê na análise da prática realizada ou realizando-se e se alongue na prática subsequente, qualquer que seja ela” (FREIRE, 2011, p. 88). Verificamos que, além dos espaços para a fala e para a escuta serem mínimos, os registros dos erros e acertos capazes de garantir a reflexão e a circularidade entre teoria e prática, não foram mencionados; portanto, se existem, não são significativos.