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As Competências e Habilidades Necessárias ao Exercício Profissional no Campo

CAPÍTULO V A FORMAÇÃO JURÍDICA: UMA QUESTÃO DE GÊNERO? A

6.5. O Processo de Formação Jurídica e a Importância da Pedagogia das Competências

6.5.2. As Competências e Habilidades Necessárias ao Exercício Profissional no Campo

As noções de competência e qualificação são vistas pelos docentes como variáveis importantes no exercício profissional no campo do direito, entretanto, partindo do referencial teórico trazido não se percebe clareza nas manifestações enfeixadas sob estes conceitos teóricos. As entrevistas demonstram, como dito, que os docentes se preocupam com o desenvolvimento da competência e da qualificação, mas não conseguem delimitar a amplitude conceitual envolvida.

Com efeito, para os entrevistados competência é compreendida como sinônimo de conhecimentos teóricos, competências cognitivas sobre o Direito. Neste sentido, ilustrativamente duas das falas reproduzem bem o que se quer dizer:

Competência é o conhecimento, é a ciência das normas, da doutrina, das novas teorias que nascem em função do exercício do próprio direito. Qualificação é o aprimoramento, é o conhecimento detalhado da atividade profissional (especialização).

A importância: o profissional será seguro no seguro da sua atividade e o direito será mais bem aplicado, atingindo a sua finalidade. O direito não alcança o fim por insuficiência de conhecimento por parte dos aplicadores. (Primeira fala)

Competente é aquele que está habilitado a operar o direito. Qualificado é o que está talhado para integrar, ou seja, a aplicar o direito dentro de uma visão de conjunto da sociedade. As noções são importantes porque elas dão o conhecimento técnico (competência) e a preparação para aplicar os conhecimentos técnicos no conjunto da sociedade (a qualificação). (Segunda opinião).

Outros, cerca de 25% (vinte e cinco por cento) dos respondentes, manifestam que a competência e a qualificação se juntam para fundir o profissional, asseverando expressamente um deles:

As noções de competência e de qualificação são muito importantes. Porque a especialização faz com que o alunado perceba com maior clareza o mundo que o rodeia tanto do ponto de vista técnico quanto do ponto de vista social. De outro lado, a qualificação consolida a competência. O doutorado, por exemplo, dá um "plus" na competência.

Dentre estes, uma docente se manifesta com uma percepção mais clara das noções de competência e qualificação, sintetizando:

Qualificação e competência se juntam. Quanto maior a qualificação, a especialização, maior a competência. A especialização representa a qualificação, enquanto a competência refere- se ao feeling, desenvolvimento na subjetividade. Matematicamente, competência é o somatório das habilidades (atributos) pessoais e da qualificação. (Entrevistado).

Inversamente, um outro respondente diz: “Entendo competência como capacidade

de inovar, criar, desenvolver habilidades; a qualificação seria no campo profissional o conjunto de todas as experiências e aprendizados adquiridos”. Assim, demonstra

compreender parcialmente a noção de competência, fazendo, contudo, confusão em relação à qualificação.

Percebe-se certa divergência conceitual na maior parte dos docentes acerca da competência e qualificação, aspecto que de certo modo não traz grandes perplexidades porque até mesmo as abordagens teóricas abordam dificuldades em trazer um conceito unânime de

competência e de qualificação. De fato, como ressaltado anteriormente, o termo competência é resultante do atual estágio do mundo do trabalho, no qual as qualificações pura e simples, enxergadas como a preparação para um posto de trabalho específico perdem o sentido, sendo necessário, além delas, o desenvolvimento de competências e habilidades relacionadas à dimensão social e emocional, além da própria dimensão conceitual. A própria Lucie Tanguy (1997), tratando da competência, observa a ausência de univocidade do termo, refletindo contudo, que a significância do vocábulo não pode ser desvinculada da ação, assim diz que “a competência é inseparável da ação” (TANGUY, 1997, p. 16). Por outro lado, a mesma autora complementa:

...os usos que são feitos da noção de competência não permitem uma definição conclusiva. Ela se apresenta, de fato, como uma dessas noções cruzadas, cuja opacidade semântica, favorece seu uso inflacionado em lugares diferentes por agentes com interesses diversos. (TANGUY, 1997, p. 16)

Adiante, a pesquisadora educacional sustenta que o termo ‘competência’, como o vocábulo ‘saber’, suplantam na interpretação, o termo qualificação, assegurando, finalmente que as competências estão associadas a uma época

marcada por um aumento acelerado no número de diplomados no ensino secundário e superior... (onde) os diplomas já não bastam para diferenciar e hierarquizar os indivíduos que os detém. certamente, a escola permanece o lugar onde se constroem os saberes e os saber fazer com referencia a corpus de conhecimentos relativamente estáveis, constituídos pelas disciplinas, e ela conserva o monopólio da distribuição dos diplomas, garantia de um certo domínio desses saberes e saber-fazer. Porém, para conservar seu valor social, os diplomas não constituem um título de valor imutável; seus detentores devem mostrar que possuem efetivamente as capacidades para mobilizar seus conhecimentos em determinadas situações. A empresa surge, então, como um lugar privilegiado para validar essas propriedades denominadas competências, propriedades específicas valorizadas em uma atividade, mas eminentemente instáveis e provisórias, já que ligadas a contextos singulares. (TANGUY, 1997, p. 205)

Ora, diante da deficiência em conceituar perfeitamente competência e qualificação, não parece exagerada e discrepante a forma de perceber as questões formuladas acerca das habilidades e competências necessárias ao exercício profissional, sobretudo, diante da amplitude do conceito de competência já deduzido neste trabalho.

A abordagem da temática, tomou outro viés, ao se perguntar aos docentes quais conteúdos e competências são consideradas necessários para o trabalho profissional no campo do Direito? Aqui, passa-se da base puramente conceitual para uma abordagem prática, veiculando-se a necessidade de compreender quais as pretensões da docência jurídica, ou melhor ainda, qual o alvo do processo de formação no campo do direito.

Os docentes enxergam os conteúdos e competências necessários de modo diversificado, contudo, há aspectos comuns a todos. Neste sentido, eles comungam do mesmo entendimento em relação à necessidade de aliar prática à teoria, porque, consoante afirmam dois dos entrevistados:

É importante juntar a experiência à teoria. Julgo necessário uma prática mais efetiva porque a prática é muito incipiente com a parte acadêmica e com a necessidade do bacharel em direito. (Entrevistado 1)

Para um melhor aproveitamento do curso de Direito faz-se necessário que o corpo docente tenha além de uma formação doutrinária de qualidade, uma experiência profissional da labuta forense, repassando para o aluno a realidade da área jurídica. (Entrevistado 2).

A representação revela que os docentes estão atentos à necessidade de aliar ao conhecimento teórico o “saber fazer”. Estas representações são construídas por todos os membros do corpo docente entrevistados.

Do mesmo modo, há compatibilidade também em relação ao conhecimento de informática, tido como essencial para as atividades jurídicas na atualidade. Entre os respondentes, contudo, uma voz isolada não atribui às inovações tecnológicas a mesma importância que os demais, julgando não ser imprescindível no processo de formação.

De outro lado, três dos entrevistados revelam preocupação intensa com o aspecto emocional associado a aplicação do Direito. Observa um deles que o controle emocional é essencial ao exercício profissional, aduzindo ser necessário,

Além da prática, o controle emocional e uma visão social para aplicar o direito. Por exemplo, os novatos são imbatíveis tecnicamente. Socialmente e emocionalmente são deslocados. As instituições não preparam para o exercício da profissão. É importante focar no controle emocional, na importância deste controle.

A necessidade de uma visão sistêmica do Direito é revelada por dois entrevistados, a ponto de um deles sugerir a necessidade de obtenção de conhecimentos básicos em pelo menos uma ciência afim30. Neste sentido, o argumento utilizado por um dos entrevistados confirma, alegando ser

Necessário incorporar a sociologia, a sociologia jurídica, a ética profissional, a antropologia, antropologia jurídica, demonstram que os currículos começam a despertar

30 Ciência afim ou ciência auxiliar é aquela ciência compreendida como capaz de subsidiar a aplicação do Direito. Neste sentido, a medicina legal, por exemplo, é uma ciência auxiliar que permite compreender questões como o exame de DNA para estabelecimento da paternidade, as lesões corporais e a forma de provoca-las, as doenças mentais que interferem na capacidade de fato, etc. Outros exemplos são a psicologia forense, a sociologia jurídica, a criminologia, enfim, conhecimentos científicos que auxiliam a aplicação ou compreensão do direito.

para a necessidade desta formação. O profissional do direito necessita disto porque ele pensa que é o único habilitado para interpretar a lei...

Aparece ainda, de modo tímido, a necessidade de aprendizagem de pelo menos uma língua estrangeira (01 entrevistado) e a necessidade de desenvolver questões relacionadas à “ética, direitos humanos e métodos alternativos de resolução de conflitos, como mediação e

arbitragem”, habilidade apontada por outro entrevistado. Estas habilidades e conteúdos

apareceram de forma isolada.

Focando as habilidades e conteúdos entendidos pelos docentes como necessários diante da Portaria Ministerial nº 1.886/94, percebe-se que ela requer implicitamente o desenvolvimento de habilidades e competências, somente trazendo de forma clara os conteúdos mínimos a serem estudados. Deste modo, considerando o Projeto Pedagógico ainda vigente, a percepção do corpo docente se mostra mais do que adequada no que se refere ao conteúdo dogmático, entretanto, quanto às habilidades a serem desenvolvidas, a análise das entrevistas sugere um desenvolvimento tímido das práticas pedagógicas que poderiam ser utilizadas.

6.5.3. O Processo de Ensino como Instrumento para Aquisição das Competências e