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CAPÍTULO

3.7. A Lei da Galeguidade

Um dos passos fundamentais nesse processo de reconhecimento, que não seria possível sem os marcos da Constituição de 1978, foi a aprovação, em 15 de junho de 1983, pelo Parlamento da Galícia da Lei de Galeguidade (4/1983). A legislação reconhece a existência da galeguidade, entendida como o sentimento de se sentir galego independentemente de onde se viva, e estabelece formas de promovê-la. No preâmbulo da lei afirma-se que a comunidade galega também está na Galícia da emigração, que

449 MELO, Rúrion e NOBRE, Marcos. A dimensão moral. "Folha de São Paulo". 27/09/2009. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/fsp/mais/fs2709200917.htm>

450PIOVESAN. Flávia. O direito à união com direitos. “Estadao.com.br”. 27/07/2009 . Disponível em

manteve vínculos com a terra natal por meio de relações privadas e familiares e, de forma mais institucionalizada, através das entidades espalhadas pelo mundo. Seguindo o estabelecido no artigo 7 do Estatuto de Galicia451, que reconhece a galeguidade das comunidades do exterior, a legislação procura promover e apoiar atividades que busquem fortalecer essas comunidades e atender as aspirações de seus membros, tornando as fronteiras entre a Galícia interior e exterior legalmente mais tênues.

O artigo 1 estabelece o direito das comunidades galegas assentadas fora do território a colaborar e a compartilhar da vida social e cultural do povo galego. E o que se denomina comunidades galegas? O artigo 2 especifica que são entidades associativas não lucrativas, legalmente constituídas, com personalidade jurídica no país em que estejam estabelecidas e que tenham por objetivo principal a manutenção dos laços culturais e sociais com a Galícia e o seu povo, a sua história, a sua língua e cultura.

A partir da análise desse conjunto é que se reconhece a galeguidade de uma entidade. Para solicitar tal certificação é preciso procurar a Xunta de Galicia, responsável pela inscrição no Registro das Comunidades Galegas assentadas fora da Galícia, como estabelecido no artigo 4. Esse reconhecimento concede o direito à informação sobre as resoluções da comunidade autônoma, a compartilhar a vida social galega e a colaborar na sua difusão, no território galego e no âmbito da própria comunidade, como afirma o artigo 5.

O reconhecimento da galeguidade, diz o artigo 6, dá as comunidades o direito de ter bibliotecas e arquivos, disponibilizados pela autoridades locais espanholas, e de colaborarem na promoção das atividades culturais e espetáculos orientados a preservar e fomentar a língua, a cultura e as tradições galegas. O artigo 7 afirma que o governo deverá promover cursos de língua e cultura galegas para as comunidades no exterior, já o artigo 8 tem como foco as novas gerações, estabelecendo que deverá se fomentar a produção de material didático para os filhos de galegos residentes no exterior.

451Diz o artigo 7: “As comunidades galegas asentadas fóra de Galicia poderán solicitar, como tales, o recoñecemento da súa galeguidade entendida como o dereito a colaboraren e compartiren a vida social e cultural do pobo galego. Unha lei do Parlamento regulará, sen prexuízo das competências do Estado, o alcance e contido daquel recoñecemento ás ditas comunidades que en ningún caso implicará a concesión de dereitos políticos. A Comunidade Autónoma poderá solicitar do Estado Español que, para facilita-lo disposto anteriormente, celebre os oportunos tratados ou convenios cos Estados onde existan tales comunidades”. Disponível no site da Xunta de Galícia: <http://www.xunta.es/titulo-preliminar>

Todas essas ações, de acordo com o artigo 3, deverão ser conduzidas pela comunidade autonôma, responsável por promover e coordenar a participação das entidades galegas na vida social e cultural, por meio, inclusive, da celebração de tratados e convênios com Estados onde existam essas comunidades.

O artigo 13 afirma que para o cumprimento dos fins estabelecidos será criado o Consello de Comunidades Galegas452 com caráter deliberante, de função consultiva e de assessoramento das instituições da comunidade autônoma. Dela devem fazer parte o presidente da Xunta, que o presidirá, os conselheiros do Trabalho, Seguridade Social e Emigração, Cultura e Turismo e Esportes. Além disso, contará com representantes do Conselho da Cultura Galega, da Real Academia Galega, de universidades da Galícia e de um representante por cada uma das comunidades inscritas.453

Cabe a esse conselho escolher a Comissão Delegada do Conselho, que funciona como um órgão permanente e se reúne anualmente. É composta por 16 membros: sendo dois permanentes (presidente da Xunta de Galicia e Secretario Geral da Emigração) e 12 eleitos, sendo um representante do Centro Gallego de Buenos Aires e o outro da Casa de Galicia de Montevideo, quatro representantes de centros localizados na Espanha, quatro da Europa e quatro das Américas. Todos devem estar inscritos no Registro de Comunidades Galegas. Cabe a essa comissão assessorar a Administração Autônoma na execução de ações a favor da Galicia Exterior.

452 O Consello de Comunidades Galegas foi criado pela lei 4/1983, de 15 de junho.

453 A Lei da Galeguidade, no entanto, deverá sofrer mudanças. De acordo o Secretario Geral de Emigração, Santiago Camba, “la ley fue muy avanzada en su tiempo -1983 - pero hoy necesita una reforma de la que queremos hacer partícipes a sus principales actores y protagonistas: los gallegos residentes en el exterior.” BANDE.I.. La nueva Ley de Galeguidade echará a andar en medio año.

"Laregioninternacional.com". 26/08/2010. Disponível em: <http://www.laregioninternacional.com/noticia.php?id=75192>.

Grafico 9. Fonte: Portal de la Ciudadania Española en el Exterior.

A partir dessa lei começaram a ser colocadas em prática diversas propostas e programas institucionais do governo galego e criados órgão especiais, como a Conselheria de Emigração, e a atual Secretaria Geral de Emigração, que concentram as políticas e as relações com a coletividade no exterior, do qual também participam outros órgãos do Estado, dependendo do tipo de projeto desenvolvido. Entre os objetivos estabelecidos estão: reduzir o impacto social derivado das situações de precariedade econômica dos galegos residentes no exterior, fomentar o conhecimento da cultura galega, aumentar o grau de participação e vinculação dos jovens descendentes nas atividades e ações que mantém o espírito da galeguidade, promover atuações a favor da projeção da Galícia no exterior, conservar e melhorar as instalações das entidades e centros galegos, que permitam manter uma presença moderna e eficaz como entes prestadores de serviços à comunidade; e fomentar e modernizar os sistemas de informação.

Para atingir esses objetivos são desenvolvidos vários programas, difundidos pela página da Secretaria Geral da Emigração454

454O endereço do site é: <http://www.galiciaaberta.com/es>

, pelo envio de e-mails diários sobre seus programas para os cadastrados, pelas associações e consulados. São oferecidas ajudas assistenciais individuais a emigrantes, programas para visitar a Espanha para idosos que

emigraram há muitos anos, mas nao têm condições econômicas para viajar (Volver á terra), projetos de acampamento para adolescentes, para fomentar o vínculo, bolsas para estudos universitários na Galícia, ajudas de emergência para viagens por razões de interesse social, assistencial ou humanitario,455e ajudas a emigrantes galegos retornados e seus familiares.456 Programas que buscam fomentar a participação, ajudar os mais necessitados e manter os vínculos com a terra, principalmente dos jovens. "La mejor inversión de futuro para estas tierras porque ejercen de ‘embajadores’ de Galicia en los países de acogida a los que emigraron sus padres y abuelos”457.

Manuel Fraga Iribane, presidente do Partido Popular e da Xunta de Galícia entre 1990 e 2005, foi um dos primeiros a perceber o potencial político e econômico dos emigrantes, a viajar constantemente para o exterior, a valorizar as questões identitárias e a utilizar com freqüência o discurso da galeguidade. Na década de 1990, a Xunta de Galícia, por meio da Secretaria Geral de Relações com as Comunidades Galegas, edita e distribui para as entidades no exterior a coleção “A nosa diáspora. Da emigración á galeguidade”458

455 Essas ajudas são dirigidas aos emigrantes e seus descendentes que se encontrem em grave risco social.

Axudas de emerxencia social e para a realización de viaxes por razóns de interese social, asistencial ou humanitario. Ano 2011. 08.03.2011. Disponível em: <

. O tema das obras, todas publicadas em galego, é a emigração, sob pontos de vista variados. O projeto faz parte da política de aproximação com os emigrantes, reforçando laços e promovendo a idéia de uma cultura comum entre os que partiram e os que ficaram. O caráter político do lançamento é reiterado quando se observa que todas as publicações têm prefácio assinado por Fraga. Os livros fazem uma ponte entre o passado e o futuro, mas de forma pouco crítica. Os aspectos mais trágicos do processo emigratório e as causas que mais comprometem as elites galegas são

http://www.galiciaaberta.com/linas_axuda/axudas- de-emerxencia-social-e-para-realizaci%C3%B3n-de-viaxes-por-raz%C3%B3ns-de-interese-social-a> 456 Axudas extraordinarias a emigrantes galegos retornados e aos seus familiares para o ano 2011. 08.03.2011. Disponível em: <http://www.galiciaaberta.com/linas_axuda/axudas-extraordinarias- emigrantes-galegos-retornados-e-aos-seus-familiares-para-o-ano-20>

457 Fraga califica a los descendientes de emigrantes como 'la mejor inversión de futuro' porque son

'embajadores' de Galicia. Europa Press. 21/03/2005. Disponível em: <http://www.lukor.com/not-

esp/locales/0503/21144720.htm>

458Os principais títulos da coleção são: “Galeguidade e cultura no exterior” (Carlos Sixirei Paredes, 1995), “A constitución da galeguidade” (Baldomero Cores Trasmonte, 1995), “Esencia da galeguidade” (José Lois Estévez, 1996), “Mundos lonxanos e próximos, a necesaria extensión da galeguidade” (Antonio Grandío Dopico, 1995), “A galeguidade, un sentimento común” (Fernando Amarelo de Castro, 1995), “A galeguidade empresarial” (Xavier Alcalá, 1995), “Vida e viaxes na galeguidade” (Luís Menéndez Villalva, 1997), “Xuventude na galeguidade” (Federico Pomar de la Iglesia, 1995), “Lingua e literatura galegas na Galicia emigrante” (Xesús Alonso Montero, 1995), “As relacións económicas entre Galicia e os países de destino da emigración” (Abel Losada Alvarez, 1995), a reedição de “Historia da emigración galega a América” (Ramón Villares, 1997), “Muller e emigración” (Pilar Cagiao Vila, 1997) e “Radio e prensa na Galicia exterior” (Xosé Luís Blanco Campaña, 1995).

deixados de lado em prol da promoção de uma união que possa servir como base a uma Galícia forte.