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A Incorporação das Mudanças Comportamentais nos Currículos Jurídicos O Papel de

CAPÍTULO V A FORMAÇÃO JURÍDICA: UMA QUESTÃO DE GÊNERO? A

5.3. A Incorporação das Mudanças Comportamentais nos Currículos Jurídicos O Papel de

Revendo a bibliografia existente, observa-se que alguns autores têm se debruçado sobre a questão buscando compreender como os cursos jurídicos estão respondendo ou reagindo às novas demandas de competência e qualificação exigidas pelo Projeto da pós modernidade e pelo mundo globalizado. Neste sentido, verifica-se, por exemplo, em alguns pareceres do MEC a realçada preocupação alhures indicada. Também Campello (2000, p. 95) observa que apenas a partir da segunda metade do século XX as mudanças comportamentais, o avanço tecnológico e a internacionalização das relações econômicas impregnaram a Ciência do Direito de um estado de crise em dimensões antes nunca vistas, conduzindo à reflexões. Isto teria conduzido, segundo o autor, à mudanças significativas na estrutura dos direitos individuais a ponto de tornar necessária, no exercício destes direitos, a análise concomitante da(s) sua(s) função(ões) social(is), dentre eles os estudos dos direitos fundamentais das minorias, entre elas as mulheres.

Esta re-estruturação conduz à idéia de que os direitos, neste contexto pós-moderno, devem ser vistos segundo uma razoabilidade e proporcionalidade antes impensada. A concepção da tutela dos interesses difusos e coletivos é uma amostra desta preocupação, dentre outras. Em face destes aspectos, Campello observa que o ordenamento jurídico brasileiro positivado não se mostrou insensível a tais questões, tendo procurado incorporar soluções para os contínuos problemas sociais agudizados pela globalização, pelo incremento de novas tecnologias, pela acelerada crise econômica que assola o mundo inteiro, inclusive o Brasil. Entretanto, resta claro que adentrar nestes pontos sensíveis demanda a obrigatoriedade de levar a efeito alterações razoáveis no sistema. Ditas modificações são percebidas na legislação constitucional e infraconstitucional. À respeito, Campello (2004) adjetiva:

No campo infraconstitucional, o caminho adotado nas últimas décadas no sentido de uma codificação capaz de responder com maior presteza e atualidade à evolução frenética do comportamento social, da ciência e da expansão territorial das relações, mostrou-se apto a traduzir uma resposta pronta e eficaz para um grande número de exigências da sociedade brasileira contemporânea. Conjuntos normativos especializados tais quais, o Estatuto da

Infância e da Adolescência, o Código de Defesa do Consumidor, a Lei dos Juizados Especiais, entre tantos outros, dotaram o Direito de tais meios. (CAMPELLO, 2004, p. 97) Mas, isto não é tudo. No Parecer CNE/CES nº 0055/2004, relatado por José Carlos Almeida da Silva e Lauro Ribas Zimmer, faz-se uma verdadeira incursão sobre os aspectos estruturais que conduziram às contínuas modificações das Diretrizes Curriculares, constatando que está cada dia mais distante à época do currículo mínimo determinado para os cursos de direito no Brasil, ante as exigências contínuas das demandas sociais. Antes desta incursão histórica, observam que as diretrizes atuais

...devem refletir uma dinâmica que atenda aos diferentes perfis de desempenho a cada momento exigido pela sociedade, nessa “heterogeneidade das mudanças sociais”, sempre acompanhadas de novas e mais sofisticadas tecnologias, novas e mais complexas situações jurídicas, a exigir até contínuas revisões do projeto pedagógico do curso jurídico, que assim se constituirá a caixa de ressonância dessas efetivas demandas, para formar profissionais do direito adaptáveis e com a suficiente autonomia intelectual e de conhecimento para que se ajuste sempre às necessidades emergentes, revelando adequado raciocínio jurídico, postura ética, senso de justiça e sólida formação humanística. (SILVA E ZIMMER, 2005, p. 2) Esta fala impõe seja levantada a necessidade de compreender como o magistério está percebendo também as imbricações de gênero e de que forma as suas representações impactam tanto no nominado currículo oculto quanto no projeto pedagógico.

De outro lado, a revisão da literatura sobre a perspectiva de gênero e educação, necessária para a análise da variável gênero a ser focalizada neste estudo, tratando da história do magistério feminino, destaca Almeida (1998, p. 25) que “as mulheres enquanto profissionais têm sido constantemente relegadas ao esquecimento”, sendo alvo da mesma crítica os estudos desenvolvidos por Rosemberg (1992). Diante desta assertiva preliminar e atual, do ponto de vista prático, necessário efetuar o levantamento inicial da literatura sobre a questão em tela, seja porque percebido que através do exercício do magistério feminino se convalidou durante longo tempo a dominação masculina, tanto por que não se tem idéias precisas do que levam as mulheres à profissão do magistério jurídico. Conforme ressalta Jane Soares de Almeida (1998, p. 25):

Ao longo da história, a educação e a profissionalização femininas têm sido sempre relegadas a um plano secundário. Muitas vezes também são objeto de distorções do ponto de vista dos homens e até das próprias mulheres que, por força das imposições culturais, assimilam valores masculinos e aceitam ser confinadas à reprodução biológica e à esfera privada sem questionar esses papéis. Isso implica o estabelecimento de relações de poder entre os dois sexos que passam, também, pela questão do saber, dado que conhecimento e poder estão necessariamente interligados

No caso feminino, alocar às mulheres a responsabilidade educativa das crianças sempre foi uma proposta defendida vigorosamente nos meios políticos e intelectuais brasileiros,

por meio de uma mentalidade forjada nos moldes da herança cultural portuguesa.... (ALMEIDA, 1998, p. 25)

Tratando da abordagem de gênero, na formação acadêmica jurídica: tanto do ponto de vista dos profissionais quanto do(a) professor(a) e do corpo discente, não se pode deixar de focalizar as implicações decorrentes do novo modelo de competências profissionais, sobretudo, no que se refere a introdução das inovações tecnológicas e seus impactos na formação diferenciada de homens e mulheres. Neste sentido, o estado da arte já ressalta que a construção da identidade de gênero pode ser vislumbrada dentro da própria academia, de forma subliminar, implicando no reconhecimento precoce de que, na maioria das vezes, o sujeito desta construção não tem clara percepção sobre ela, sendo esta a constatação deste trabalho.

Guacira Lopes, educadora, reconhece que a construção da identidade ocorre na escola, não sendo fácil perceber esta atividade implícita no currículo acadêmico, neste escopo assegura que: “Os sentidos precisam estar afiados para que sejamos capazes de ver, ouvir, sentir as múltiplas formas de constituição dos sujeitos implicadas na concepção, na organização e no fazer do cotidiano escolar” (LOPES, 1959, p. 59).

De outro lado, estudos também demonstram a diversidade de comportamento entre homem / mulher no que se refere ao confronto com o novo modelo de competências exigido, tornando clara26 a dificuldade feminina de se relacionar com a dimensão inovação tecnológica exigida dos profissionais da contemporaneidade. Não menos importante, é notar que do ponto de vista teórico esta argumentação encontra fundamento, sendo focado, contudo, que tem sido dada pouca importância ao problema. Com efeito, CRUZ (2002) na abordagem sobre “Novas

Tecnologias e Impacto sobre a Mulher”, especificamente indica:

... Os estudos indicam para a dimensão de gênero que cerca a discussão dos novos paradigmas e do impacto das inovações tecnológicas sobre as mulheres e denunciam que esse silencia ajuda a esconder importantes problemas nas novas formas de organização produtiva, em especial no que se refere à equidade social... Em definitivo, as análises feministas não encontram um modelo que permita explicar o mal-estar das mulheres ante a tecnologia, sua indiferença ou seu medo diante de uma máquina. (CRUZ, 2002, p. 126) Essa mudança abrangente de paradigmas tanto no que se refere à inovação tecnológica em si mesma, quanto no que se refere ao seu reflexo na educação ou na busca da compreensão sobre a construção dos processos de identidade do(a) aluno(a) dos cursos de direito, refletido nas práticas pedagógicas, especialmente nos currículos ocultos.

26 Justificado pela própria inserção secular da mulher no espaço privado e somente muito recentemente no espaço público

5.4. Gênero e Direito: A Construção de Novos Papéis Sociais relacionados às Minorias.