• Nenhum resultado encontrado

2. O JORNALISMO E A PROBLEMÁTICA DOS GÊNEROS

2.2 GÊNEROS JORNALÍSTICOS

2.2.1 Resgate histórico

Para traçar um percurso histórico dos gêneros jornalísticos é preciso levar em consideração as suas grandes categorias – informativa, opinativa e interpretativa – que foram cumprindo determinados papéis ao longo da história do jornalismo. Conforme Parratt, “a aparição dos diferentes gêneros se vincula normalmente à evolução histórica, estabelecendo-se uma correspondência entre os gêneros básicos do jornalismo e as diferentes etapas na história da humanidade” (PARRATT, 2003) 31.

A primeira fase na história dos gêneros jornalísticos pode ser denominada “jornalismo ideológico”. A partir da invenção da tipografia, em 1438, por Gutemberg, a imprensa assume uma postura marcadamente opinativa. Antes mesmo do surgimento dos primeiros jornais, a necessidade de informação da população era suprida pelas folhas volantes e avulsos impressos, de acordo com Marques de Melo, “formas embrionárias” do jornalismo que embora carreguem em si atributos hechos reales, explicando lo que pasa realmente a personajes conocidos y lo que les puede pasar a los lectores como consecuencia de los hechos que se están comunicando.” (Tradução nossa)

30 No original: “...their mode of address, in addition to their form and content, anticipates particular

determinados no conceito de jornalismo – “são publicações que informam sobre fatos da atualidade e se difundem através da imprensa” (MARQUES DE MELO, 1994, p. 18) –, não possuem periodicidade fixa. De natureza opinativa, essas folhas faziam a propaganda de temas polêmicos como a Reforma, na Alemanha e em outros países que se desligaram da Igreja Católica (cf. BELTRÃO, 1980, p.33).

Os primeiros jornais surgiram na Alemanha, no ano de 1609, o Aviso, em Wolfenbüttel, e o Relation, em Estrasburgo. Logo começam a surgir outros jornais: na Holanda, em 1618; na França, em 1620; na Inglaterra, em 1620; e na Itália, 1635 (cf. KUNCZIK, 1997, p.23). Ao relatar esse trajeto da imprensa, Marques de Melo ressalta a natureza “eminentemente política” do jornalismo no seu primeiro momento, destacando dois tipos de publicações: as clandestinas,

que circulavam à margem do aparelho censório, desafiando o poder absolutista, antecipando as idéias que acabariam por destruí-lo”; e as oficiais, que se submetiam ao crivo da censura e voltavam-se apenas para assuntos da corte (cf. MARQUES de MELO, 1994, p.20).

Essa etapa, portanto, é caracterizada por um jornalismo que “[...] é doutrinal e moralizador, ao serviço de idéias políticas ou religiosas” (GÉNEROS..., 2003)32. Essa etapa é marcada por “poucas informações e muitos comentários” (cf. ibidem).

No segundo momento desponta o “jornalismo informativo”, ainda paralelo ao opinativo. Ele surge na segunda metade do século XIX e aperfeiçoa-se a partir da Primeira Guerra Mundial “[...] como um jornalismo que se apóia sobretudo na narração ou no relato dos fatos” (ibidem)33. Esse tipo de jornalismo surge a partir de uma corrente anglo-saxônica e tem como marca a sobreposição dos fatos sobre os comentários. Suas primeiras ocorrências acontecem na Inglaterra e, posteriormente, nos Estados Unidos.

A passagem da primeira para a segunda fase é decorrência de diversos fatores. Um deles é a tentativa de fugir à censura prévia. Michael Kunczik (1997) explica que o movimento pelo fim da censura prévia iniciou na Inglaterra, com o fim da “Lei de Autorização”, em 1695, e logo se seguiu às Declarações dos Direitos Humanos nos Estados Unidos (1776) e na França (1789),

31

No original: “La aparición de los diferentes géneros se vincula normalmente a la evolución histórica, estableciéndose una correspondencia entre los géneros básicos del periodismo y las distintas etapas en la historia de la humanidad.” (Tradução nossa)

32 No original: “[...] es doctrinal y moralizador, al servicio de ideas políticas o religiosas”. (Tradução

afirmando a liberdade de imprensa. Conforme Marques de Melo (1994), esse primeiro momento de liberdade do jornalismo caracterizava-se pela expressão de “opiniões”, tanto pela liberdade de imprensa que oportunizava a todos a livre expressão como pelo baixo custo de produção. Nilson Lage resume essa fase:

do ponto de vista econômico, qualquer um podia lançar a sua folha, desde que tivesse algumas centenas de amigos, correligionários ou pessoas com motivo para temer ataques impressos caso não contribuísse” (LAGE, 1993, p.11).

“Se era assim, nada mais natural que os donos do poder, incomodados pela virulência com que se praticava o jornalismo, atacando, denunciando, combatendo o governo, procurassem reduzir o ímpeto da expressão opinativa” (MARQUES DE MELO, 1994, p.22). Essa redução vem em forma de restrições econômicas, com a cobrança de novas taxas e impostos e também de uma censura posterior. São esses fatores que conduzem o jornalismo à sua modificação: “tais restrições fazem medrar o jornalismo de opinião e estimulam o jornalismo de informação” (ibidem).

Na segunda metade do século XIX, os jornais começam a modernizar-se e passam a ser entendidos como empresas. As mudanças decorrem, segundo Luiz Beltrão, das transformações sofridas pela sociedade a partir da democracia liberal, da industrialização e da urbanização. Diante dessas mudanças era necessário ao jornalismo “organizar-se e crescer em outras bases, pois não o dispensaria, como elemento-vínculo, a nova organização social” (BELTRÃO, 1976, p.21). Além desses fatores políticos e sociais, P. Albert e F. Terrou (1990, p.29-31) apontam ainda causas de ordem econômica – a industrialização dos métodos de fabricação e a ampliação do mercado da imprensa, que reduz o preço dos jornais – e de ordem técnica, na fabricação, composição e impressão.

Os Estados Unidos, na primeira metade do século XIX, foram o berço do jornalismo moderno que, apesar das críticas, se impôs como novo estilo. Reduzindo os preços por unidade, os proprietários aumentavam as vendas e acirravam a concorrência. Em Nova Yorque surgem os primeiros jornais com características parecidas com os atuais, com reportagens, notícias cotidianas e descobertas confidenciais. No ano de 1850 eram cerca de 240 diários, com uma tiragem conjunta de 750 mil exemplares.

A imprensa teve sua evolução diretamente ligada ao capitalismo, conforme Nelson Werneck Sodré (1999), explicando, assim, o fato de sua forma moderna surgir nos Estados Unidos, também berço do capitalismo. Com a urbanização crescente, surgem novos mercados e a necessidade de conquistá-los, conferindo importância fundamental à publicidade e transformando a imprensa em uma mercadoria rentável. Cremilda Medina também considera que a expansão dos jornais está diretamente relacionada com a nascente sociedade urbana e industrial. “A identificação de mensagens jornalísticas com atividades urbanas, primeiro comerciais e em seguida industriais, leva-a à expansão que hoje se identifica na comunicação de massa.” (MEDINA, 1988, p.15)

Todos esses fatores levam Marques de Melo a afirmar que

sem dúvida o jornalismo informativo afigura-se como categoria hegemônica, no século XIX, quando a imprensa norte-americana acelera seu ritmo produtivo, assumindo feição industrial e convertendo a informação de atualidade em mercadoria (MARQUES DE MELO, 1994, p.23).

Explica ainda que, apesar de sua redução, o jornalismo opinativo não desaparece nesse contexto, porém, torna-se restrito às páginas editoriais.

Com o fim da Segunda Guerra Mundial, em 1945, há um momento de procura por maior profundidade nas informações, que dá origem a um gênero considerado por muitos como híbrido, pois mescla o relato e o comentário. É o “jornalismo de explicação”, que tem como objetivo fazer com que “[...] o leitor, mediante uma narração objetiva dos fatos, entenda os juízos de valor de forma fácil e rápida” (GÉNEROS..., 2003)34. O principal gênero que representa essa corrente é a reportagem em

profundidade.

Outros autores situam essa fase algumas décadas antes, ainda durante a

Primeira Guerra Mundial. Nesse período, os

jornais norte-americanos percebem que, apesar do enorme volume de informações oferecidas ao leitor, a imprensa fazia apenas o relato dos fatos, sem contextualizá-los ou realizar entre eles uma conexão explicativa [...] as notícias precisavam ser ampliadas e

hechos”. (Tradução nossa)

34 No original: “[...] el lector, mediante una narración objetiva de los hechos, entienda los juicios de

interpretadas, criando assim a categoria de jornalismo interpretativo (SPANNENBERG, 1999, p. 20).

No final da década de 20 do século passado, a revista informativa semanal

é o veículo que dá suporte para a consolidação do novo gênero.

No Brasil, o processo desenvolveu-se nessa mesma trilha, porém, sempre com uma distância temporal que, segundo Cremilda Medina, marca o desenvolvimento de todos os aspectos sócio-econômico-políticos brasileiros.

Da tardia Imprensa que se implantou no Brasil, no século XIX, à modernização da indústria cultural do século XX, arrastamos conosco a sina de uma defasagem perante a História do Jornalismo do Primeiro Mundo. (MEDINA, 1988, p. 138)

Mesmo assim, o jornalismo brasileiro procurava sempre captar as transformações e mudanças que se processavam no fervilhar de acontecimentos do século atual.

Esse atraso faz com que a autora considere que a história do jornalismo

no Brasil esteve sempre dependente de fatores externos, sem buscar inovar em

modelos, mas apenas incorporando os modismos. O jornalismo opinativo, grande

tendência na Europa, prevaleceu no primeiro momento do jornalismo brasileiro, que

se estendeu do período colonial até as primeiras décadas do século XX. Desde

então, o jornalismo informativo se impôs, influenciado pelas agências de notícias

norte-americanas, como um produto que encontrava grande demanda na sociedade

urbana e industrial. Hoje, para a autora, é difícil distinguir um modelo na imprensa

brasileira, o que resulta numa “hibridez mal elaborada dos dois modelos”, em que

“nem temos um Jornalismo Opinativo consistente, pluralista, nem temos um

Jornalismo Noticioso habilitado a exercer a grande reportagem de aprofundamento e

investigação dos problemas sociais brasileiros” (MEDINA, 1988, p.140).