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CAPÍTULO 4 Diásporas: novos rumos

4.2. Diáspora: novos atores

O termo diáspora agora é amplamente utilizado para descrever grupos até então reconhecidos como emigrantes, expatriados, refugiados políticos, residentes estrangeiros, minorias étnicas e raciais. Essa transformação responde a uma variedade de processos, como descolonização, transnacionalismo e globalização.516

514 CLIFFORD, James, op. cit., p. 306.

Nesse contexto, cada comunidade cria seu próprio ethos de diáspora e pode demorar um extenso período para que essa identidade se torne operativa. A identidade da diáspora requer envolvimento. A dispersão africana, por exemplo, começa no século XVI, mas o conceito de diáspora somente se torna operativo para essa comunidade no século XX. O

515 Como afirma Kim D. Butler as diásporas também são movidas pelo pragmatismo. A vontade de se dirigir a terra natal é barrada dentro da noção de que é impossível se deslocar, a relação fica somente no plano do desejo.

mesmo teria acontecido com italianos e irlandeses. “Livros conceitualizando esses movimentos como diáspora surgem em tempos recentes, embora ambos tenham fisicamente existido desde o século XIX” 517.

Cabe lembrar, entretanto, que somente quando um grupo consegue se organizar é que começa a existir uma articulação focada na luta por reconhecimento. E o contexto é fundamental para que determinados grupos se unam em torno de uma causa comum. A memória do Holocausto, por exemplo, começou a ser foco de ações na França somente nos anos 1970. Até então, as vítimas não encontravam as condições necessárias (objetivas e subjetivas) para relembrar o fato. Uma contribuição importante para o tema ter conquistado o espaço público foi a entrada da segunda geração no debate. A partir desse momento essa memória passa a ser utilizada como elemento de união para a “rejudaização” da comunidade judaica francesa518. Movimentos considerados esquecidos ou em declínio podem ser retomados por novos participantes, com novos objetivos e novas formas de solidariedade. 519

Além disso, as construções internas dos grupos podem transformar-se ao longo do tempo. O mito do gueto sustenta um absolutismo étnico que nega os processos interativos e adaptativos da identidade judía histórica.

La investigación histórica de Max Weinreich ha mostrado que el mantenimiento del judaísmo ashkenazi (yidishkeyt) no fue primariamente el resultado de una separación forzada, o voluntaria, en diversos barrios o gueto.520

Essa nova relação com a comunidade de origem leva James Clifford a se questionar: “¿Cuál es la vigencia, el valor y la contemporaneidad del discurso de la diáspora?”521

517 D. BUTLER, p. 14.

Não há uma única resposta, mas todas convergem para o ganho de algum tipo de segurança e/ou fortalecimento pessoal e/ou de grupo. Como afirma Zygmunt

518 HEYMANN, Luciana Quillet. “O devoir de mémoire na França contemporânea: entre a memória, história, legislação e direitos” in Gomes, Angela de Castro (org). Direitos e cidadania: memória, cultura

e patrimônio. Rio de Janeiro, FGV, 2007.

519“O ódio recalcado e depois manifestado cria uma solidariedade afetiva que, extrapolando as rivalidades internas, permite a reconstituição de uma coesão, de uma forte identificação de cada um com seu grupo”. ANSART, Pierre. “História e Memória dos Ressentimentos” in Memória e (res) sentimento: indagações

sobre uma questão sensível. Campinas: Unicamp, 2001, p. 22.

520 CLIFFORD, James, op.cit., p.311. 521 Ibid., p. 312.

Bauman, estar total ou parcialmente “deslocado” em toda parte, não estar totalmente em algum lugar, pode ser uma experiência desconfortável, por vezes perturbadora.522

Pessoas gravitam para identidades que contem algum benefício e fogem daquelas que não. Esse benefício depende do sistema de valorização do indivíduo, e isso, talvez, inclua considerações espirituais, sociais e econômicas. 523

A maioria das comunidades que teve seus membros obrigados a deixar o lugar de origem é marcada, em algum momento de sua história, por estereótipos negativos, mas fazer parte de uma diáspora seria afirmar também que se é capaz de resistir à opressão e manter a autoconsciência de grupo mesmo diante das adversidades. Em realidade, como explica James Clifford, quem faz parte de uma diáspora traz tanto marcas negativas (perseguições e pobreza) como positivas (resistência e força de vontade). Essa articulação implica em um potencial poder baseado na habilidade para mobilizar apoio internacional e gerar influência tanto na terra de origem quanto na de acolhida524. Segundo o autor, populações oprimidas que vivenciaram um contexto de maioria/minoria em relações de poder estão abraçando o discurso da diáspora como alternativa525. Identidades que não podiam ser abraçadas por conta da opressão, como explica Bauman, agora, com novas possibilidades, representam a existência ou a luta por liberdade.

Para Kim D. Butler, além de observar como esses grupos se transformam ao longo dos anos, é preciso estar atento ao fato de que há vários tipos de emigração combinadas em uma mesma diáspora. “As identidades nunca são fixas. Dentro de cada diáspora única, simultâneas identidades diaspóricas são possíveis”526. Os problemas que provocam a saída não atingem a todos da mesma maneira, mesmo pessoas prejudicadas por um único sistema político repressor ou por uma economia deficiente, podem ter formações distintas e experiências diferentes.

Al distinguir, por ejemplo, entre las ricas familias asiáticas dedicadas a los negocios que viven en América del Norte, y los escritores creativos, los teóricos académicos, los indigentes refugiados del mar o los khmer que huyen del genocidio, se ve con claridad que los

522 BAUMAN, Zygmunt, op.cit., p. 19. 523 BUTLER, Kim. D., op.cit.,p. 213. 524 CLIFFORD, James, op.cit., p.311. 525 Idem.

grados de alienación diaspórica, la mezcla de coerción y libertad en las (des) identificaciones culturales y el dolor por la pérdida y el desplazamiento son sumamente relativos.527

Também é importante observar a conjuntura da terra natal. Disputas internas talvez tenham sido apaziguadas, grupos ou minorias sem acesso as esferas de decisão podem ter conquistado alguma forma de participação ou mesmo o controle político, e o quadro de pobreza, guerra e repressão, ter sido superado ou diminuído drasticamente. E esse novo quadro transforma a relação com a terra de acolhimento e a de origem.528 Ruy Farias, pesquisador do Museo de la Emigración Gallega en Argentina, afirma que começa a existir naquele país o orgulho de ser descendente de galegos. Tal transformação seria resultado de uma nova forma de se colocar no mundo.

Galicia y su cultura se abren cada vez más al mundo, mostrándole en múltiples planos su valor intrínseco, un hecho que, inevitablemente, repercute en las nuevas generaciones de galaicoargentinos, sobre todo en aquellos más ligados al mundo de la cultura o de la educación superior.529

E nesse processo de mudança a relação do governo da região de origem com as diásporas pode se tornar interessante politicamente. A antropóloga Laura Pires-Hester explica que o presidente Aristides Pereira (1975-1991) transitou entre não considerar os descendentes de cabo-verdianos nos Estados Unidos como representantes nacionais a incluir os mesmos como participantes de uma grande comunidade internacional. A motivação? Interesses econômicos e políticos.530

527 CLIFFORD, James, op.cit., p.308

Em sua análise do transnacionalismo político, Rainer Baubock afirma que há três razões fundamentais para que os governos busquem estar politicamente ligados aos seus emigrantes: a esperança de recuperar habilidades úteis e de capital em um possível regresso; a manutenção das remessas enviadas aos membros das famílias; e o estabelecimento de uma força política interna no país de acolhimento para fazer avançar interesses do Estado. “Home-country governments must weigh the advantages of keeping the

528 “La resistencia a la asimilación puede adoptar la forma del reclamo por otra nación que se ha perdido, en otro lugar del espacio y del tiempo, pero que es poderosa como formación política aquí y ahora.” Ibid., p. 307.

529 "En plena crisis Argentina echa de menos la cultura de trabajo de aquella vieja generación de inmigrantes gallegos". Ciudadanía Exterior. 14/09/2010: Disponível em: <http://www.cext.es/index/accion/detalleNoticia/id/2871/titulo/>

530 PIRES-HESTER, Laura J. The emergence of bilateral diaspora ethnicity among cape verdean-

americans. The African diaspora: African Origins and New World identities. Ed. Isidore Okpewho,

emigrants happy and the remittances flowing against the potential political uncertainty introduced when pools of voters outside the territory influence national elections” 531.