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2. O JORNALISMO E A PROBLEMÁTICA DOS GÊNEROS

2.2 GÊNEROS JORNALÍSTICOS

2.2.3 Classificações brasileiras

2.2.3.1 Contribuições de Luiz Beltrão

Em A imprensa informativa (1969), Luiz Beltrão produz uma espécie de

“manual” sobre jornalismo. O texto era, inclusive, utilizado – e foi escrito com essa

intenção – para ministrar as aulas do Curso de Jornalismo do Instituto de Ciências

da Informação, na Universidade Católica de Pernambuco. Nele, estão detalhados e

exemplificados os diversos gêneros de jornalismo informativo que o autor identificou

na imprensa brasileira: notícia, entrevista, reportagem (com diversos

desdobramentos) e informação por imagem.

A notícia é o primeiro dos gêneros apontados por Beltrão, que a define como “a narração dos últimos fatos ocorridos ou com possibilidade de ocorrer, em qualquer campo de atividade e que, no julgamento do jornalista, interessam ou têm importância para o público a que se dirigem” (BELTRÃO, 1969, p. 82). Os seus principais atributos são o imediatismo, a veracidade, o universalismo e o interesse e importância (cf.ibidem). O autor também estabelece uma classificação das notícias de acordo com três referências. Quanto à ocorrência que as provoca, elas podem ser: previsíveis e imprevisíveis. Quanto à sua repercussão, podem ser: extraordinárias, sensacionais, importantes e comuns. E, quanto ao seu assunto, podem ser: políticas, policiais, esportivas, econômicas, profissionais, sociais, científicas, artísticas e diversas (cf. ibidem, p.95-96). A estrutura da notícia comporta a “cabeça”, considerada resumo dos fatos, respondendo às seis perguntas clássicas do lead (Quê?, Quem?, Quando?, Como?, Onde? e Por quê?) e o “corpo”, que detalha a informação apresentada, identificando os fatos e documentando-os (cf. ibidem, p.109-110).

O segundo gênero identificado no jornalismo informativo é a entrevista, que, segundo Beltrão, é a “[...] técnica de obtenção de matéria de interesse jornalístico por meio de perguntas a outrem” (ibidem, p.175). Tal técnica, que surgiu com James Gordon Bennet, criador da imprensa popular norte-americana, em 1837, quando publicou declarações textuais de uma testemunha de assassinato, constitui-se hoje como “um gênero específico” (cf. ibidem). O autor a divide em dois tipos: “entrevista de rotina”, aquela que não é destacada e aparece no corpo da notícia; e “entrevista caracterizada”, que traz reproduções textuais das palavras e idéias dos entrevistados e apresenta-se em forma de diálogo (cf. ibidem, p.177). O gênero também pode ser classificado quanto ao conteúdo em: “entrevista informativa”, que relata um fato ou informação atual; “entrevista opinativa”, que

oferece juízo de valor sobre um tema; ou “entrevista ilustrativa”, na qual o assunto principal centra-se na personalidade do entrevistado (cf. ibidem, p.179-182). Quanto à composição, a entrevista também é constituída por cabeça e corpo.

“Reportagem é o relato de uma ocorrência de interesse coletivo testemunhada ou colhida na fonte por um jornalista e oferecida ao público, em forma especial e através dos veículos jornalísticos” (ibidem, p.195). Assim é definido por Beltrão o texto do gênero reportagem, o terceiro da categoria informativa. A definição baseia-se mais na origem da informação do que na estrutura ou profundidade do texto:

na sua essência, a reportagem é uma notícia; o que distingue os dois gêneros é a dinâmica da fonte de informação. Enquanto a notícia vem ao jornalista, o jornalista vai à procura da reportagem para testemunhá-la ou colhê-la na fonte [grifos no original] (ibidem).

O autor classifica a reportagem em três tipos: reportagem de setor (que inclui os setores policial, judiciário, político-administrativo, econômico-sindical, esportivo e sócio-cultural), história de interesse humano e grande reportagem (ibidem, p.198-199).

As histórias de interesse humano são um desdobramento da reportagem, “produzidas à base de fatos diversos, que se registram em qualquer campo da atividade dos indivíduos e da vida da comunidade” (ibidem, p. 377). A redação desses textos é mais livre, segundo Beltrão, tendo o autor apenas que manter “o leitor interessado, seja conservando o impacto emocional do clímax lançado às primeiras linhas, seja provocando-lhe um estado de espírito de expectativa para surpreendê-lo ou chocá-lo no final” (ibidem, p. 382). Também chamada de reportagem-conto, aproxima-se dos fait

divers, produzidos na França e das color stories americanas.

O último gênero jornalístico presente na categoria informativa proposta por Beltrão é a informação por imagem ou jornalismo ilustrado. O autor explica sua importância:

com maior vigor e alcance do que a palavra, até o século atual, quando esta apenas era transmitida em limitados recintos ou de boca em boca, e imprimindo força e vida à escrita [...] a notícia ilustrada foi meio de expressão jornalística, que reteve e ampliou de tal modo o seu prestígio que o século atual é considerado a época da civilização da imagem (ibidem, p.393).

Segundo ele, tais informações podem ser divididas em dois grupos distintos: os desenhos e caricaturas, que incluem ilustrações, caricaturas/charges, a diagramação do jornal e as histórias em quadrinhos (cf. ibidem, 394-400); e a fotografia, classificadas como fotos de ocorrência, retratos e fotos artísticas e de entretenimento (cf. ibidem, p.405-406).

O jornalismo interpretativo foi discutido por Beltrão no Livro Jornalismo Interpretativo –

Filosofia e Técnica (1976), no qual o autor define:

o jornalismo interpretativo é o objetivismo multiangular da atualidade apresentado pelos agentes da informação pública para que nós próprios, os receptores, o analisemos, julguemos e possamos agir com acerto (BELTRÃO, 1976, p.46).

A objetividade é apresentada como fundamental nesse tipo de texto, afirma Beltrão, demarcando bem a diferença entre interpretação e opinião. O trabalho interpretativo do jornalista, para o autor, restringe-se à “análise preliminar de submeter os dados recolhidos a uma seleção crítica, e transformá-los em matéria para a divulgação” [grifo no original] (ibidem, p.47). Ultrapassar esses limites e submeter os dados colhidos a uma escala pessoal de valores estará transformando o texto em opinativo, adverte Beltrão (cf. ibidem, p.48). Sobre essa questão, conclui, citando César Luís Aguiar: “o jornalismo será interpretativo, não por dar a interpretação feita, digerida, mas por permitir fazer essa interpretação a quem legitimamente deve fazê-la, que é o público” (AGUIAR apud BELTRÃO, 1976, p. 52).

O autor define como principal característica do jornalismo interpretativo a apresentação das causas e conseqüências do fato, oferecendo ao leitor um “quadro completo da situação de atualidade”, sem, porém, opinar sobre ela (ibidem, p.48-52). As etapas de elaboração de um texto do gênero interpretativo podem ser resumidas em: identificação do objeto, documentação da ocorrência e a redação e edição da matéria. Beltrão considera, no último ponto, que o jornalismo interpretativo não é composto de uma matéria única, mas de uma união de diversos textos que cercam a ocorrência e fornecem sentido a ela. Cita como algumas das possibilidades: uma chamada na primeira página, um texto-síntese em forma de pirâmide invertida, e uma seqüência de textos e ilustrações com informações obtidas na etapa de documentação, que são diagramados, organizando o percurso do leitor (cf. ibidem, p.88). Sua principal expressão, contudo, é a reportagem em profundidade. Para organizar todo esse processo é necessária uma equipe, motivo pelo qual o autor

ressalta a importância do trabalho em grupo e afirma que “essa modalidade é sempre resultado de um trabalho em equipe” (ibidem, p.49).

Fazem parte da categoria de jornalismo opinativo, de acordo com Beltrão, os gêneros: editorial, artigo, crônica, opinião ilustrada e opinião do leitor. O tema é apresentado pelo autor no livro

Jornalismo Opinativo (1980), que utiliza a seguinte definição de opinião: “função psicológica, pela

qual o ser humano, informado de idéias, fatos ou situações conflitantes, exprime a respeito seu juízo” (BELTRÃO, 1980, p.14). A opinião, no jornal, pode ser emitida por três fontes diferentes, segundo o autor, que são o editor (representando o próprio jornal), o jornalista e o leitor.

“O editorial é a voz do jornal, sua tribuna” (ibidem, p.52), define o autor. Para Beltrão, mesmo sendo o editorial baseado na notícia, ele explora, além das dimensões de tempo e espaço, a dimensão da profundidade.

Assim, tanto pode nascer da notícia, como dela transcender, adiantar-se sobre ela, valendo-se de dados subjetivos e retirando de um fato, mediante a análise de suas causas e conseqüências, inferências e conclusões que apresenta como um roteiro à comunidade (ibidem).

São oferecidos cinco critérios de classificação do editorial: morfologia (artigo de fundo, suelto e nota); topicalidade (preventivo, de ação, e conseqüência); conteúdo (informativo, normativo e ilustrativo); estilo (intelectual e emocional); e natureza (promocional, circunstancial e polêmico) (cf. ibidem, p.55- 58). Quanto à estrutura, é considerada bastante rígida pelo autor, composta por título, introdução, discussão e conclusão.

O artigo é outro gênero opinativo, que difere do editorial por trazer a opinião do jornalista (como a crônica e a opinião ilustrada). Beltrão afirma que as características do artigo, “quanto à topicalidade, estilo e natureza são idênticas às do editorial, e cuja estrutura [...] é também semelhante” (ibidem, p.65). O que diferencia os dois gêneros, então, é o fato de o artigo trazer a opinião de um autor: “são pensadores, escritores e especialistas em diversos campos, e cujos pontos de vista interessam ao conhecimento e divulgação do editor e seu público típico” (ibidem).

Apesar de não conceituar a crônica, o autor a associa com a opinião do jornalista e sua explicação dos fatos:

A preferência do leitor pelas opiniões individuais, sua escassez de tempo para ler todas as matérias publicadas, levando-o a procurar aquelas secções que dissessem respeito aos seus interesses profissionais ou respondessem aos reclamos imediatos do seu espírito, juntamente com a variedade de temas que exigia pessoal habilitado em cada setor da atividade humana para atender a demanda da audiência foram motivos predominantes, econômica e socialmente falando, do retorno dos cronistas ao jornalismo. (ibidem, p. 67).

A classificação da crônica leva em conta dois elementos: o tema, a partir do qual ela subdivide-se em geral, local e especializada; e o tratamento dado ao tema, que inclui as categorias analítica, sentimental e satírico-humorística (ibidem, p. 68). As fontes de informação para a composição da crônica são “as idéias em curso na comunidade”, “a informação que [o cronista] consegue recolher sobre fatos e situações”, “a própria notícia deles” e “as suas emoções pessoais” (ibidem, p.69).

A opinião ilustrada pode ser manifesta por fotógrafos e chargistas “cujos signos através dos quais elaboram e lançam sua mensagem não são os alfabéticos, [mas] também contribuem com a expressão de seus juízos nos veículos do jornalismo impresso” (ibidem, p.72). O autor destaca que a opinião, na fotografia, está na opção por ângulos e toda uma série de reflexões anteriores à sua realização que expressam “o resumo do pensamento” (CARTIER-BRESSON in: BELTRÃO, 1980, p.72). Na segunda classe, a do desenho, Beltrão situa a charge e a caricatura e afirma que a opinião, nelas, é manifesta pela sátira, que deve estar diretamente ligada à atualidade. Segundo ele, no jornal,

as ocorrências satirizadas se registram como sob areias movediças, são episódicas, resultam de rápidas mutações e da transitoriedade de fatos que não chegam a uma cristalização definitiva. Por isso, a sátira jornalística só é bem entendida e aplicável mesmo aos fatos atuais (ibidem, p. 81).

Finalizando os gêneros do jornalismo opinativo, está a opinião do leitor, que aparece manifesta no jornal de diversas maneiras. Nesse item, o autor amplia bastante o leque do que considera “opinião do leitor” no jornal, embora enfatize que sua manifestação principal é a carta do leitor, o “tipo mais significativo de colaboração do leitor” (ibidem, p. 87). Sugere ainda outras possibilidades de participação do leitor no jornal, através da palestra, do depoimento confidencial ou da enquete (ibidem, p.91).

O Jornalismo diversional não chega a ser mencionado por Beltrão como

uma categoria, porém, em Jornalismo Opinativo (1980), o autor reconhece a

existência de uma “função lúdica” do jornalismo, na qual seriam oferecidos recursos

diversionais. Beltrão até mesmo recomenda aos jornais,

na medida do possível, manter o atributo da atualidade, inovando, através de neologismos, personagens e episódios contemporâneos e marcas artísticas da época, os problemas, jogos e desenhos de seções tradicionais, como palavras cruzadas, charadas, horóscopos, charges e historietas (ibidem, p.14).

Ao considerar as contribuições de Luiz Beltrão para a discussão de

gêneros jornalísticos é preciso que se leve em conta que as três obras foram

publicadas entre 1969 e 1980, e não são encontradas em versões recentes ou

atualizadas. Portanto, apesar de trazerem alguns conceitos importantes, também

carregam uma defasagem histórica com relação à prática do jornalismo no Brasil.