2. O JORNALISMO E A PROBLEMÁTICA DOS GÊNEROS
2.2 GÊNEROS JORNALÍSTICOS
2.2.2 Classificação dos gêneros jornalísticos
A classificação de gêneros jornalísticos varia de acordo com cada país
onde a mensagem jornalística é produzida. A origem de tal divisão, conforme
Marques de Melo (1994), decorre da própria prática profissional. A explicação para
tal variação é oferecida pelo autor:
se os gêneros são determinados pelo ‘estilo’ e se este depende da relação dialógica que o jornalista deve manter com seu público, apreendendo seus modos de expressão (linguagem) e suas expectativas (temáticas), é evidente que a sua classificação restringe-se a universos culturais delimitados (ibidem, p.39-40)35.
Sonia Fernández Parratt (2003) divide as classificações de gêneros de
acordo com as tradições de jornalismo anglo-saxônica, francesa e hispânica. Na
tradição anglo-saxônica, explica a autora, desenvolveu-se uma postura de busca
pela informação “completa, objetiva, neutra e factual” e de separação clara entre
informação e opinião. Apenas dois principais gêneros são percebidos nessa
tradição, “story” e “coment”, que correspondem ao “relato de fatos” e a “exposição de
idéias”, respectivamente (cf. ibidem).
Embora a tradição francesa, afirma Parratt, tenha sido a precursora na
divisão do jornalismo em informativo e opinativo, na prática,
os jornalistas franceses tendiam mais a interpretar e ‘reprocessar’ a informação com base na doutrina política defendida pelo jornal e costumavam comentar as informações que eles mesmos forneciam (ibidem)36.
35 No seu livro A opinião no jornalismo brasileiro, Marques de Melo descreve as principais
classificações de gêneros européias, norte-americanas e hispano-americanas, além das brasileiras. (MARQUES DE MELO, 1994, p.40-66).
36
No original: “los periodistas franceses tendían más a interpretar y ‘reprocesar’ la información en base a la doctrina política defendida por el periódico y acostumbraran a comentar las informaciones que ellos mismos facilitaban”. (Tradução nossa)
Essa tradição opinativa manteve-se, mesmo após o período das grandes
guerras e “[...] a opinião e o comentário prevaleceram na França sobre a informação
até finais do século vinte” (ibidem)
37.
Na Espanha, o jornalismo ideológico prevaleceu até a terceira década do
século XX e, em conseqüência, não existia muita aceitação do jornalismo informativo
(cf. ibidem). Essa convivência dos dois modelos deu origem a uma gama de gêneros
que estão “[...] situados entre o relato impessoal dos fatos e a interpretação
subjetiva” (ibidem)
38, como a informação, a reportagem, a crônica e o artigo ou
comentário. Esse modelo de classificação europeu, tanto espanhol quanto francês,
influenciou, desde o início, o jornalismo latino-americano que, apenas nas últimas
décadas do século XX, de acordo com Parratt, está adotando cada vez mais os
conceitos anglo-saxões.
Atualmente, tal discussão tem provocado o surgimento de diversas teorias
classificadoras que tentam propor modificações nos sistemas tradicionais e oferecer
uma classificação que abarque a diversidade e complexidade dos gêneros
jornalísticos praticados. Quatro correntes podem ser identificadas como principais
nesse debate, segundo Parratt: “teoria dos esquemas do discurso”, “teoria normativa
dos gêneros jornalísticos”, “teoria do sistema de textos” e “teoria dos gêneros”. Além
delas, outras propostas com menor peso surgem para propor modificações nas
classificações tradicionais.
A “teoria dos esquemas do discurso” foi traçada pelo pesquisador
holandês Teun A. Van Dijk e divide os gêneros em dois conjuntos de esquemas do
discurso, o “esquema narrativo” e o “esquema argumentativo” (cf. ibidem). Essa
37
No original: “[...] la opinión y el comentario prevalecieron en Francia sobre la información hasta finales del siglo veinte”. (Tradução nossa)
38 No original: “[...] situados entre el relato impersonal de los hechos y la interpretación subjetiva”.
divisão aproxima-se muito da tradição anglo-saxônica mas, conforme Parratt, ela
vem sendo bastante criticada como uma espécie de reducionismo e por ter como
base apenas as estruturas internas do texto (cf. CASASÚS y LADEVÉZE apud
PARRATT, 2003).
O pesquisador espanhol José Luis Martínez Albertos desenvolveu a “teoria
normativa dos gêneros jornalísticos” em fins da década de 1980 (cf. PARRATT,
2003). Nela, são mescladas influências das tradições européia e anglo-saxônica,
estabelecendo, assim, três grupos denominados “macrogêneros”. O primeiro grupo é
composto por gêneros informativos, entre os quais estão a informação e a
reportagem objetiva. Entre os gêneros interpretativos estão a reportagem
interpretativa e a crônica. Por fim, os gêneros de opinião incluem o artigo e o
comentário. Martínez Albertos critica a mistura de dois gêneros em um mesmo texto,
“por considerar que não distinguir bem o que é informação e o que é opinião pode
levar a transmitir ao leitor uma idéia incorreta dos fatos” (cf. CASASÚS y LADEVÉZE
apud PARRATT, 2003)
39.
Em 1981, Héctor Borrat formula a “teoria do sistema de textos”, que divide
os gêneros jornalísticos em três grupos, seguindo uma classificação aproximada à
doutrina espanhola: textos narrativos, textos descritivos e textos argumentativos (cf.
PARRATT, 2003). A partir desta proposta inicial, o autor subdivide os gêneros em
narrativos simples (ênfase no que, quem, quando e porque), narrativo explicativo
(ênfase no que, quem e onde), descritivos simples (ênfase no que, quem e onde) e
descritivos explicativos (ênfase no que, quem, onde, porque e como) (cf. CASASÚS
y LADEVÉZE apud PARRATT, 2003). É também com base nessa teoria que Mar de
Fontcuberta (1993) divide os gêneros jornalísticos em quatro: notícia, reportagem,
39 No original: “por considerar que el no distinguir bien lo que es información de lo que es opinión
crônica e comentário, por considerar essa uma classificação mais simples, que foge
às tipologias extensas.
Finalizando, a “teoria dos gêneros” foi desenvolvida por Lorenzo Gomis,
que
baseia sua postura na idéia de que os gêneros refletem a evolução do jornalismo e vão se modificando com as demandas sociais e os objetivos da profissão jornalística, de maneira que podem ser entendidos como um método de interpretação sucessiva da realidade social (PARRATT, 2003).