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Artigos Artigos uma das entrevistas concedidas após receber o prêmio, disse que o filme

era construído com base em relatos terríveis ouvidos dos imigrantes contrabandeados ilegalmente para a Polônia. “Essas histórias eram parte da experiência dos poloneses que buscavam uma vida melhor no Ocidente da Europa. Pensei que agora nós estamos nesse mundo melhor e não queremos enxergar os outros que tentam alcançá-lo”, explicou2. A película discutida é

a estreia da diretora em filmes fabulares. Até então a diretora tinha realizado alguns documentários.

A Polônia, como uma das fronteiras da União Europeia, tornou-se um alvo da tentativa ilegal de entrar no paraíso proibido. Mas as imagens do filme, para um polonês criado numa época repleta de lembranças da Segunda Guerra Mundial, constantemente evocam as relações com aquele tempo, quando os alemães, se autodenominando “raça dos senhores”, consideravam os outros como sub-humanos. A necessidade de abafar o choro da criança ao atravessar a fronteira clandestinamente traz à memória os relatos dos guetos, onde a criança chorando no abrigo poderia trazer a condenação a todos. A protagonista do filme, Mai Anh, jovem vietnamita que vem clandestinamente para a Polônia ao encontro de seu namorado, desde o início mostra traços de humanidade e compaixão. É ela que consegue com seu jeito amoroso resolver o problema da criança que chora. É ela que por conta disso é percebida e violentada pelo homem que era pago para protegê-la e a todos os refugiados. Enquanto o fato ocorre, os outros imigrantes fingem não perceber nada. A diretora insere o tema da exclusão dentro mesmo de um grupo de excluídos. A cada passo evidencia-se a cruel verdade – cada um por si. O direito do mais forte impera. Nem a fome da criança é capaz de despertar a piedade num companheiro mais favorecido. A humanidade é posta em questionamento, assim como a imagem romantizada que a Europa tem das comunidades asiáticas, de que são sempre unidas e solidárias. Entre os refugiados vive-se como numa situação extrema – os sentimentos humanos são inimigos da sobrevivência.

Ao lado dos lobos-maus há também quem se disponha a ajudar a protagonista em sua odisseia pelo mundo na busca do amado em Varsóvia. O filme apresenta algumas possibilidades de associações, seja com os refugiados do Holocausto, ora abusados, ora ajudados, forçados a assumirem identidades

3 MILOSZ, Czeslaw, SZYMBORSKA, Wislawa, Alguns gostam de poesia- Antologia.

Seleção, introdução e tradução do polaco de Elzbieta Milewska e Sérgio das Neves. Lisboa: Cavalo de Ferro, 2004, p.19.

falsas, seja com os heróis da tragédia grega, que, envolvidos em tramas nas quais não lhes resta escolha, acabavam por cometer erros involuntários.

O filme de poucos diálogos emociona com as imagens e com a magnífica atuação de Thu Ha Mai (estudante de jornalismo na vida real), de intensa força dramática. O outro ponto alto é a sensação de invisibilidade conseguida pelo trabalho da diretora e do diretor de fotografia. Apenas um cachorro e uma criança conseguem perceber a presença dos refugiados. Os outros permanecem cegos à sua existência. Esse trabalho dá, é claro, margem para uma outra interpretação, de que os imigrantes são percebidos pelos estabelecidos como invisíveis, desumanizados, mudos, incomunicáveis, iguais um ao outro e sem identidade.

Impõe-se a lembrança da observação feita por Miłosz, sobre a solidão dos que morrem esquecidos pelo mundo, em seu poema Campo di Fiori

Aqueles que morrem, solitários, Já esquecidos pelo mundo, Estranham a nossa língua,

Como se fosse de um planeta antigo.3

A narração por imagens, com diálogos escassos, reforça essa sensação de mudez e incomunicabilidade. Não há morte, mas a impressão de isolamento, exclusão e solidão é a mesma. Os refugiados parecem seres de outro planeta, humanos só em parte, capazes de comunicar-se apenas entre si e apenas por palavras. As emoções precisam ser descartadas.

O percurso em busca do amado termina de um modo cruel, o amor choca- se com a realidade nua e crua. O amor incondicional, que leva a protagonista até a prisão em busca do namorado, acaba em rejeição, em nome de uma sobrevivência mais confortável, e marca o fim do relato. A mensagem dada é que esse mundo exige que se rejeite a própria identidade, externa e interna, nome e afeições, para que nele se possa permanecer.

O minimalismo, a narração por imagens e a intensidade dramática da atriz principal fizeram com que o filme conseguisse fugir do rótulo de arte apenas

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4Disponível em:

http://wyborcza.pl/1,76842,6774826,Dzis_przyplyna_tu_dwa_trupy.html, acesso em 29.05.2011.

5Entrevista Wyzwolić się z Kapuścińskiego (Libertar-se de Kapuscinski) publicada

em WÓJCIŃSKA, Agnieszka. Reporterzy bez fikcji. Rozmowy z polskimi

engajada. Tornaram-no uma obra de arte universal, que, sob o pretexto de discutir a imigração de vietnamitas para a Polônia, fala das grandes verdades sobre o ser humano e o mundo de hoje. O que nos faz deixar de lado a compaixão para com o outro? Que sortilégio maligno nos força a abandonar o que somos e sentimos em prol de uma promessa de melhores condições materiais? E a pergunta é feita não apenas aos refugiados mas a todos nós, viventes neste mundo, que devora as identidades e sentimentos, dando em troca bens de consumo em quantidades impossíveis de serem consumidas ou de repararem de modo duradouro a dor da perda de si mesmo.

Dziś przypłyną tu dwa trupy (Hoje vão boiar aqui dois cadáveres) Em 2010, o repórter polonês Witold Szabłowski (nascido em 1980), um dos membros mais novos da escola polonesa de reportagem, recebeu o Prêmio Jornalístico do Parlamento Europeu por sua chocante reportagem Dziś

przypłyną tu dwa trupy (Hoje vão boiar aqui dois cadáveres), sobre o problema

dos imigrantes que tentam ingressar ilegalmente na União Europeia, desde a Turquia até a Grécia, por via marítima. Szabłowski já tinha sido premiado anteriormente: em 2007, com o Melchior, o prêmio polonês de reportagem, na categoria “Inspiração do Ano” e, em 2008, pela Amnesty International pela reportagem To z miłości siostro (É por amor, irmã), sobre o drama das mulheres turcas, discriminadas em seu país e em seus lares. A reportagem aqui discutida apareceu primeiramente no jornal Gazeta Wyborcza4, tendo

sido publicada posteriormente, sob o título de Czyściec Turcji (O purgatório

da Turquia), no livro de estreia do autor Zabójca z miasta moreli (O assassino da cidade dos damascos) (Wołowiec: Czarne, 2010), já indicado ao Nike, maior

prêmio literário polonês, desse ano. Embora o texto de Szabłowski não possa ser comparado aos textos de Ryszard Kapuściński, que mesmo ao tratar de

assuntos particulares conseguia soar universal, ultrapassa, no entanto, os limites da reportagem jornalística, como acontece na maioria dos textos dos autores da escola de reportagem polonesa. O próprio Szabłowski, aliás, é um dos poucos que, tendo a consciência da necessidade de se libertar da sombra do gigante, clama pela não obrigação de pensar como pensava Kapuściński, pois cada reportagem é diferente e o mundo continua mudando5.

Construído com base em contrastes, o texto traz as informações que preferiríamos ignorar sobre a cruel sina dos migrantes. Torna evidente também que, além da simples busca do bem-estar material, as migrações têm como uma das suas causas os estragos e perseguições desencadeados pelas guerras no Iraque e Afeganistão. A grande maioria dos que tentam atravessar o estreito entre a Turquia e as ilhas gregas vêm do Iraque. Os contrastes nos chocam desde o início, quando o autor conversa com os funcionários empregados pela prefeitura da cidade e hotéis de Istambul para, de madrugada, limparem as praias dos cadáveres que o mar devolve para a terra. Os turistas que irão para estas praias depois do café da manhã não gostam de cadáveres, por isso a cidade se encarrega de não desagradá-los. Istambul, que aos olhos dos europeus aparece como a Meca dos turistas, é também o ponto de partida para aqueles que tentam ilegalmente alcançar as costas da União Europeia em busca de uma vida dos sonhos e de bem-estar material.

Szabłowski encontra com os que se preparam para atravessar o estreito perigoso, com os contrabandistas que, oferecendo promoções, prometem três tentativas de chegar à Grécia pelo mesmo preço, sendo que, se nenhuma delas der certo, será preciso pagar de novo. Encontra-se também com os que estancaram na Turquia e que, sem dinheiro para prosseguir viagem para a Europa, vivem no mundo dos desabrigados de Istambul ou amargam um subemprego em troca de lugar para dormir.

O seu guia, que como o Virgílio de Dante o leva a todos os cantos do inferno, é um iraquiano que trabalhava como tradutor para os americanos e que teve que fugir de sua pátria, por não receber o programa de proteção prometido pelos estadunidenses. Mahmud, pois este é o seu nome, já conseguiu mandar para Europa a mulher e a filha, e agora está juntando dinheiro para a sua própria tentativa. O intuito do autor é localizar Yussuf,

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