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9. CARACTERIZAÇÃO DAS ATRIBUIÇÕES DO PSICÓLOGO NO SISTEMA

9.2 Identificação da prática profissional

9.2.4 As atividades e seus respectivos objetivos

A exemplo do tratamento dado às atividades apresentadas, os objetivos indicados foram agrupados e relacionados à respectiva categoria de atividade profissional, conforme destacamos a seguir, por meio das indicações apresentadas pelos psicólogos que participaram deste estudo.

1. Atendimento e acompanhamento psicológico à pessoa presa: “orientar sobre o

uso correto da medicação, cuidados com a saúde, e esclarecer dúvidas sobre o vírus, a doença e tratamento (HIV/DST). Apoio emocional durante sua permanência nesta instituição” e “atender aqueles que necessitem de apoio emocional. Esclarecer dúvidas e encaminhar para as áreas competentes” (Rafaela); “dar suporte e acolhimento quando solicitado pelo reeducando. Fazer encaminhamento e orientações” (Maria Clara); “suporte psicológico, diminuição da ansiedade, valorização da vida” (João Victor); “observar e intervir na dinâmica emocional do paciente frente à situação de hospitalização” e “dar suporte emocional aos pacientes em estado grave ou terminal” (Maria Fernanda); “atendimento a reeducandos com situações de crise emergencial (ansiedade, depressão, tentativa de suicídio, dependência com drogas, dívidas, ameaça de morte)” e “reflexão sobre suas escolhas, vícios e comportamento e incutir consciência sobre o cerceamento da liberdade e as possíveis perdas como conseqüência” (Gabriel); “atendimentos focais e aconselhamento psicológico” (Ana Carolina); “tratamento psicoterápico para transtornos mentais, leves, médios e graves” (Iago);

2. Entrevista de inclusão: “acolher e orientar a pessoa presa que chega à unidade”

(Marcos Vinícius); “conhecer melhor o reeducando e dar-lhe orientações gerais” (Maria Clara); “conhecer alguns pontos básicos da história de vida do indivíduo até sua chegada no sistema penitenciário, individualização da pena” (João Victor); “avaliar o perfil psicológico e levantar informações sobre o histórico de vida” (Júlio César); “levantamento de informações sobre o paciente, histórico pessoal, delituoso e situação atual” (Maria Fernanda); “colher dados e conhecer” (João Paulo); “conhecer a pessoa, seu desenvolvimento e vida criminal” (Gabriel); “conhecer a história pessoal do reeducando, avaliar a necessidade de encaminhamentos individuais, conforme a individuação da pena proposta na LEP” (Iago); “avaliar o perfil do reeducando e identificar suas necessidades para encaminha-lo aos projetos” (Ana Carolina);

3. Atendimento e ações voltadas ao funcionário do sistema prisional: “dar

suporte e acolhimento quando solicitado pelo funcionário. Fazer encaminhamento e orientações” (Maria Clara); “escutar as queixas pessoais e/ou profissionais e orientar sobre as mesmas” (Júlio César); “acompanhamento psicológico aos funcionários vítimas de stress desencadeado pela atividade” (Maria Fernanda); “algumas demandas de emergência e, esporadicamente, alguns casos individuais na área de saúde mental do trabalhador” (Maria Luiza);

4. Avaliação psicológica: “realizada quando necessária para encaminhamento a

outro tipo de regime prisional, por juiz ou outras autoridades” (Marcos Vinícius); “levantamento das condições psicológicas globais” “dar suporte e acolhimento quando solicitado pelo reeducando. Fazer encaminhamento e orientações” (Maria Clara); “solicitar transferência de unidade prisional, bem como para embasar decisão judicial na concessão de benefício” e “apresentar o indivíduo em suas

características observáveis naquele dado momento para uma pessoa e/ou instituição que não o conhece” (João Victor); “para transferência de unidade por aproximação familiar ou para centro de ressocialização [...] fortalecer vínculos afetivos familiares [...] adequar o perfil do sentenciado à estrutura da unidade, que o preparará melhor para sua liberdade à sociedade” (Gabriel); “encaminhamento para tratamento em unidades especializadas casos de transtornos mentais graves ou crônicos” (Iago); “realizado [...] para transferência de unidade [...] e quando solicitado pelo poder judiciário” (Ana Carolina);

5. Atendimento e acompanhamento à família da pessoa presa: “orientação e

reflexão sobre motivos/causas ou características ambientais e individuais que propiciaram atos de delinqüência” (Marcos Vinícius); “orientação e suporte aos familiares quanto à angústia” (Maria Fernanda); “orientação e acompanhamento de suas necessidade físicas e psíquicas” (Ana Maria);

6. Discussão de casos e reunião de equipe interdisciplinar: “intervenção de caso

da equipe interdisciplinar [...] para possíveis encaminhamentos e orientações” (Júlio César); “Discutir os casos que chegaram à Unidade; Direcionar as atividades ressocializadoras que forem adequadas ao interno. Esclarecer, durante entrevista devolutiva ao interno , a necessidade de participar ativamente do seu processo de reintegração social, estando presente às atividades ressocializadoras para as quais foi encaminhado.A reunião é um espaço de reflexão e troca entre os profissionais, buscando o crescimento e maior qualidade nos projetos.” (Ana Carolina e Maria Paula);

7. Projetos sociais e trabalhos em grupos: “conscientizar e preparar os

reeducandos para um outro regime beneficiado, mas ainda com restrições” (Gabriel); “informações gerais sobre a saída temporária e propor um espaço de

acolhimento no retorno da saída temporária” e “Informá-los sobre o funcionamento do trabalho externo, na cidade” (Iago); “projeto com interface entre o cárcere e a sociedade, aproximando delinqüentes e vítimas (João Pedro); “Temos usado bastante o manual do Departamento de Reintegração Social. Hoje temos desenvolvido grupos com os seguintes temas: Primários, Provisórios, Reincidentes, Sem visita, Grupo de Pais, Refletindo a música, Integração Disciplinar, Assembléia Geral de Recepção aos internos. Reuniões de saída temporária. Entendemos os grupos como estrutura básica de interação, assim, criamos um espaço para reproduzir as relações cotidianas e os vínculos, pondo em jogo os modelos internos, discutindo e pensando em novas formas, mais adequadas e saudáveis de pensar e agir.” (Ana Carolina e Maria Paula).

8. Inserção de dados no sistema de gestão penitenciária: “segundo a Diretoria de

Reintegração Social, o objetivo seria levantar dados para verificar qual a demanda dos detentos, para a criação de novos projetos” (Rafaela); “alimentar o sistema de informação geral” (Maria Clara); “registro das inclusões no Gepen [...] digitar as informações que consta na entrevista” (Júlio César);

Conforme análise dos dados, constatamos a similaridade entre os objetivos indicados nas atividades de atendimento e acompanhamento psicológico à pessoa presa, à família dessa pessoa e, o atendimento e ações voltadas ao funcionário do sistema prisional, atividades que concentram os objetivos voltados ao suporte, apoio, acolhimento, acompanhamento, tratamento e orientação psicológica, caracterizando assim a preponderância da prática profissional do psicólogo no sistema prisional voltada à área de saúde/clínica da psicologia.

A entrevista de inclusão é apresentada como um instrumento e procedimento de

como objetivo dado conhecer, colher dados, orientar e subsidiar a individualização da pena, sendo as informações levantadas e inseridas no sistema informatizado de gestão penitenciária. Cabe lembrar as críticas apresentadas pelos profissionais da área de Psicologia ao instrumental e ao acesso aos dados, conforme indicado anteriormente207.

A avaliação psicológica, atribuição definida legalmente, tendo o psicólogo a responsabilidade de colaborar com a Comissão Técnica de Classificação (CTC) na elaboração do parecer técnico para subsidiar análise e encaminhamento processual para progressão, regressão ou mudança de regime, bem como, parecer técnico objetivando a classificação do condenado ou preso provisório para elaboração do programa individualizador da pena privativa de liberdade.

As atividades agrupadas na categoria projetos sociais e trabalhos em grupos, apresentam como objetivo a informação e orientação quanto ao cumprimento da pena privativa em liberdade focando a progressão do regime, saída temporária e a liberdade. Portanto, podemos constatar que, segundo análise do Manual de Reintegração Social, o foco prioritário de atenção é o eixo - A Pena, projetos destinados à adaptação da pessoa presa ao regime em que se encontra; a preparação para o regime seguinte; o retorno a regime anterior; saída temporária com retorno e a preparação para a liberdade condicional.

Cabe destacar, na categoria de atividades, projetos sociais e trabalhos em grupo, uma indicação de “projeto com interface entre o cárcere e a sociedade, aproximando delinqüentes e vítimas” (João Pedro).

Como alternativa para elucidação e objetividade do exposto anteriormente, destacamos a Tabela a seguir:

Tabela 16 – As práticas profissionais, respectivos objetivos e sujeitos de atenção

Práticas Sujeitos de atenção Objetivos

Atendimento e acompanhamento

psicológico

Pessoa presa;

Funcionário do sistema prisional; Familiares da pessoas presa;

Suporte, apoio, acolhimento tratamento e orientação psicológica;

Pessoa presa; Recepção; conhecimento, orientação à pessoa presa; orientação à individualização da pena de privação de liberdade;

Entrevista de inclusão

Sistema prisional; Identificação; classificação; Sistema Judicial;

Exame, classificação e avaliação psicológica, e elaboração de laudo/parecer psicológico;

Sistema Prisional;

Exame, classificação e avaliação psicológica, e elaboração de laudo/parecer psicológico;

Avaliação psicológica

Pessoa Presa; Orientação à individualização da pena de privação de liberdade; Projetos sociais e trabalhos em grupo; Pessoa Presa; Sistema prisional; - Reintegração social;

- Interação e estabelecimento de vínculos; - Grupos voltados ao tema - a pena: recepção, adaptação, preparação à progressão de regime e liberdade;

- Grupos voltados a outros temas: visitas, pais, música, etc.

Discussão de Casos e reunião de equipe

interdisciplinar

Funcionário; Pessoa presa;

Reflexão; troca; intervenção; crescimento profissional e de qualidade do trabalho;

Fonte: Pesquisa realizada, no período de 2006 a 2007, junto aos psicólogos que atuam nos sistema prisional paulista.

Em complemento aos dados apresentados e segundo revisão bibliográfica referente à prática do psicólogo no sistema prisional paulista, destacamos a pesquisa realizada por Lígia Márcia Martins (1989), a qual estudou “A natureza do trabalho do psicólogo em estabelecimentos penais”, pesquisa essa realizada junto aos psicólogos do sistema prisional paulista. Nesse trabalho Martins constata:

[...] a perícia criminológica como função institucionalmente definida enquanto prioritária. Paralelamente [...] os atendimentos psicoterápicos necessariamente individuais em algumas instituições, e com possibilidade de serem grupais em outras. Entretanto pudemos verificar que

no seu entendimento o papel do psicólogo poderia ou mesmo deveria ser muito mais abrangente, compreendendo inúmeras outras possibilidades, que poder-se-iam resumir na reabilitação do homem detido [...] assim sendo, tanto a função de perito, quanto de psicoterapeuta, assumiriam outras dimensões [...] (Martins, 1989, p.73 e 74).

Cabe ressaltar que a referida autora analisa a diferença do papel do psicólogo em função do regime de cumprimento da pena de privação de liberdade, regimes fechado ou semi-aberto, sendo apontado que no regime fechado “a prática do psicólogo diz respeito exclusivamente à perícia ”208, enquanto que no regime semi-aberto, “encontramos além da perícia, a possibilidade de psicoterapia breve, ou atendimentos de orientação psicológica” 209.

Do exposto e considerando a contratação dos primeiros psicólogos no sistema prisional do Estado de São Paulo nos anos de 1977 e 1978, as referências legais de 1979 e 1984210, a pesquisa de Martins (1989), a alteração da LEP dada pela Lei nº. 10.792 em 2003 e os dados apresentados nesta pesquisa, definimos que a prática do psicólogo no sistema prisional paulista é influenciada e redefinida em três momentos significativos e distintos de orientação às atribuições desse profissional.

Podemos identificar o primeiro momento anterior a Lei nº. 10.792/03 e, o segundo momento, de reorientação das atribuições, posterior à referida lei, conforme relata-nos Amanda, psicóloga que atua no sistema prisional paulista há mais de quinze anos:

[...] dois momentos: um antes de 2004, quando o Congresso Nacional aprovou uma lei211, alterando alguns artigos da LEP, um dos artigos diz respeito ao exame criminológico que era uma atribuição do

208 Martins, 1989, p. 74. 209 Ibid., p. 75.

210 Lei de Execução Penal, Lei nº. 7210/84 e Decretos Lei de São Paulo.

211

psicólogo, mais assistente social, mais psiquiatra dentro das prisões até 2004 [...] atividade preponderante do psicólogo em presídio era o exame criminológico [...] eu conversei com muitos psicólogos [...] nessa minha vivência em presídios [...] raramente um psicólogo dizia que fazia algo além do exame criminológico, atividade preponderante até 2004 [...] então foi sancionada essa lei e os laudos, os exames psicológicos e pareceres da Comissão Técnica se tornaram facultativos [...] o exame criminológico acabou deixando de existir, deixando de ser solicitado e deixando de ser feito; com esse fim do exame criminológico o psicólogo, eu diria, ficou um tanto quanto perdido com relação ao que fazer dentro prisão [...] qual era a idéia, saúde mental dentro da prisão, saúde mental dos sentenciados, eventualmente dos familiares e saúde mental dos funcionários. Eu acho que a grande pergunta era como fazer isso [...] dentro da prisão [...] esquema de rotina, segurança e vigilância [...] (Amanda, 2007)

O psicólogo, sendo membro integrante da Comissão Técnica de Classificação - CTC, tem sua função de perito oficial destituída legalmente, quando é facultado ao Estado o atendimento às solicitações judiciais referente à elaboração de parecer técnico pela CTC para avaliar e propor a progressão, regressão ou mudança de regime.

No vácuo da legislação apresentada, período de 2003 a junho de 2006, entendemos a

liberação do psicólogo para a reorientação de suas atribuições, além da classificação do

condenado ou preso provisório para elaboração do programa individualizador da pena privativa de liberdade.

Dentre as atribuições definidas legalmente, pudemos constatar, mediante a

temporária alteração da Lei de Execução Penal, no período supra citado, um ensaio de

identificamos práticas ou iniciativas que alternam o público alvo, bem como, os objetivos do trabalho. Porém, a predominância da atuação do psicólogo é na área clínica/saúde, fato que reitera a idealização da profissão do psicólogo numa construção histórica e hegemônica da profissão voltada à área clínica e atendimento individualizado.

O terceiro momento de orientação da sua atribuição é caracterizado pela retomada da orientação legal da atribuição do psicólogo junto a CTC, quando a Secretaria da Administração Penitenciária do Estado de São Paulo retoma a obrigatoriedade da elaboração de pareceres técnicos em atendimento às solicitações judiciais. Lembrando ainda que, nesse mesmo ano é julgada a inconstitucionalidade da Lei nº. 10.792/03, relativa à alteração dos artigos 6º e 112, da Lei de Execução Penal. Assim o psicólogo retoma sua atribuição oficial, como aponta Amanda em 2007, psicóloga do sistema prisional paulista:

[...] o secretário adjunto [...] ele diz [...] ser admirador dos trabalhos técnicos [...] e o exame criminológico tem que ser peça fundamental no processo. Então o que a gente tem hoje, duas pessoas no comando da secretaria que acreditam que o exame tem que voltar, deve ser feito novamente. O que está acontecendo?

Os presídios estão recebendo pedidos dos juízes da varas criminais locais para fazer exames [...] então o exame criminológico é algo que está voltando, algo que está retornando. (Amanda, 2007)