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PARTE II – METODOLOGIA E PESQUISA EMPÍRICA

6.5 Discussão: CFC e educação contábil

Neste capítulo são respondidas às perguntas de investigação: como foi criado e como evoluiu ao longo dos anos o sistema CFC/CRCs; como tem evoluído a preocupação deste organismo profissional com a formação dos seus membros? Por que a formação adequada dos seus membros é importante?

Usando uma perspetiva interpretativa, baseada na Sociologia das Profissões, os dados recolhidos permitem verificar que a regulamentação da profissão e a criação do sistema CFC/CRCs surgiram em consequência de um intenso desejo dos profissionais. O seu aparecimento está fortemente associado ao aparecimento de legislação que cria o bacharelado em Ciências Contábeis. Apesar disso, o projeto profissional incluiu membros que só tinham experiência prática (guarda-livros) e um diploma do ensino médio (técnicos de Contabilidade).

No Brasil, na tradição europeia-continental, a criação do sistema CFC/CRCs e a regulamentação da profissão fizeram-se por considerável intervenção do Estado (Larson, 1990; Chua e Poullaos, 2002; Sciulli, 2005). Na criação do CFC, o Estado teve que “acomodar” os rivais (guarda-livros e técnicos de Contabilidade) (MacDonald, 1995), seja pela escassez de graduados pelo ensino superior, seja por interesses instaladas ao patamar do ensino comercial. Tal como argumentado por Larson (1977), o projeto profissional só se implementou quando se criou um corpo de conhecimento suficientemente abstrato (bacharelado em Ciências Contábeis e Atuariais), conjugado pelo desenvolvimento econômico e social e pela ideologia do Presidente Vargas. Apesar da ascensão da educação formal, o projeto profissional provoca apenas uma uniformização mínima entre os seus membros.

Tal como salientado por Uche (2002), a relação do Estado com a profissão é complexa. As profissões são interativas e a análise da evolução das profissões requer o estudo das interações com a “estrutura de classes da sociedade, e sobretudo, o Estado” (Rodrigues, 1997, p.50). A categoria dos guarda-livros juntou-se à categorias dos técnicos de Contabilidade, na década de 1950, debaixo do governo de Juscelino Kubitscheck. A ligação entre a profissão e o

Estado era tão intensa que só em 1969 (decreto-lei 1040), a profissão teve capacidade de eleger o seu líder, sendo até esta data nomeado pelo Governo.

Os profissionais, contudo, continuavam a aspirar às credenciais e ao prestígio associado a um diploma universitário (Selander, 1990). A manutenção desta categoria até a 2015, de acordo com a evidência recolhida, desprestigiou a profissão e decorreu dos lobbies poderosos relacionados com as escolas profissionais de ensino médio, que reclamavam o seu papel histórico na formação da profissão no início do século XX (por exemplo, a Academia de Comércio do Rio de Janeiro e o tradicional Colégio Álvares Penteado, nas palavras de Ynel Camargo).

Só recentemente o sistema CFC/CRCs cumpriu o objetivo de assegurar que os membros fossem selecionados e treinados na forma julgada apropriada, de maneira a estandardizar o exercício da profissão a um nível universitário (MacDonald, 1995). O controle do input educacional faz-se agora por via de um curso universitário em Ciências Contábeis e um exame de suficiência. Tal como MacDonald (1995) sugere, só agora, após cumprido este objetivo, o sistema CFC/CRCs e os entrevistados consideram que o objetivo da respeitabilidade foi cumprido. De acordo com MacDonald (1995) só agora os subobjetivos da profissão contábil no Brasil se concretizaram:

- acomodou os interesses rivais, legitimando as suas práticas;

- assegurou que os seus membros foram selecionados e treinados de forma a estandardizar o exercício da profissão;

- controla o “input educacional”, existindo uma comissão do CFC que trabalha diretamente com o MEC subsidiando seus pareceres sobre os cursos de Ciências Contábeis; e

- como cumpriu com os três subobjetivos conseguiu o último sub-objetivo: construiu a respeitabilidade.

Tal como aconteceu em Portugal (Guerreiro et al., 2014), também no Brasil, a profissão beneficiou-se com o movimento que se verificou no sentido da adoção das normas internacionais de Contabilidade. Em Portugal, a profissão atingiu o estuto máximo (Ordem), e,

no Brasil, a profissão estabeleceu sua respeitabilidade garantindo que após 2015, só detentores de um diploma de ensino superior podem acessar à profissão, havendo ainda que fazer um exame. O CFC ganhou ainda de forma inequívoca o direito de preparar as normas profissionais e técnicas que os seus membros devem usar e o direito de exigir formação continuada.

Tal como argumentado por Siegrist (1990), no Brasil, a profissão terminou o processo pelo qual se transformou de uma mera ocupação numa profissão: é uma profissão acadêmica; está limitada àqueles que passam no exame, e obtêm o bacharelado em Ciências Contábeis; define o âmbito da prática profissional, emana normas e valores para os seus membros e luta pelo reconhecimento geral dos seus conecitos fundamentais. A evolução no sentido da respeitabilidade e da exigência do ensino superior como forma de integrar a profissão aconteceu no governo de Lula da Silva, no contexto da adoção das normas internacionais de Contabilidade.

Apesar de todos os progressos verificados, importa ainda responder à pergunta: como se deu a criação e evolução do Sistema CFC/CRCs ao longo dos anos, principalmente no que se refere à preocupação deste organismo profissional com a formação adequada de seus membros? A análise dos documentos encontrados no arquivo do CFC e das entrevistas gravadas demonstram que o CFC mantem alguma preocupação com a formação dos seus membros, dado que a proliferação das IES e dos cursos de Ciências Contábeis não foi acompanhada de uma evolução qualitativa. Ao contrário do que aconteceu noutras profissões baseadas noutros cursos superiores (como, por exemplo, a Medicina), as universidade detêm um número muito baixo de doutores e mestres em Contabilidade e o nível de pesquisa na área também é baixo. Ora, a “produção de produtores” depende de um bom ensino e de uma boa pesquisa, as profissões dependem do progresso da base cognitiva e, tal como salientado por Larson (1977), só com a ascensão das instituições de educação formal podem as profissões garantir à sociedade profissionais qualificados. Consoante expresso nas entrevistas, o fato de, no Brasil, o número de mestres e doutores em Contabilidade ser ínfimo, é desprestigiante para a profissão, dado que, quando comparada com outros ofícios se percebe ainda um menor prestígio.

Por esta razão, o CFC deve ser das poucas associações profissionais do Mundo a subsidiar formação pós-graduada aos seus membros, investindo um valor susbstancial dos seus recursos no sentido de aumentar o número de mestres em Contabilidade entre os seus membros. De acordo com o ex-presidente Alcedino Gomes, o CFC se tornou “o único conselho de classe a apoiar financeiramente os seus profissionais para a realização dessas especializações”. O CFC acredita ainda que os baixos níveis de aprovação no exame são consequência da baixa de qualidade de algumas IES e de alguns cursos, que detêm um número muito insignificante de mestres e doutores em Contabilidade. Assim, de acordo com o ex- presidente José Martônio, a abertura de maior número de cursos de mestrado e doutorado levará a maior desenvolvimento da pesquisa da ciência contábil, fato esse que consolidará cada vez mais o conhecimento na área e a profissão.

C

APÍTULO

7-A

NÁLISE DOS

R

ESULTADOS DO

E

XAME DE

S

UFICIÊNCIA DO

CFC

Com base em dados fornecidos pelo CFC, neste capítulo, começa-se por fazer uma análise descritiva dos dados históricos semestrais globais relativos ao Exame de Suficiência. Em seguida será procedida uma análise de conglomerados nas unidades federativas. Por último, os dados relativos ao segundo semestre de 2012 serão analisados de forma detalhada, com vistas a verificar quais são os determinantes da aprovação no exame de suficiência.