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As alterações na regulamentação contábil e a luta pelo credenciamento da profissão no

PARTE II – METODOLOGIA E PESQUISA EMPÍRICA

6.4 Antecedentes do CFC/CRC a fase da consolidação

6.4.5 As alterações na regulamentação contábil e a luta pelo credenciamento da profissão no

Na tradição britânica, os homens vestem fatos azuis e cinzentos e as mulheres não vestem calças (MacDonald, 1995). Um grande cuidado existe no sentido de desempenhar um trabalho correto pelas pessoas certas, que vestem as roupas certas. É disto que é feito o profissionalismo. E se for assim, se mostrar conhecimento e confiança, justifica o monopólio (MacDonald, 1989).

Desde 1960 que na Inglaterra a profissão só podia ser executada por graduados. Ao mesmo tempo, o crescimento no volume e na complexidade da legislação que governa a jurisdição da Contabilidade e os exames que avaliam este conhecimento tornaram-se progressivamente mais difíceis. O exame fará a seleção dos profissionais e prevê-se desta maneira um crescimento na qualidade e na extensão dos conhecimentos dos profissionais. Como veremos no Brasil, a exigência do exame de suficiência e do requisito mínimo de bacharelado em Ciências Contábeis também fizeram parte do processo de aumentar a credibilidade da profissão. Haveria de ser um processo longo e complexo.

Com os anos, a regulamentação trazida pelo Decreto-Lei 9295/46 passou por algumas alterações, como as implementadas pelos Decretos-Lei 9710, de 3 de setembro de 1946, e

1040, de 21 de outubro de 1969. Apesar da complexidade crescente da profissão, que se observou na década de 1970, no Brasil, o ensino universitário não era requerido ao profissional de Contabilidade, ao contrário do que acontecia noutras profissões. Com o desenvolvimento da profissão e a modernização das relações da classe contábil com a sociedade, contadores, técnicos em Contabilidade e empresários da área passaram a pleitear a modernização da principal legislação profissional.

Desde 1962 temos reclamado, cada vez com maior insistência, a necessidade de sua reforma, para o que o Conselho Federal de Contabilidade já encaminhou ao Ministério do Trabalho dois ante-projetos e diversos memoriais. Enquanto todas as leis das demais profissões, inclusive a dos engenheiros, que nos serviu de paradigma, foram atualizadas, atendendo às necessidades reclamadas pela evolução dos respectivos órgãos, a dos Conselhos de Contabilidade permanece imobilizada, uma espécie de ontem no hoje que já se vai tornando amanhã. (CFC, 1974, p. 9).

Com a reforma do ensino pela Lei 5692, de 1971, a filosofia da reformulação do ensino médio, mediante diretrizes e normas flexíveis, ajustadas ao quadro de imensas diversidades regionais deste País continental, rompeu com o precedente constituído pelos cursos técnicos em Contabilidade. Como resultado dessa nova estrutura, o profissional de nível médio surge, à luz de concepção diversa, como executor-associado ao profissional universitário, sob cuja orientação e supervisão deve trabalhar. Consequentemente, não lhe seriam reconhecidas quaisquer prerrogativas em sentido autônomo, salvo as que lhe possam ser concedidas naquela condição de auxiliar-executivo do profissional superior. Argumenta Ynel Camargo, contudo, em entrevista ao CFC (2006):

Enquanto no âmbito das outras profissões a nova concepção pode ser aplicada pacificamente, sem maiores problemas, dentro da Contabilidade há terríveis obstáculos a superar. É que já existem, e com longa precedência histórica, profissionais em nível médio com prerrogativas praticamente equivalentes às asseguradas ao Contador.

Precisávamos aproveitar a oportunidade aberta com a reforma do ensino para corrigir o desvio que a Contabilidade sofreu no Brasil, colocando-a, dominantemente, no estuário do nível superior, tento este adequado para dar vazão à complexidade que a qualifica “ad substantia”.

Infelizmente, em que pese a grande luta desenvolvida nesse sentido pelo Conselho Federal de Contabilidade, isto não foi possível, pois ao grande número de profissionais de nível médio junta-se um não menos expressivo número de escolas de comércio, que a isso se opunham “ferozmente”. De um lado, tem-se a força do poder econômico! Registra-se, de outra parte, o poder da tradição! Já em 1905 tínhamos a Academia de Comércio do Rio de Janeiro e, em São Paulo, o tradicional Colégio Álvares Penteado, dentre outros respeitáveis estabelecimentos do gênero que poderiam ser citados.

Também Koliver, ex-presidente do CRCRS, em entrevista gravada ao CFC (2006), considerou que o maior problema da profissão tinha sido a dicotomia entre técnicos de

Contabilidade e contadores, que “deveria ter sido resolvida há muito tempo, como o fez a Argentina com os chamados Peritos Mercantiles, evitando-se os problemas afirmados ao longo do tempo em nosso País”. Considerou, ainda:

A meu ver, não existe hoje nenhuma vantagem na existência das duas categorias profissionais na área da Contabilidade, porquanto, permanecendo em vigor o DL 9.295 as diferenças em termos de prerrogativas praticamente se resumem à auditoria, as perícias e avaliações. O Técnico em Contabilidade pode ser o responsável pelas demonstrações contábeis de grandes empresas ou de grupos econômicos, como acontece em alguns casos. O único caminho para a solução do problema está na mudança da lei, com o provisionamento dos Técnicos e eliminação do curso correspondente.

Segundo o entrevistado José Serafim Abrantes, ex-presidente do CFC, a profissão estava muito desgastada em meados da década de 1980, levando a um sentimento de baixa autoestima e desvalorização desses profissionais. Esse desgaste haveria de se prolongar até ao início do século XXI, quando a profissão conseguiu que fosse exigido que apenas os que detivessem credenciais de ensino superior em Ciências Contábeis e passassem no exame poderiam ter acesso ao exercício profissional.

Até 2005, o Plenário do CFC era composto por 15 membros, com igual número de suplentes, conforme estabelecido no Decreto-Lei 1040, de 21 de outubro de 1969. Com o presidente Lula da Silva, após ampla campanha no Congresso Nacional para aumentar a representatividade dos entes federativos no seu Plenário, o CFC finalmente obteve vitória em 2005, sancionada que foi a Lei 11160, alterando parte do Decreto-Lei 1040/69, que passou a ter a seguinte redação:

Art. 1º O Conselho Federal de Contabilidade – CFC será constituído por 1 (um) representante efetivo de cada Conselho Regional de Contabilidade – CRC, e respectivo suplente, eleitos para um mandato de 4 anos, com renovação a cada biênio.

É importante destacar também o fato de que, além do aumento no número de representantes, a Lei 11160/05 estabeleceu que a renovação na composição do Plenário seja feita de forma alternada, o que possibilita a continuidade dos trabalhos sem que haja perda de tempo motivada pela interrupção conjunta dos mandatos dos conselheiros. Dessa forma, esta Lei da Representatividade, especialmente, veio ao encontro de umas das aspirações democráticas mais legítimas do CFC.

Com a finalidade de modernizar e harmonizar as disposições da lei societária brasileira com as melhores práticas internacionais, no último dia útil de 2007, 28 de dezembro, foi

publicada a Lei 11638, que reformulou a parte contábil da Lei das Sociedades por Ações (Lei 6404, de 15 de dezembro de 1976), visando a atender à necessidade de maior transparência e qualidade das informações contábeis, em virtude da realidade econômica do Brasil e do Mundo, com suas economias globalizadas e mercados abertos aos fluxos de capitais estrangeiros.

No Brasil, a convergência com as normas internacionais de Contabilidade teve seu marco legal com a promulgação dessa legislação, que determinou, de forma explícita, a adoção dos padrões internacionais de Contabilidade no arcabouço normativo brasileiro. Por processo de convergência entende-se a alteração das normas contábeis brasileiras, com a adoção gradativa dos padrões emitidos pelo International Accounting Standard Board (IASB), conhecidos como International Financial Reporting Standards (IFRS), que estão sendo adotados por cerca de 100 países, incluindo os países da Comunidade Europeia (Almeida & Moran, 2005). As normas emitidas pelo IASB denotam diferenças substanciais das normas em vigor até 31 de dezembro de 2007, pois possuem como referencial para sua formulação o sistema jurídico consuetudinário, já que priorizam a essência sobre a forma, o julgamento da realidade econômica e têm por objetivo a transparência para o investidor, trazendo profundas transformações na Contabilidade, no perfil de seus profissionais e no seu currículo disciplinar.

Em outubro de 2005, a CVM emitiu a Deliberação nº 488 que havia de começar o processo de convergência das normas brasileiras com as normas internacionais de Contabilidade. O art. 177, §5, determinava que as normas desenvolvidas pela CVM deveriam ser desenvolvidas em linha com as normas internacionais de Contabilidade adoptadas nos maiores mercados de capitais internacionais. Apesar de esta deliberação se aplicar apenas às empresas cotadas, teve repercussões nas outras empresas, como destacado por Czesnat et al. (2010, p. 23):

Foram-se os tempos em que cada país podia limitar-se ao próprio sistema contábil para conduzir seus negócios. As relações entre as empresas e seus stakeholders se internacionalizaram e geraram a necessidade de que as nações harmonizem seus sistemas e suas normas contábeis. Esta, no entanto, não é uma tarefa fácil; será preciso transpor barreiras impostas pelas diferenças culturais, legais, econômicas, históricas e profissionais, e pelo grau de desenvolvimento de cada país.

Sobre os benefícios desse movimento de harmonização, assinalam Riccio e Sakata (2004, p. 36):

Acredita-se que a crescente harmonização dos princípios contábeis internacionais induz à consequente formação de um profissional de Contabilidade com características similares nos diferentes países. Para que isso aconteça, entendem os autores que a educação formal dos contadores, no mundo, deve convergir para os mesmos conjuntos de conhecimentos, harmonizados e globalizados, exceção feita ao conjunto de conhecimento específicos de cada país, como história e cultura local. Assim, entende-se que quanto maior for a similaridade entre o currículo adotado por um certo país e o currículo internacional, tanto maior será a evidência de harmonização na educação contábil desse país.

Juntamente com estas mudanças na legislação contábil, o Conselho Federal de Contabilidade decidiu criar o Comitê de Pronunciamentos Contábeis (CPC), mediante a Resolução CFC 1.055 de outubro de 2005. O CPC tem como missão preparar normas e pronunciamentos sobre procedimentos contábeis e de divulgação, tomando em consideração a convergência das normas contábeis brasileiras com as normas internacionais (Rodrigues et al., 2012).

Além do CFC, integram o CPC outros organismos, com dois representantes cada: ABRASCA - Associação Brasileira das Companhias Abertas; APIMEC - Associação dos Analistas e Profissionais de Investimento do Mercado de Capitais; BMF & BOVESPA – Bolsa de Valores de S. Paulo; IBRACON - Instituto dos Auditores Independentes do Brasil; FIPECAFI - Fundação Instituto de Pesquisas Contábeis, Atuariais e Financeiras. Participam também, como observadores sem direito a voto, elementos do Governo (Secretaria da Receita Federal e Fazenda), a Superintendência de Seguros Privados, a Federação Brasileira de Bancos – FEDRABAN e a Confederação Nacional da Indústria – CNI) (Rodrigues et al., 2012).

Tal como havia acontecido em Portugal, onde a adoção das normas internacionais de Contabilidade adaptadas (Sistema de Normalização Contabilístico), foi negociada pela profissão para incrementar o estatuto profissional de Câmara para Ordem dos Técnicos Oficiais de Contas (Guerreiro et al., 2014), também no Brasil, a profissão haveria de aproveitar a oportunidade para negociar com o Governo uma modificação no Decreto-Lei 9295/46. Assim, após esse avanço ocorrido na Lei societária brasileira, o CFC argumentou que se tornava imprescindível também uma atualização na Lei de regência da profissão contábil, a qual, conforme já comentado, foi um grande marco do século XX, já datava de mais de 64 anos e necessitava modernizar as suas regras e assegurar mais qualificação aos profissionais contábeis que teriam de usar normas mais complexas.

A relação colaborativa que a profissão tem com o Estado brasileiro permitiu a negociação de algumas concessões durante a mudança para as normas internacionais “dinâmica profissão-estado” (Chua & Poullaos, 2002, p. 438). Assim, no dia 22 de maio de 2006, quando foi assinada a Portaria CFC nº 44, instituindo uma comissão nacional para reformular o Decreto-Lei 9295/46, deu-se início a um processo considerado um marco histórico para o Sistema CFC/CRCs: o texto da lei de regência da profissão contábil seria submetido a uma atualização e comportaria as reformas necessárias ao desempenho profissional nos dias atuais. A primeira minuta do anteprojeto, denominada versão 01, foi disponibilizada à sociedade por meio de audiência pública, no período de 1º de dezembro de 2006 a 19 de janeiro de 2007. Contadores, técnicos em Contabilidade e demais interessados puderam conhecer a proposta e apresentar as suas sugestões que, posteriormente, foram analisadas pelas comissões estaduais e pela nacional. Fruto do persistente esforço da gestão participativa, o processo de reforma da lei de regência da profissão entrou em 2007 incorporando o saldo das discussões e, mais uma vez, após elaboração de nova minuta — a versão 02 — foi aberta uma audiência pública, ocorrida de 10 de maio a 15 de junho de 2008. Com as novas sugestões, o anteprojeto foi arrematado pela comissão nacional e submetido ao Plenário do CFC.

Desta forma, no dia 11 de junho de 2010, foi sancionada a Lei 12249 que dentre outras coisas, alterou diversos dispositivos constantes do Decreto-Lei 9295, de 1946, regulador da profissão contábil. Dentre as principais mudanças trazidas pela aprovação da nova legislação, destacam-se:

Permite ao CFC regular acerca dos Princípios Contábeis, do exame de suficiência, do cadastro de qualificação técnica e dos programas de educação continuada; bem como, editar Normas Brasileiras de Contabilidade de natureza técnicas e profissionais (Art.76).

Esse artigo é considerado por diversos estudiosos da Ciência Contábil como de grande relevância, pois, ao mesmo tempo em que assegura ao CFC competência normativa,6 deixa clara também, a necessidade de uma atualização constante no exercício da profissão. Quanto à instituição do exame de suficiência como prerrequisito para o registro de profissionais nos

6 Apesar de o CFC emitir normas de Contabilidade, havia a dúvida sobre se teria essa capacidade, dado que a lei que regulamentou a profissão em 1946 apenas falava de competências de registro e fiscalização.

conselhos de Contabilidade – condição indispensável para atuar na área – é uma forma de resguardar o mercado aos mais capacitados e, consequentemente, preservar a sociedade que se utiliza dos serviços contábeis. Sobre a importância do exame de suficiência, Lino Martins Silva, professor e auditor, em entrevista gravada no CFC (2006), considerou quando questionado sobre a maior conquista da profissão:

A principal conquista é o exame profissional periódico pois qualquer profissão somente será valorizada com o abandono do aspecto cartorial e que parte do falso princípio de que uma vez formado o profissional estará permanentemente atualizado. Trata-se de um cartorialismo que vem das nossas raízes que precisa ser removido pelas novas gerações.

Outro ponto que merece destaque na nova legislação diz respeito à extinção do registro da categoria de técnicos em Contabilidade. A Lei aprovada assegura os direitos adquiridos a todos os registrados, porém só admite o registro a esse profissional, detentor de nível médio, até 1 de junho de 2015. Com esta lei, a detenção do ensino universitário é a única forma de entrar na profissão.

A nova Lei estabeleceu também novas penalidades para os que não cumprirem as regras ou para casos de comprovada incapacidade técnica, crimes econômicos e tributários ou condutas indevidas. As penas variam desde pagamentos de multas, passando por suspensão do exercício da profissão, até cassação do exercício profissional, quando comprovada a incapacidade técnica no desempenho da função, falsificação de documentos, crime contra a ordem econômica e tributária, produção de falsa prova de qualquer dos requisitos para registro profissional e apropriação indevida de valores de clientes confiados à sua guarda quando comprovada incapacidade técnica de natureza grave. Em razão das mudanças ocorridas na legislação, percebe-se uma ampliação das competências conferidas ao Conselho Federal de Contabilidade, que ficou bem mais fortalecido, podendo exercer o papel de regulador do fazer contábil em todo o Território Brasileiro.