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3. INSTRUMENTOS DE ANÁLISE

3.2 OPERADORES DE ANÁLISE

3.2.1 Operadores de Ordem Textual

3.2.1.1 Operador de Pessoa

3.2.1.1.1 Discurso direto

Na descrição de Maingueneau, o discurso direto (DD) “simula restituir as falas citadas e se caracteriza pelo fato de dissociar claramente as duas situações de enunciação: a do discurso citante e a do discurso citado” [grifo no original] (2001, p.140). Também explicando o discurso direto, Fiorin afirma que ele “é o resultado de uma debreagem interna [...], em que o narrador delega voz a um actante do enunciado” (FIORIN, 1999, p.72-73). Diz ainda que, no texto escrito, as principais

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Maurice Mouillaud aborda a presença de outras vozes no discurso jornalístico, a partir da análise de jornais franceses, no texto O sistema das citações (1997, p.117-144). Nele, o autor faz uma classificação das citações em seis categorias distintas: 1) Enunciado primário em figura, 2) Discurso como objeto, 3) Alterações no interior do discurso, 4) Amálgama, 5) Confissão e 6) Reprodução polifônica. O próprio autor afirma que na organização de sua classificação guarda o princípio de Bakhtin: “a reprodução (ou citação) põe face a face universos de discursos diferentes, que devem ser articulados no interior de uma enunciação única, aquela do locutor que reproduz o enunciado de um outro locutor” (1997, p.122). E, a partir disso, o que faz é desdobrar as categorias apontadas por Bakhtin (discurso direto, discurso indireto e discurso indireto livre) em sub-categorias que possuem diferenças muito sutis entre si. Por tal motivo e por considerar o sistema utilizado por Mouillaud pouco adequado ao nosso objeto, optamos por seguir o esquema clássico de Bakhtin, visto que esse oferece uma classificação mais simplificada, porém sem que isso signifique perda teórica à nossa análise.

marcas dessa presença são os dois pontos, o travessão e as aspas. Bakhtin afirma também que são procedimentos comuns ao DD a utilização de itálico, inserção de observações entre parênteses e pontos de exclamação e interrogação (BAKHTIN, 1988, p. 166).

A intenção do discurso direto é criar uma aparência de objetividade no relato da fala de outrem, isso explica sua grande utilização no discurso jornalístico. Entretanto, sempre é preciso considerar, conforme Maingueneau, que, nos textos escritos, toda situação de enunciação está sendo relatada por um sujeito a alguém que não esteve presente no momento em que ela ocorreu. Só este fato já deixa claro a inserção de subjetividade na narração e, por isso, retira de qualquer citação sua objetividade: “[...] por mais que seja fiel, o discurso direto é sempre apenas um fragmento de texto submetido ao enunciador do discurso citante, que dispõe de múltiplos meios para lhe dar um enfoque pessoal” (2001, 141).

O mesmo autor aponta três motivos pelos quais, geralmente, um texto opta pelo discurso direto como forma de relatar o discurso de outrem: dar ao leitor uma impressão de autenticidade; estabelecer um distanciamento da fala citada; e “mostrar-se objetivo, sério” (ibidem, p.142). Entretanto, enfatiza mais uma vez que “o DD é apenas a encenação de uma fala atribuída a uma outra fonte de enunciação, e não é a cópia de uma fala ‘real’” (ibidem, p.143).

Para situar o leitor, o DD em textos escritos deve sempre indicar que houve uma fala e separar claramente discurso citado de discurso citante (cf. MAINGUENEAU, 2001, p.143). O segundo problema é resolvido com marcas gráficas que destacam o discurso citado, como apontado alhures. Para resolver o primeiro, Maingueneau e Fiorin apontam a utilização de verbos introdutórios.

Fiorin afirma que os verbos introdutórios têm as funções de indicar o ato de enunciação de outrem, comportando-se, assim, como o significado de “dizer” e informar sobre o ato de dizer. Utilizando classificações de Maingueneau, Fiorin continua, separando os verbos em dois grupos: aqueles que têm um valor descritivo (responder, concluir) e os que têm valor avaliativo, que podem trazer julgamentos do enunciador do discurso citado ou do narrador (cf. FIORIN, 1999, p.79).

Quanto à localização, tais verbos podem estar antes do discurso citado, podem ser uma “oração intercalada no interior” do discurso citado, ou ainda colocados no final. De qualquer forma, é o fato de acompanharem citações de outrem dentro de um determinado texto que faz deles verbos introdutórios (cf. MAINGUENEAU, 2001, p.143-144).

Um exemplo de verbo introdutório pode ser encontrado na reportagem “Problema na gengiva pode causar doenças” (FSP, 09/06/2002):

‘A doença não existe sem a formação da placa bacteriana. E a prevenção é simples: fio e escova dental’, afirma o dentista sanitarista Paulo Narvai, professor do Departamento de Práticas de Saúde Pública da faculdade.

Nesse caso, como se pode perceber, ele está localizado ao final da citação.

O autor coloca ainda duas outras situações que separam claramente o discurso direto do restante do texto. A utilização de “grupos proposicionais”, que “assinalam uma mudança de ponto de vista (segundo X, para X, conforme X...)” (MAINGUENEAU, 2001, p.144). Ele destaca ainda que tais introdutores não são, na maioria dos casos, neutros, mas marcam subjetivamente a intenção do autor. A outra situação é a ausência de um introdutor explícito, que é um procedimento comumente utilizado nos jornais impressos. Nesse caso, a única referência visual oferecida ao leitor é a utilização de aspas ou de itálico para delimitar a diferenciação dos dois discursos.

São também opções de distinção apontadas por Maingueneau o “discurso direto sem aspas”, em que a fala é citada reproduzindo o conteúdo porém, não na sua forma literal; “o enunciador genérico”, situação na qual a citação é atribuída não a um indivíduo em particular, mas a uma classe de interlocutores; e ainda o “discurso direto livre”, que é o “discurso relatado que tem as propriedades lingüísticas do discurso direto, mas sem nenhuma sinalização.” [grifo no original] (ibidem, p.148).

Tais usos do DD são bastante comuns nos artigos analisados, como em “Dura lex, sed lex” (GLB, 08/11/2002), quando o articulista Márcio Moreira Alves cita uma fala de Aécio Neves, governador de Minas Gerais. O autor usa apenas travessão, sem aspas, o que deixa a dúvida sobre a citação traduzir ou não integralmente as palavras do citado: “ – Não temos o que discutir. Quem tomou essa decisão foi o eleitorado, quando nos derrotou. Quem perde eleição vai obrigatoriamente para a oposição [...]”. A citação possui apenas o verbo declarativo “disse”, antes de seu início.

Ao definir o discurso direto, Bakhtin afirma existirem diversas variantes dentro do conceito geral. No presente trabalho, contudo, serão levadas em consideração apenas as características gerais do discurso direto, que possuem maior valor operatório, já que não é nossa intenção fazer uma análise propriamente lingüística, mas sim levantar operadores metodológicos que permitam uma

visão ampla do objeto em questão. Assim, a partir das características acima expostas, serão procuradas ocorrências de discurso direto nos textos jornalísticos estudados, sem considerar os desdobramentos ou sub-categorias que eles possam assumir.