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Emigração: reivindicação, sofrimento e mobilidade

CAPÍTULO

3.2. Emigração: reivindicação, sofrimento e mobilidade

A influência de novas formas de pensamento, entretanto, abre espaço para o desejo de mais participação, o combate ao caciquismo, a defesa do abandono de certas práticas, a busca por alternativas para o desenvolvimento, alicerçada principalmente na educação, e uma nova forma de pensar a política, mais independente e preocupada com as características locais.

Albert Hirschman explica, por meio do seu esquema de saída e voz, que diante da deterioração da qualidade de um serviço, os indivíduos podem deixar de consumi-lo ou, perante um Estado, buscar o caminho da emigração. O que seria a opção saída. Uma vez consumado o abandono, no entanto, a indignação seria impossível. Em outro cenário, os indivíduos podem se revoltar e incitar a organização a se transformar407. Isso os levaria a protestar, se possível, de forma coletiva. Finalmente, eles podem ser leais e permanecer calados. A partir desse esquema seria impossível combinar abandono e indignação.

Anos depois, entretanto, Hirschman revisa esse mecanismo e afirma que a deserção poderia favorecer a tomada da palavra, a partir de uma mudança na relação de forças. Sabendo que têm oportunidades de fuga (emigração) perante a repressão, os atores sociais podem incrementar a expressão das reivindicações (Hirschman, 1995b). Daniel Castelao dizia: “En Galicia no se pide nada. Se emigra...”. Mas essa emigração pode não significar exatamente abandono, rompimento com a terra natal e conformismo com a situação existente. A emigração galega poderia ser enquadrada no último modelo de Hirschman. A “deserção” favorecendo a palavra e sendo, ao mesmo tempo, a própria palavra.

A pobreza marca todo o longo período da emigração galega, mas não existe, é claro, um motivo único para a saída. Alguns emigraram porque não queriam servir no Exército, que ceifava a vida de rapazes pobres em inúmeras guerras; outros tentavam não ser alvo de perseguições políticas, que atingiram níveis altos após a Guerra Civil; havia aqueles que emigravam porque o sistema de herança de algumas áreas não

407 HIRSCHMAN, Albert. O.. Auto-Subversão: Teorias consagradas em xeque. São Paulo: Cia das Letras, 1996, p. 25.

permitia alternativas de sobrevivência, a não ser se submeter ao irmão mais velho; porque não tinham o que comer; não queriam continuar na mesma condição econômica dos pais, sem chance de romper com o quadro de subsistência; e havia ainda aqueles, já com parentes estabelecidos, que viam a América como um espaço possível de crescimento econômico mais substancial.

O isolamento e a pobreza atingiam com força a Galícia, mas quase toda a Espanha apresentava um quadro econômico problemático e um cenário político centralizador e hierárquico, mesmo antes da Guerra Civil. Diante de um cenário sem chance de transformação, a saída era também uma forma desses habitantes dizerem não a situação na qual se encontravam. Era o aproveitar uma possibilidade real de mudança e até mesmo, ainda que poucos com tal consciência, ajudar a transformar a realidade do local de origem. A região exporta trabalhadores, mas importa novas ideais.

Ai os emigrados xogaron un papel destacado no alentó propagandístico e ideolóxico e no financiamento da axitación agraria e anticaciquil en amplas zonas da Galicia rural, xa dende a primeira década do século XX. Nos anos 20, en pleno auxe da Confederación Regional de Agricultores Gallegos (CRAG), das chamadas em prol da abolición das rendas forais – sobre todo no sur – e das primeiras tentativas do sindicalimo de influxo socialista e anarquista por senta- las bases entre as sociedades agrarias, rexistrase o momento de maior interveción dos emigrantes e dos retornados nas dinâmicas organizativas e políticas do agrarismo, sobre a todo a nível local e comarcal. 408

Claro que a emigração não pode ser vista somente pela perspectiva dos benefícios auferidos. A população galega encolheu e há vazios demográficos preocupantes, principalmente em Ourense. A emigração não se limita a questões de ordem política e econômica, ela é cortada por diversas variáveis, muitas delas de ordem subjetiva. Há questões morais e sentimentais envolvidas. Pais, mães, irmãos, mulheres e filhos nunca voltaram a ver os familiares ou passaram muitos anos sem os encontrar.409 Não foram poucos os casos de meninos e meninas que deixaram a Galícia sozinhos para trabalhar em outros países.

408 Ver verbete Emigracion. Gran Enciclopédia Galega – tomo XV. A Coruña: El Progreso, 2003, p.6. 409 Em 1880, Rosalia de Castro denunciou o problema com a publicação, no livro “Follas Novas”, do poema “As viudas dos vivos e as viudas dos mortos”.

Por outro lado, a emigração permitiu a muitos homens, mulheres e crianças que viviam em condição de subsistência, trabalhando na pequena propriedade da família, ou para terceiros, até por um prato de comida, ou lugar para dormir, a ter uma alternativa para ganhar a vida, considerando o contexto de subdesenvolvimento da Galícia. Tal possibilidade permitiu a muitas famílias ter acesso a recursos para melhorar as casas e a produção. O aumento do poder aquisitivo das famílias, ainda que muitíssimo pequeno, dinamizava a economia e ajudava, assim, a promover o desenvolvimento local. 410 Além disso, o processo de saída podia melhorar as condições de vida de quem ficava, indiretamente, por diminuir a necessidade de divisão da terra pela herança e a pressão social. Claro que milhares só mudaram a pobreza de endereço e enfrentaram condições de vida tão duras, ou até piores, quanto as vividas na Galícia.

A emigração também atuou positivamente na transformação da dinâmica da sociedade. Quem nascia nas aldeias tinha rara chance de ter algum tipo de mobilidade social. Com esse movimento, aumenta a possibilidade de romper com a condição econômica e social dos pais, diminuindo a dependência daqueles que detinham o poder local. Além disso, as relações com parentes e amigos, ainda que somente epistolar, e o retorno de emigrantes trazendo as novidades das cidades grandes411, influenciavam os costumes locais.

Politicamente a influência também foi importante. Apesar de muitos países de destino não vivenciarem uma democracia plena, as condições políticas eram, em geral, muito mais propícias à participação que as da Galícia, não somente pelas próprias características da região. Entre o fim do século XIX e a maior parte do XX, a Espanha se dividia entre guerras, quedas de regime e governantes, e ditaduras. Nos países de destino, diferentemente da Galícia, era possível criar entidades associativas, promover a cultura galega e utilizar o idioma, se assim se desejasse; enfim, se conhecia um tipo de liberdade inexistente no ambiente das aldeias. A realidade exterior não mudou o cenário político espanhol, marcado em boa parte do século XX pelo franquismo, mas fora do

410 “Así a construcción inmobiliaria con fondos americanos será un dos principais soportes do auce urbán dos anos setenta e oitenta en Galicia”. LOSADA ALVAREZ, Abel, op. cit., p. 15

411 “Ata ben entrados os anos trinta - e eu atreveríame a dicir que en moitos incluso ata máis adiante - para moitos galegos do rural, a idea de cidade e con ela a de innovación, indetificábase precisamente con algúns destes destinos”. CAGIAO VILA, Pilar. “A vida cotiá dos emigrantes galegos em America” in

ambiente de repressão os emigrantes puderam se associar e fomentar manifestações culturais e políticas que não podiam ser exercidas na Espanha.

Non se pode entender Galicia sen América. Non se pode entender Galicia sen a emigración, para a que se inventou o eufemismo de residentes ausentes. Si, Galicia foi fundada en América. E sostida pola diáspora de centos de miles de mozos que ateigaron os trens de Europa nas décadas dos anos sesenta e setenta do século XX.412