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2. O JORNALISMO E A PROBLEMÁTICA DOS GÊNEROS

2.3 OPÇÃO DE ANÁLISE

2.3.2 O artigo opinativo

Conforme Marques de Melo, o artigo “é um gênero jornalístico peculiar à

imprensa. Sua expressão não ocorre no rádio e na televisão, pela natureza abstrata

que possui, mesclando fatos e idéias, mas trabalhando sobretudo os argumentos”

(MARQUES DE MELO, 1994, p.123). Sua característica principal é a de transmitir

uma opinião individual (não a do próprio jornal, como no editorial) sobre um fato da

atualidade, o que corresponde à definição de Mar de Fontcuberta: “[...] é a exposição

de idéias e de juízos valorativos suscitados a propósito de fatos que tenham sido

notícias mais ou menos recentes" (FONTCUBERTA, 1993, p.105)

45

.

Citando Carlos Alberto Rabaça e Gustavo Barbosa, Marques de Melo

define o artigo como sendo o

texto jornalístico interpretativo ou opinativo, mais ou menos extenso, que desenvolve uma idéia ou comenta um assunto a partir de uma determinada fundamentação. Geralmente assinado, o artigo difere

44

No original: “captar al público hasta convertirlo en coprotagonista de la historia” (Tradução nossa).

45 No original: “[...] es la exposición de ideas y de juicios valorativos suscitados a propósito de hechos

do editorial por não apresentar enfaticamente, como este, uma ‘receita’ para a questão em pauta, nem representar necessariamente a opinião da empresa jornalística [grifo no original] (RABAÇA e BARBOSA apud MARQUES DE MELO, 1994, p.116).

Outra autora, Pastora Moreno Espinosa (2002), também enfatiza a

diferença entre artigo e editorial, e chama ainda a atenção para a sua intenção de

criar uma espécie de “interação“ com o leitor:

O artigo é um gênero jornalístico que interpreta os fatos de uma comunidade concreta e que destaca a importância destes dentro do momento histórico, como as possíveis conseqüências econômicas, sociais e políticas que podem derivar-se [deles]. Escreve-se com a intenção de criar opinião no público, interpreta e julga o mais destacado do que acontece, porém não é a instituição, como no editorial, que se manifesta, mas é o jornalista que interpreta os acontecimentos expressando seu ponto de vista, e pode, inclusive, solicitar um comportamento concreto do público. (ESPINOSA, 2002)46

Suas características, conforme Luiz Beltrão (1980), são idênticas às do

editorial quanto à topicalidade, ao estilo e à natureza. Com referência à topicalidade,

o autor prevê a existência de três tipos de artigo: preventivo, apontando situações e

tentando antecipar suas conseqüências; de ação, aquele que acompanha a notícia

procurando suas causas; e de conseqüência, que analisa os efeitos dos fatos

noticiados (cf. BELTRÃO, 1980, p.56). Dentro do estilo, o autor prevê duas

possibilidades: intelectual, que se dirige ao intelecto do leitor, apontando argumentos

racionais; e emocional, que procura atingir o leitor pelo viés da emoção, através de

sentimentos (cf. ibidem, p.57-58). Quanto à natureza, o artigo pode ser: promocional,

quando acompanha alguma campanha em que o veículo esteja engajado e tenta

46

No original: “El artículo es un género periodístico que interpreta los sucesos de una comunidad concreta y que destaca la importancia de éstos dentro del momento histórico, a la vez que las posibles consecuencias económicas, sociales y políticas que pueden derivarse. Se escribe con la intención de crear opinión en el público, interpreta y enjuicia lo más destacado de lo que sucede, pero no es la instituición como en el editorial la que se manifesta, sino que es el periodista el que interpeta

argumentar para levar o leitor à ação; circunstancial, que é apresentado apenas

eventualmente para opinar sobre algum movimento ou situação; ou polêmico, de

caráter “eminentemente doutrinário”, que provoca contestação e réplicas (cf. ibidem,

p.58).

Espinosa (2002) também aponta essa aproximação do artigo com o

editorial no que se refere a sua estrutura e a suas características. Conforme a

autora, o artigo possui, em comum um “estilo editorializante”, uma intenção de atrair

o leitor, sem chocar-se com ele, porém, fazendo com que modifique alguns de seus

posicionamentos. Esse estilo, explica,

[...] não tem a finalidade informativa, de transmitir dados, de contar um fato, uma história. Pelo contrário, trabalha sobre idéias, deduz conseqüências (ideológicas, políticas, sociais, etc. [sic], a partir de uns acontecimentos que são notícia ou tenham sido recentemente (ESPINOSA, 2002)47.

Quanto ao articulista, Pedro Gilberto Gomes considera que estaria mais

identificado com um colaborador do que de um jornalista. Sobre isso ele afirma:

“eventualmente, o artigo pode ser escrito por um jornalista, mas, nesse caso, ele

estará representando a opinião de um segmento da sociedade civil” (GOMES, 1992,

p.19). Recorrendo a Marques de Melo, Gomes afirma que tal característica faz parte

do artigo por ele ser o espaço onde “personalidades representativas da sociedade

civil [...] buscam espaços jornalísticos para participar da vida política e cultural”

(ibidem, p.18).

Já Espinosa (2002), a partir de um estudo sobre os artigos opinativos do

jornal espanhol El País, diferencia os autores de artigos em dois grupos: os

los acontecimientos, expressando su punto de vista, y puede incluso solicitar un comportamiento concreto del público.” (Tradução nossa)

jornalistas profissionais e os colaboradores, enfatizando que ambos possuem

espaço. Os colaboradores, conforme a autora, são geralmente profissionais

especializados em determinadas áreas, o que confere a eles autoridade sobre o

tema que escrevem. Já os jornalistas recorrem a fontes de informação e também ao

estudo documental para a construção de seus textos, explica Espinosa

48

.

Ainda sobre o perfil do articulista, Beltrão explica que são, geralmente,

figuras conhecidas do público, visto que é muito raro quando “um autor

desconhecido do editor e do público [...] tem as honras da inclusão de seu artigo na

página nobre do jornal” (1980, p.65). Isso confere ao autor uma possibilidade de

maior refinamento na escrita de suas matérias, opina Beltrão:

articulistas e cronistas são autênticos literatos, e, não tendo, como o profissional do dia-a-dia, de submeter-se à maior pressão do tempo reduzido da produção coercitiva diária, podem burilar suas matérias, não raro tornando-as antológicas e conferindo-lhes aquela perenidade que constitui exceção no exercício da atividade jornalística (ibidem).

Apesar dessa liberdade, Beltrão considera necessária uma forma mais

rígida de estrutura redacional, idêntica a do editorial. Essa seria composta por título,

introdução, discussão/argumentação e conclusão (cf. ibidem). Essa visão é

contrariada por Marques de Melo, para quem a estrutura do artigo é livre, podendo

variar de acordo com o estilo de cada autor. Ele explica:

[...] sendo colaboração espontânea ou solicitação nem sempre remunerada, o artigo confere liberdade completa ao seu autor. Trata-se de liberdade em relação ao tema, ao juízo de valor emitido,

47 No original: “[...] no tiene la finalidad informativa, de transmitir datos, de contar um hecho, uma

historia. Por lo contrario, trabaja sobre ideas, deduce consecuencias (ideológicas, políticas, sociales, etc., a partir de unos acontecimientos que son noticia o lo han sido recientemiente.” (Tradução nossa)

48 Essa diferenciação entre colaboradores e articulistas fixos pode ser constatada na amostra

e também em relação ao modo de expressão verbal (MARQUES DE MELO, 1994, p.121).

Divergindo um pouco, Espinosa considera que a estrutura redacional do

artigo deve ser mais complexa do que a do editorial, visto que o articulista precisa

defender uma tese. Mesmo enfatizando que o texto de tal gênero goza de uma

“liberdade absoluta” (VIVALDI apud ESPINOSA, 2002), diz ser possível perceber

nele cinco passos, mais ou menos fixos. Tais etapas seriam: a apresentação do

tema (explicar a importância do assunto e seus principais aspectos), informação

(desenvolvimento, acrescentando detalhes novos), análise e argumentação (fase

central, onde são explicitados os juízos de valor sobre o fato), comprovação dos

acontecimentos (apresentação de provas e argumentos lógicos para o exposto

anteriormente), valoração e conclusão do tema (retomada do conteúdo e conclusão).

Buscando uma estrutura mais geral que possa representar características

intratextuais do artigo opinativo, Espinosa (2002) recorre a um modelo proposto por

Teodoro Leon Gros. Este autor considera que existe um “componente intrínseco e

configurador” em todo artigo opinativo:

[...] é um discurso dialético de caráter persuasivo no qual o texto propõe uma antítese singular frente à tese que proporciona a realidade, preferentemente aquela parte que constitui a informação de atualidade. O resultado dessa dialética é o artigo síntese, que na realidade se apresenta como tese do articulista (GROS apud ESPINOSA, 2002)49.

A autora apresenta um esquema que facilita a compreensão de tal

proposta e pode ser assim resumido: 1) TESE – Fatos da realidade (exterior /

objetiva); 2) ANTÍTESE – Análise (interior/subjetiva): dados, citações, humor, ironia,

49 No original: “es um discurso dialéctico de carácter persuasivo en el que el texto plantea una

culturalismo, argumentos, etc. 3) SÍNTESE: dialética textual (texto-mensagem) (cf.

ESPINOSA, 2002). Entre a confrontação da tese com a antítese existe ainda como

elemento uma total liberdade de criação, conforme aponta Espinosa (ibidem).

Propondo uma classificação formal de outra natureza, Marques de Melo

afirma que os artigos dividem-se em dois tipos: o artigo e o ensaio. A diferença está

não somente na extensão – “o artigo é um ensaio curto e o ensaio é um artigo longo”

(ibidem, p.118) – mas também no tratamento. O artigo trata o fato de maneira mais

rápida e produz “julgamentos provisórios”, já o ensaio é um artigo com “pontos de

vista mais definitivos” porque escrito com um certo distanciamento temporal do fato.

A argumentação utilizada no artigo baseia-se no próprio conhecimento e sensibilidade do articulista; no ensaio, ela se apóia em fontes que se legitimam pela sua credibilidade documental, permitindo a configuração das idéias defendidas pelo autor [grifo no original]. (ibidem)

A outra classificação possível diz respeito à finalidade do artigo, que pode

ser doutrinário ou científico. O artigo doutrinário analisa questões da atualidade e

sugere pontos de vista sobre ela para toda a sociedade. O artigo científico, por sua

vez, é destinado a um público mais restrito e também possui um tema mais fechado.

“O artigo científico destina-se a tornar público o avanço da ciência, repartindo com

os leitores novos conhecimentos, novos conceitos.” (ibidem, p.119).

Para concluir, Marques de Melo define a importância do artigo dentro de

uma concepção de liberdade de opinião, chamando ainda atenção para o papel dos

veículos em oferecer espaço para uma pluralidade de opiniões em torno de um fato:

constituye la información de actualidad. El resultado de esa dialéctica es el artículo síntesis, que en realidad se presenta como la tesis del articulista.” (Tradução nossa)

O artigo é o gênero que democratiza a opinião no jornalismo, tornando-a não um privilégio da instituição jornalística e dos seus profissionais, mas possibilitando o seu acesso às lideranças emergentes na sociedade. É claro que essa democratização constitui uma decorrência do espírito de cada veículo: sua disposição para abrir-se à sociedade e instituir o debate permanente dos problemas nacionais. (ibidem, p.122)