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4.4 Possibilidades de inclusão

4.4.1 Inclusão escolar: pressupostos e dilemas

A partir dos anos de 1970, as reformas educacionais lançaram seu olhar para a área da educação especial. Sob um discurso de integração, indicava-se para a grande maioria dos alunos com deficiências a classe comum, e para os considerados com comprometimento severo, a classe especial ou as instituições especializadas. Todavia, nesta década e na seguinte, de acordo com Kassar (2013), apenas 21,79% dos alunos da educação especial estavam matriculados nas escolas públicas brasileiras que, com base em um critério questionável de educabilidade, recusavam a matricula às crianças que precisassem de maior apoio e, desta forma, nas palavras de Bueno (2011), contribuíam com a ideia de um desenvolvimento infactível.

Nos anos de 1980, dentro do processo de abertura democrática do país, ganharam visibilidade as aspirações de grupos historicamente excluídos, entre eles os deficientes e, a partir da década de 1990, intensificaram-se os discursos sobre direitos humanos, mas, como lembra Patto (2008, p. 34), apesar do sonho de uma escola pública igualitária até ter se mostrado promissor, “da intenção à realidade o fosso foi grande”.

Esperanças se renovavam em meio à mobilização social, à promulgação de uma Constituição com caráter democrático, de um Estatuto da Criança e do Adolescente, que se caracterizavam por uma ênfase nos direitos sociais. Tanto que, nos anos seguintes, no discurso de oportunistas, presenciamos a

[...] volta do slogan dominante no campo educacional na virada do século XIX: ‘escolas cheias, cadeias vazias’. Em seu alentado Projeto de Reforma do Ensino Primário, Secundário e Superior do fim do Império, Rui Barbosa argumentava que, por causa de um grande equívoco, investia-se 1,99% em educação e 20,86% em despesas militares, quando o certo seria pagar ao professor para ensinar o respeito à propriedade em vez de pagar a um guarda para protegê-la. Na propaganda eleitoral de 2006 foram muitos os bordões que deram continuidade a concepção de escola como instituição destinada à prevenção do crime: ‘uma sala de aula a mais, uma cela a menos’ (Paulo Maluf); ‘educar crianças, para não precisar punir adultos’ (Aurélio Miguel). (PATTO, 2008, p. 36-37).

E, no dia a dia, vivenciamos o desmantelamento de uma escola pública que, diante do direito universal à educação, abriu seus portões às diferenças, mas se manteve nos moldes tayloristas, pensando a igualdade como uniformidade e não como direito à diversidade e que, na tentativa de promover o aumento nos índices de rendimento escolar, assegurou a distância entre os resultados de sua prática e a redução da desigualdade.

Patto (2008) cita os estudos de José de Souza Martins, que demonstraram ser a inclusão sem planejamento e estrutura, em tempos de substituição da força de trabalho pela tecnologia, muito mais cruel que a exclusão, por gerar condições sub-humanas de vida ao incluir, de modo precário, na economia os excluídos do plano social. Essa autora concluiu ser “[...] a exclusão um falso problema, a dificuldade social maior é a da inclusão marginal como resposta das classes dominantes à nova desigualdade” (PATTO, 2008, p. 32). Nesse sentido, Jodelet (2006) faz uma distinção entre as formas pelas quais a inclusão/exclusão se expressa também no espaço escolar. Segundo ela,

[...] a exclusão induz sempre uma organização específica de relações interpessoais ou intergrupos, de alguma forma, material ou simbólica, através da qual ela se traduz: no caso da segregação, através de um afastamento, da manutenção de uma distância topológica; no caso da marginalização, através da manutenção do indivíduo à parte do grupo, de uma instituição ou do corpo social; no caso da discriminação, através do fechamento a certos bens ou recursos, certos papeis ou status, ou através de um fechamento diferencial ou negativo. Decorrendo de um estado estrutural ou conjuntural da organização social, ela inaugura um tipo específico de relação social. (JODELET, 2006, p. 53).

Discriminação, marginalização ou segregação sempre vêm acompanhadas e reproduzem preconceitos; as crianças com deficiências e transtorno são um bom exemplo disso; antes segregadas, hoje convivem com uma inclusão escolar que cobra a reflexão sobre a prática, no sentido de desvelar e transmutar estratégias políticas que visam apenas ao controle da alteridade.

O número de alunos com deficiência no ensino regular cresceu. Entretanto, Vasques e Baptista (2013) advertem que, no caso das crianças com TEA, solidificou-se uma imagem que não reflete a diversidade de casos; em virtude disso, as portas se fecham diante de um pedido por escola, e ainda é comum ouvir que essas crianças não estão aptas, ou não são funcionais ou hábeis o suficiente para permanecer noutra instituição que não seja a clínica.

A baixa frequência de crianças com TEA na rede pública de ensino no Estado de São Paulo corrobora a afirmação de Baptista (2015, p. 164), de que “[...] ainda hoje, quando se fala de crianças e adolescentes com graves problemas do desenvolvimento, a escola não tem sido concebida como uma possibilidade para todos”.

Em 2013, dos 12.101 alunos com deficiência matriculados na rede de ensino e que frequentavam a Sala de Recursos em um período e a sala comum no outro período, nenhum tinha TEA. Em 2014, dos 12.359 alunos com deficiência matriculados, 59 tinham TEA. Em 2015, o total de alunos com TEA frequentando as Salas de Recursos (SR) e as classes comuns chegam a aproximadamente 6% do total de alunos com deficiência matriculados na rede estadual de ensino. Em 2016, não há um aumento significativo de matriculas de alunos com TEA na mesma rede, apesar do aumento do número de salas de recursos.

Tabela 2 – Número de classes e alunos com deficiência em Salas de Recursos

NÚMERO DE CLASSES E ALUNOS COM DEFICIÊNCIA EM SALAS DE RECURSOS19

D

ata

B

ase Tipo de sala Especialidade Classes Alunos

Dez em b ro 2013 Sala de Recursos Deficiência auditiva 231 1391 Deficiência física 10 63 Deficiência intelectual 1.076 10.033 Deficiência visual 104 614 TEA 0 0 TOTAL 1.421 12.101 Dez em b ro 2014 Sala de Recursos Deficiência auditiva 235 1.410 Deficiência física 14 69 Deficiência intelectual 1.173 10.252 Deficiência visual 107 569 TEA 16 59 TOTAL 1.545 12.359 Dez em b ro 2015 Sala de Recursos Deficiência auditiva 333 1.284 Deficiência física 43 119 Deficiência intelectual 2.759 11.601 Deficiência visual 161 604 TEA 69 217 TOTAL 3.365 13.825

19 Fonte: Coordenadoria de Informação, Monitoramento de Avaliação (CIMA) da Secretaria Estadual de

Ma rço 2016 Sala de Recursos Deficiência auditiva 330 1.222 Deficiência física 39 99 Deficiência intelectual 2.838 11.664 Deficiência visual 158 572 TEA 91 275 TOTAL 3.456 13.832

Fonte: Elaborado pela pesquisadora.

Ao buscar dados sobre a inclusão de crianças com TEA matriculadas na rede estadual de ensino paulista, técnicos do CAPE nos informaram que, em 2015, 1.276 alunos com TEA

estavam matriculados em 25 escolas conveniadas20 com a SEE/SP; 2.100 alunos, matriculados

em escolas credenciadas; e 217 matriculados em escolas da rede estadual de ensino, participando do atendimento pedagógico especializado em SR, ou Classes Regidas por Professor Especializado (CRPE), ou por meio de professor itinerante.

Diante desses números, cabe lembrar que

[...] as possibilidades educativas e de aprendizagem não residem, única e exclusivamente, nas condições inerentes ao aluno, mas despontam como possibilidades a serem construídas (ou não) a partir dos sujeitos e das instituições (VASQUES; BAPTISTA, 2013, p. 279).

Bueno (2011, p. 184) reitera que, ao lado da reprovação e da exclusão, uma inclusão escolar que resulta na aprovação de alunos que permanecem analfabetos mostra que, no mínimo, esses números, assentados em um discurso abstrato, devem ser colocados sob suspeita e sugere uma análise mais detalhada de como se dá essa escolarização, por se tratar de “[...] expressões de um mesmo problema: a produção maciça e contínua do fracasso escolar que, fundamentalmente, atinge de forma brutal os alunos das camadas populares, tenham eles deficiência ou não”.