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As associações na fase democrática

CAPÍTULO

3.6. As associações na fase democrática

por acaso o evento é realizado na Galícia, conta com 120 representantes das associações de imigrantes e tem o término agendado PARA 12 de outubro, Dia da Hispanidade. “Com essa ação empreitada pelo governo franquista ficava cada vez mais evidente o desejo de promover essas instituições como um braço do regime além-mar” 443.

Esse momento marca justamente o início de um processo no qual o governo começa a dar respostas, ainda que não desejáveis, aos propósitos defendidos pelos emigrantes/exilados organizados. E as associações começam a aparecer como atores importantes. O contexto mundial no pós Segunda Guerra Mundial também começava a exigir outro tipo de postura do governo, que buscava, com algumas ações, se ater aos parâmetros legais. A Espanha é aceita na ONU (1955), ainda que somente pelo interesse dos Estados Unidos em fortalecer a Europa Ocidental, e o franquismo, mesmo que permanecendo no controle da política espanhola com mãos firmes, começa a ter certa preocupação com a imagem exterior.

A necessidade econômica de promover a emigração continuava, entretanto, presente. Em 1976, o diretor do IEE, Jorge de Pozas, buscava postos de trabalho na América, Austrália e nos países petrolíferos do mundo árabe, como forma de conseguir novos destinos para os espanhóis, e evitar o retorno de emigrantes, uma preocupação de toda a sociedade, que poderia causar problemas sérios à economia do país. Segundo Pozas, com os emigrantes espanhóis na América Latina não havia com o que se preocupar, pois eles tinham uma situação estável e uma integração praticamente completa.444 Mas naquelas a emigração já entrava em decadência, os grandes centros de acolhimento enfrentavam problemas econômicos e o país entraria em outra fase com o avanço da democratização. O diretor do IEE estava certo, o grosso da emigração para a América Latina não retornaria em massa para a Espanha, mas a relação com esse coletivo entraria em um novo campo de discussão a partir daqueles anos.

3.6. As associações na fase democrática

442 “Mundo Gallego” – II Época. N. 13 e 14. Outubro/novembro de 1959. Madrid. P. 22.

443 Os países europeus não foram esquecidos nessa política de controle. Para evitar a contaminação dos trabalhadores pelas ideologias dos vizinhos democráticos, o governo cria programas culturais nas cidades européias de grande fluxo emigratório. PERES, Elena Pájaro, op.cit., p. 336.

As associações, as atividades promovidas pelos seus dirigentes e a manutenção de laços entre os emigrantes e a Galícia não foram pensadas estrategicamente. Elas foram acontecendo, pautadas inicialmente por relações privadas e dinamizadas por várias influências ao longo dos anos, mas formaram uma espécie de Galícia paralela. Essas redes já formadas tornam-se interlocutores importantes e facilitam a colocação em prática de determinadas políticas estabelecidas pela Constituição espanhola e pelas leis específicas da Galícia. Além disso, passam a funcionar como locais de reverberação das novas decisões governamentais, e, em algumas ocasiões, como espaços de concentração das reivindicações dos emigrantes.

O período inicial da democracia espanhola é cortado por importantes movimentos, como o fortalecimento da sociedade civil, a valorização das identidades, o avanço da tecnologia e o processo de globalização. As entidades passam a existir também no mundo virtual e outras surgem nesse contexto, facilitando a troca de informações entre pessoas e grupos de diversas localidades, agregando novos membros e novas gerações, e dando mais força às reivindicações.

Como argumenta Anthony McGrew (1992), a “globalização” se refere àqueles processos, atuantes numa escala global, que atravessam fronteiras nacionais, integrando e conectando comunidades e organizações em novas combinações de espaço-tempo, tornando o mundo, em realidade e em experiência, mais interconectado.445

Com o avançar da democracia, direitos que não tinham sido contemplados no momento da transição começam a ser reivindicados. E a Espanha precisa apresentar soluções, até por conta das pressões internacionais. O processo democrático abre espaço para a atuação de movimentos que buscam atender a demandas específicas, transformando direitos declarados, e questões específicas da sociedade, em direitos reais.

O papel político da sociedade civil não está diretamente relacionado à conquista e controle do poder, mas à geração de influência na esfera pública cultural. O papel

445 HALL, Stuart, op. cit., p. 67.

mediador da sociedade política entre a sociedade civil e o Estado é indispensável, assim como o enraizamento da sociedade política na sociedade civil” 446.

Considerando a concepção de T.H. Marshall, a cidadania seria composta pelos direitos de primeira geração (civis e políticos), conquistados no século XVIII, e os de segunda geração (os sociais), alcançados no século XIX. Já na segunda metade do século XX surgem os chamados “direitos de terceira geração”. Trata-se daqueles que têm como titular não o indivíduo, mas grupos humanos como o povo, a nação, coletividades étnicas ou a própria humanidade. São os direitos transindividuais de natureza indivisível, dos quais são titulares pessoas indeterminadas (direitos difusos) ou grupos de pessoas ligadas entre si por alguma relação jurídica (direitos coletivos).447

Com a democratização da Espanha os emigrantes buscam ter seus direitos políticos e econômicos reconhecidos pela sociedade e pelo governo. A demanda por reconhecimento, como explica Nancy Fraser, é relativamente recente na sociedade contemporânea, sendo parte de um processo de evolução da sociedade capitalista denominada pela autora como "era pós-socialista", marcada por uma nova ordem mundial globalizada e multicultural.448 Axel Honneth também aponta para a importância das relações intersubjetivas de reconhecimento, ressaltando que sua ausência está na base dos conflitos interpessoais e sociais.

Os dois autores entendem que o objetivo da justiça social é possibilitar a participação de todos os membros da sociedade no processo comunicativo e nas decisões políticas. Porém têm formas distintas de compreender a dimensão do conceito. Honneth crê que todos os conflitos sociais têm como natureza primária a luta por reconhecimento.

Eu diria resumidamente que todas as formas de reconhecimento que são adequadas e promovem a emancipação são aquelas que, com base em princípios já aceitos de reconhecimento, possibilitam ampliar

social e substancialmente sua aplicação.

Para falar mais concretamente: lá onde até então as qualidades

446 VIEIRA, Liszt. Cidadania e globalização. Record: Rio de Janeiro, 2002, p. 45.

447 BASTOS ARANTES, Rogério. “Judiciário: entre a Justiça e a Política” in AVELAR, Lúcia e OCTÁVIO CINTRA, Antônio (org.). Sistema Político Brasileiro: uma introdução. São Paulo: Konrad- Adenauer-Stiftung e Unesp, 2007.

448 MATTOS, Patrícia. O reconhecimento, entre a justiça e a identidade. Lua Nova: Revista de Cultura e Política, n° 63. São Paulo, 2004.

desrespeitadas de uma pessoa ou grupo depararam socialmente pela primeira vez com reações afirmativas, lá onde grupos até agora excluídos foram providos de direitos que uma maioria já dispunha, em todos esses casos se trata de uma expansão de relações de reconhecimento que promovem a emancipação.449

Fraser acredita, porém, que seja preciso complementar o conceito de reconhecimento com o de redistribuição, pois as desigualdades não devem ser pensadas somente com ênfase em seu valor simbólico. Segundo a autora haveria uma tendência à desconexão entre as duas dimensões dos conflitos sociais: a econômica e a cultural, em um cenário no qual os conflitos de classe seriam tendencialmente suplantados por conflitos de status social. Honneth rebate essa crítica afirmando que mesmo os conflitos por redistribuição representam formas implícitas de luta por reconhecimento, pois demandam uma maior participação no total da riqueza social.

Para Nancy Fraser, há o caráter bidimensional da Justiça: redistribuição somada ao reconhecimento. O direito à redistribuição requer medidas de enfrentamento da injustiça econômica, da marginalização e da desigualdade econômica, por meio da transformação nas estruturas socioeconômicas e da adoção de uma política de redistribuição. Já o direito ao reconhecimento requer medidas de enfrentamento da injustiça cultural, dos preconceitos e dos padrões discriminatórios, por meio da transformação cultural e da adoção de uma política de reconhecimento. É à luz dessa política de reconhecimento que se pretende avançar na reavaliação positiva de identidades discriminadas, negadas e desrespeitadas; na desconstrução de estereótipos e preconceitos; e na valorização da diversidade.450