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O conceito da diáspora a partir dos anos

CAPÍTULO 4 Diásporas: novos rumos

4.1. O conceito da diáspora a partir dos anos

O aumento do número de imigrantes, combinado com a maior proximidade real e virtual dos lugares de origem,497

495 O Acordo de Schengen é uma convenção entre países europeus sobre uma política de abertura das fronteiras e livre circulação de pessoas entre os países signatários. Um total de 30 países, incluindo todos os integrantes da União Europeia (exceto Irlanda e Reino Unido) e três países que não são membros da UE (Islândia, Noruega e Suíça), assinaram o acordo de Shengen. Liechenstein, Bulgária, Roménia e Chipre estão em fase de implantação do acordo.

além de um ambiente mais propício ao multiculturalismo, faz com o que o tema venha ganhando, desde o fim dos anos 1980, cada vez mais visibilidade na agenda internacional. Para o tradutor e ativista galego

496MIRAS PORTUGAL, Aurelio, op.cit.

497 “Lugares separados se convierten efectivamente en una sola comunidad a través de la circulación continua de personas, dinero, mercancías e información.” CLIFFORD, James. Itinerários transculturales. Barcelona: Gedisa, 1999, p. 301.

Fernando Perez-Barreiro Nolla, as diásporas, apesar de não ser um fenômeno novo, estão deixando de ser uma questão marginal para constituir um elemento estrutural importante. “O mundo é cada vez mais, parécenos, un mundo de diásporas”498. Tal realidade leva à busca de uma nova conceitualização do termo. As características da diáspora judia, considerada parâmetro por longos anos, não são necessariamente as mesmas de todos os grupos, particularmente na contemporaneidade. A importância que o termo adquire desde o fim do século XX, abrangendo novos grupos e novas formas de se relacionar com as regiões de origem, exige outro olhar. “Once the term applied principally to jews and, less commonly, to greeks, armenians and africans. Now, at least, thirty ethnic groups declare that they are a diaspora, or are so deemed by others”499.

De acordo com Kim D. Butler é importante traçar uma metodologia que busque consenso para identificar as categorias de análise que possam ser aplicadas a todas as diásporas.500 É como fruto dessa diretriz que Willian Safran, no início dos anos 1990,

apresenta um conjunto de características para reconceitualizar os grupos contemporâneos. Segundo o antropólogo, são diásporas as comunidades que reúnem as seguintes características: tenham se dispersado a partir de um centro original para pelo menos duas localidades; conservem uma memória, uma visão ou um mito sobre a terra de origem; crêem que não são, e talvez possam não ser, plenamente aceitos pelo país que os recebem; consideram a “casa ancestral” um lugar de regresso para quando “chegar a hora”; assumem um compromisso com a manutenção ou restauração da terra natal; tenham consciência e solidariedade como grupo e encontrem uma “definição importante” na relação com a terra natal. 501

498 PEREZ-BARREIRO NOLLA, Fernando. Galicia nun mundo de diásporas. “Tempo Exterior”. Revista de análise e estudos internacionais do Igadi. Número 5. Julho-dezembro 2002. Disponível em: <http://www.igadi.org/arquivo/te_se05/galicia_nun_mundo_de_diasporas.htm>.

499 COHEN, Robin. Diasporas and the nation-state: from victmis to challengers. International Affairs. July 1996, Vol.72, N.3, p. 507.

500 “Até agora, a maioria das conceitualizações e definições de diáspora tem sido moldadas por um intenso estudo de uma única diáspora ou outra, com a intenção de discernir suas proeminentes características, no que eu chamo de uma aproximação etnográfica”. TÖLÖLYAN, Khachig . Rethinking

Diaspora(s): Stateless Power in the Transnational Moment. Diaspora: A Journal of Transnational

Studies, 5.1 (1996), p.4. “Rethinking diasporas (s), p. 2.

501 SAFRAN,William. Diasporas in modern societies: Myths of homeland and return. Diaspora 1, 1991, pp.83-84.

Robin Cohen também crê que seja necessário ampliar a discussão sobre o tema e conceitualizar o termo de acordo com o contexto atual. O autor concorda que as diásporas referem-se a dispersões que têm como alvo mais de um lugar, que é necessário ter um mito sobre a terra de origem e existir solidariedade de grupo, mas parte de uma visão mais ampla e com outros recortes. Ele concorda que uma diáspora somente é formada quando uma população se dirige para duas ou mais regiões no exterior, mas, alternativamente, crê que essa saída possa ser provocada por busca de trabalho, relações comerciais ou novas ambições coloniais. Cohen também cita como característica importante a existência de um sentimento de empatia e solidariedade para com os membros co-étnicos dos outros países onde a diáspora tenha se estabelecido.502

A análise de Cohen é mais flexível que a de Safran. Nela, a compreensão do termo “saída traumática” é ampliada e a necessidade de busca de trabalho, que revela problemas econômicos, sociais e políticos, também é inserida entre as causas da dispersão. “Na verdade, é possível ter diáspora imperiais/de conquista e diferentes tipos de status nas várias regiões habitadas” 503. Além de observar as características das diásporas, Cohen considera fundamental analisar os motivos que levaram os grupos a deixar suas regiões de origem, pois tais realidades podem influenciar a forma como elas virão a se delinear. O autor propõe uma tipologia com cinco motivos de dispersão:

Labor diasporas (with indian workers as his example), trade diasporas (chinese and lebanese), imperial diasporas (british), cultural diasporas (characterized by multiple cultural intersections, as among afro-caribbeans in Britain) and, his primary category, “victim diasporas”, in which he includes the Irish – chiefly on the basis of the great famine – alongside jews, africans and armenians 504.

Steven Vertovec, diretor do Max-Planck Institute for the Study of Religious and Ethnic Diversity (Alemanha), contribui para discussão sobre o tema matizando alguns pontos e apresentando uma visão mais subjetiva. De acordo com ele, as diásporas podem ser não só fruto de uma emigração forçada como também conseqüência de um processo voluntário. Outro aspecto importante é a menção feita ao triplo relacionamento (entre o país de residência, a terra de origem e a globalmente dispersa

502 COHEN, Robin. Global diasporas: an introduction. London: UCL Press, 1997. xii, 228 p. Disponível em : <http://site.ebrary.com/lib/ebraryanddbd/Doc?id=5001965>.

503 D. BUTLER, Kim, op. cit.

comunidade), fundamental para a existência de uma diáspora, pois aponta para a importante relação entre os diferentes grupos espalhados pelo mundo, e não somente entre eles e a terra de origem e/ou acolhimento. E nesse item as tecnologias de comunicação jogam um papel fundamental.

Vertovec ressalta ainda que uma das características dos membros das diásporas é a manutenção de um forte senso de diferença com a maioria das pessoas do país de residência. Esse sentimento, como explica o autor, pode ser externalizado, por meio de formas de vestir, hábitos diferenciados e formação de comunidades relativamente fechadas; ou atuar de maneira mais subjetiva, internalizada, como uma diferenciação sentida em distintos graus que pode ser ativada em momentos propícios.505

Não cabe no âmbito desta pesquisa esgotar as análises conceituais sobre a diáspora, mas apesar das diferentes visões existentes, alguns pontos são comuns, como explica Kim D. Butler. Segundo explica, a maioria dos estudiosos concorda com três características básicas: a primeira delas é o fato de após a dispersão existir, necessariamente, no mínimo dois destinos.

Este específico tipo de dispersão é uma necessária precondição para a formação de uma ligação entre as varias populações em diáspora; a rede interna ligando os vários segmentos de uma diáspora são a única característica que a diferencia de outras comunidades que resultam de outros tipos de migrações. 506

Segundo, a existência de um relacionamento com a atual ou imaginada terra natal, qualquer que seja a forma de ligação, pois ela proporciona a base a partir da qual a identidade diaspórica pode desenvolver-se. O terceiro item aponta para a existência de uma identidade comum. Comunidades diaspóricas são conscientemente parte de um grupo etnonacional.

Esta consciência amarra o povo disperso não somente para a terra natal, mas para uns e outros também. Especialmente nos casos em que a terra natal não mais existe, ou que se está separada da terra natal por muitas gerações, este elemento de consciência e construção de identidade tem sido pivô para sua sobrevivência como unidade cultural. 507

505 BUTLER, Kim D, op. cit., p. 207.

506 TÖLÖLYAN, Khachig, op. cit., p.4. 507Idem.

E Butler ainda chama a atenção para outro ponto, que envolve a dimensão histórico-temporal: a existência de ao menos duas gerações. “Diasporas são multigeracionais: elas combinam a experiência individual da emigração com a história coletiva de um grupo disperso e a regeneração de uma comunidade no exterior”508.

Stuart Hall ressalta que é preciso ter cautela para não se construir tipos ideais de diáspora, considerando alguns grupos mais ou menos diaspóricos pelo fato de somente se enquadrarem em dois ou três dos pontos apresentados. “Hasta las formas “puras”, según he señalado, son ambivalentes, incluso conflictivas, en lo que se refiere a sus rasgos básicos.”509 Nem mesmo a diáspora judia responderia a todos os quesitos.510 O autor considera que o fundamental é a vontade de vinculação.

Los pueblos desplazados que sienten (mantienen, reviven, inventan) la vinculación con un hogar previo, apelan en forma creciente al lenguaje de la diáspora. Este sentido de vinculación debe ser suficientemente fuerte para resistir el borrado, a través de procesos de olvido, asimilación y distanciamento. 511

No processo migratório é natural que muitos membros das diásporas identifiquem-se com a cultura dominante. Como afirma Raimundo Aragon Bombín, las generaciones tienden a identificarse con los países que les vieron nacer y crecer. 512 Abraçar a diáspora é uma opção pelo não esquecimento, por perpetuar, valorizar e publicizar uma origem. “It is clear that the continuing existence of diasporas hinges on their members’ wishes to maintain their ethno-national identities and contacts with their homelands and with other dispersed communities of the same ethnic origin”513.

As diásporas são dinâmicas e seus membros podem em diferentes épocas de sua história sofrer altos e baixos no processo de aproximação com a terra de origem. Elas podem ser ambivalentes e conflitivas. Uma autoconsciência irrelevante pode se

508 Idem.

509 CLIFFORD, James, op. cit., p. 305.

510 “Por cierto, hay amplios segmentos de la experiencia histórica judía que no responden a los últimos criterios de la prueba de Safran: un fuerte compromiso y el deseo de un regreso literal a una tierra natal bien protegida.” Ibid., p. 303.

511 Ibid., p. 312.

512 Diretor Geral do Trabalho e Seguridade Social. Catálogo de la exposición “España fuera de España”. Dirección General de Servicios del Ministerio del Trabajo y Seguridad Social, 1990, p. 3. 513 SHEFFER, Gabriel. Diaspora politics. NY, USA: Cambridge University Press, 2003, p. 26.

fortalecer e apresentar-se de outra maneira, e uma relação com a terra natal que tenha sido fraca no passado, ou disponível apenas para determinados membros de um grupo, pode torna-se mais próxima e abarcar novas classes e gerações.

Cualquiera sea la lista válida de los rasgos diaspóricos, no puede esperarse que alguna sociedad tenga una buena calificación en todas las pruebas, a lo largo de su historia. Y el discurso de la diáspora deberá modificarse necesariamente a medida que se lo traduzca y adopte. 514

Com a emigração galega o quadro não é distinto. Ela passa por transformações que refletem a política colocada em prática na Espanha, a relação estabelecida com os distintos países de destino e as mudanças no contexto internacional. Independentemente dessa observação, é possível identificar na diáspora galega características das análises de Safran, Cohen e Vertovec. Os galegos partiram em direção a diversas localidades, primeiro Portugal e outras partes da Espanha, depois América Latina e, por último, Europa do Norte e até Austrália; havia a sensação de não ser bem aceito em alguns países; e as redes associativas, base do apoio econômico e cultural, além do interesse pela política local, revelam a existência de uma memória compartilhada, o compromisso com a terra natal, a solidariedade de grupo, e, é claro, a importância da relação continuada com a terra de origem. O mito do retorno também se mostra presente, mas é cortado, na maioria das vezes, pela constatação realista da impossibilidade.515