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2.1 ESTADO, DESENVOLVIMENTO E POLÍTICAS PÚBLICAS

2.1.1 As Concepções de Estado na América Latina

Os Estados latinos americanos vinculados a CEPAL constituíram-se, segundo o modelo proposto por Prebisch1, a partir de uma concepção de heterodoxia

econômica, com base keynesiana e de construção estruturalista, a qual sempre foi vista como uma opção frente às políticas de cunho neoclássico e orientava os modelos de Estado na América Latina e Caribe.

Desta forma, a CEPAL construiu um pensamento, a partir da periferia do capitalismo, e não aceitou as sugestões de políticas econômicas relacionadas com o contexto de desenvolvimento europeu ou norte-americano, os quais eram pouco ligadas aos padrões de vida latino-americanos. A CEPAL representa um pensamento original de Estado, voltado aos problemas do subdesenvolvimento e centrado nas preocupações dos países capitalistas periféricos, ligados ao contexto da América Latina. (BRUE, 2011).

A abordagem da Comissão ficou conhecida como heterodoxa, em contraste aos adeptos do pensamento ortodoxo que não viam diferenças entre as economias do centro e da periferia. As análises de modelo de Estado defendidas pelos liberais2

distanciam-se dos olhares marxistas. As classes não aparecem em seus discursos, ou preocupações, pois os olhares se apresentam ampliados, como se os conflitos nunca tivessem existido.

Os liberais acreditavam que os Estados passariam pelas mesmas etapas, de acordo com as apresentadas por Rostow3 (1961), para o desenvolvimento

econômico. Ao contrário disso, a CEPAL questionou a política neoclássica e as

1 Raul Prebisch (1901-1986) foi economista argentino secretário executivo da Comissão Econômica

para a América Latina e Caribe (CEPAL) desde sua fundação, 1948 até 1962. Elaborou o primeiro estudo sobre a realidade econômica da América Latina. Contribuiu com a teoria sobre o comércio entre os países subdesenvolvidos e industrializados, com destaque para a tendência dos termos de troca, em prejuízo dos primeiros. Desenvolveu estudo sobre a relação centro-periferia, no qual os países latino-americanos fariam parte de um sistema de relações econômicas internacionais que ele denominou centro-periferia.

2 O pensamento econômico liberal constitui-se, a partir do século XVIII, no processo da Revolução

Industrial, com autores como François Quesnay, estruturando-se como doutrina definitiva nos trabalhos de John Stuart Mill, Adam Smith, David Ricardo. Com o desenvolvimento da economia capitalista e a formação dos monopólios no final do século XIX, os princípios do liberalismo econômico foram cada vez mais entrando em contradição com a nova realidade econômica, baseada na concentração da renda e da propriedade. Essa defasagem acentuou-se com as crises cíclicas do capitalismo, sobretudo a partir da Primeira Guerra Mundial, quando o Estado se tornou um dos principais agentes orientadores das economias nacionais. (SANDRONI, 1999).

3 Na década de 1960, W. W. Rostow (The stages of economic growth, 1959) sugeriu que os países

passam por cinco etapas de desenvolvimento econômico: A sociedade tradicional, As Precondições para o Arranco, O Arranco, A Marcha para a Maturidade e A Era do Consumo em Massa.

novas teorias Keynesianas sobre a formulação de políticas anticíclicas. Dessa forma, a CEPAL se tornou uma opção e uma referência fundamental para os governos da América Latina que viam, nas suas recomendações de políticas públicas, uma saída inovadora para tratar da pobreza, da miséria e do subdesenvolvimento. Esses assuntos não eram explorados pela economia política ortodoxa.

Como infere Paiva (1994), o estruturalismo da CEPAL foi um produto de uma era de esperança e otimismo, pela absorção da socialdemocracia e de um ideal de construção de Estados de bem estar, assim como a aceitação da generalizada ideia de planejamento e de regulação estatal, desde a década de 1950, em que o Nacionalismo, desenvolvimentismo e o anti-imperialismo andavam de braços dados.

Com certeza, o reflexo do desenvolvimento dos países centrais, na periferia, trazia esperanças na construção de Estados fortes, com a adoção de um processo industrial acelerado, justiça social e democracia parlamentar. Enxergavam mudanças estruturais, mas estas dependiam das mudanças econômicas. Dessa maneira, na definição de mudanças estruturais sempre ficou um espaço ambíguo que permitiu uma eventual leitura socialista.

Foi um período que legitimou a maior participação do Estado na economia dos países latino-americanos, pois correspondeu a políticas que fortaleceram as estruturas de bem estar social. De acordo com Paiva (1994), o desenvolvimentismo contribuiu para a ampliação e o fortalecimento dos aparelhos estatais, mas não veio acompanhado de mudanças de porte, nas estruturas sociais, como era esperado.

Cabe ressaltar que o modelo Keynesiano de Estado do Bem Estar Social, baseado no conservadorismo econômico, não foi capaz de garantir, em longo prazo, os direitos sociais e a garantia de pleno emprego, nos países Latinos. Esse fato gerou um elevado custo para os Estados além do esperado. As críticas, advindas dos neoliberais, enfatizavam a necessidade de abertura comercial, a desregulamentação dos custos do Estado, ou seja, um Estado mínimo e o equilíbrio econômico baseado nas leis de mercado. Fica visível, o movimento das classes hegemônicas norteados na luta para a permanência no poder.

Com o fim do movimento desenvolvimentista do Estado de Bem Estar Social, a partir da década de 1970, percebe-se o crescimento do projeto neoliberal impulsionado pela política internacional do Banco Mundial e do Fundo Monetário Internacional. Neste instante, a concepção de Estado, enquanto provedor e

impulsionador do desenvolvimento econômico e social, cedeu lugar às regras das leis de mercado. Assim, o Estado interventor abre espaço para a interferência internacional, na elaboração de políticas públicas locais e disponibiliza ao mercado, as áreas, tais como, saúde, infraestrutura e educação, até então de responsabilidade do Estado, de acordo com Bendrath e Gomes (2010).

As ações empreendidas pelo Estado não foram programadas automaticamente, mas advindas de contradições, com isso, geraram resultados diferentes dos esperados. O impacto das políticas sociais propostas pelo Estado capitalista, especialmente por fazerem referência a grupos diferentes, sofrem o efeito de interesses diversos que se encontram expressos nas diferentes relações sociais de poder.

Durante as primeiras décadas do século XX, ocorreram mudanças que ultrapassaram os receios do liberalismo clássico, e com isso, as massas se fortaleceram, cresceram e se organizaram. Diante dessa realidade, discussões se apresentam para melhor entendimento das relações construídas no capitalismo, entre o indivíduo e outros indivíduos e o papel do estado e da democracia nestas relações que formaram as bases do neoliberalismo, como projeto de sociedade e educação.

Surgem, neste contexto, os pensamentos de Friedrich Hayek, com a obra O

Caminho da Servidão, de 1944 e as propostas de Milton Friedman, em sua obra Capitalismo e Liberdade, de 1962, que trata sobre o projeto neoliberal de sociedade

e de educação. O cenário é o da reconstrução dos estados nacionais após a Segunda Guerra Mundial e período da Guerra Fria, em que aconteciam profundas mudanças na divisão internacional do trabalho dentro do capitalismo mundial.

Nesse momento, o pensamento político-econômico de Keynes, que versava sobre os problemas de produção, crise de mercado e confronto de classes, apresentava soluções baseadas no planejamento e regulação do estado sobre a flutuação do mercado, negociações de classes e sobre a concepção do estado- previdência. Hayek, em sua obra, propõe um manifesto contra o Keynesianismo e busca revalorizar os conceitos básicos do individualismo liberal.

O Caminho da Servidão é um manifesto que se dedica a chamar a atenção sobre os efeitos nefastos de políticas coletivistas, tais como as políticas do New Deal americano e do estado-previdenciário europeu, cujos efeitos de planejamento econômico centralizado, exporiam o mundo aos perigos dos regimes totalitários.

Para Hayek, o Capitalismo seria como uma consequência direta do sistema de trocas que teria se ampliado, reproduzido e criado o sistema de mercado, como o conhecemos hoje.

Friedman (1984), por não admitir interferências no sistema de mercado pelo estado, posiciona-se totalmente contrário a qualquer política de subsídios e incentivos de crédito ou fiscal. Alega que, dessa maneira, acarretaria o dispêndio público e levaria a processos inflacionários, com a desestabilização do modelo que defende. Assim, ao resgatar os princípios do liberalismo clássico, avalia que o liberalismo e os liberais corromperam seu sentido primordial quando, no século XX, consideraram:

[...] o bem-estar e a igualdade ou como pré-requisito ou como alternativas para a liberdade. Em nome do bem-estar e da igualdade, o liberal do século XX acabou de favorecer o renascimento das mesmas políticas de intervenção estatal e paternalismo contra as quais tinha lutado o liberalismo clássico. (FRIEDMAN, 1984, p. 14).

O economista não só retoma os princípios liberais, tais como, individualismo econômico e valorização da livre concorrência de mercado, mas também justifica uma visão minimalista do Estado, como um órgão burocrático com funções jurídicas e de gerência mínima. Desse modo, Friedman recupera muitos dos argumentos de Hayek.

Das acepções expostas sobre os modelos de estados e doutrinas que os seguem, importa observar que, de alguma maneira, os Estados da América Latina e Caribe, seguiram caminhos muito idênticos, orientados pelos modelos propostos pela CEPAL, bem como, pelas influências do mercado. Muito embora que, em alguns períodos, ora mais intervencionistas, ora mais liberais, denote-se que as políticas públicas adotadas sempre tiveram uma presença forte do Estado, justamente por serem ‘ações do Estado’. É importante explicitar que após os anos 1990, quando as políticas educacionais passaram a ser fortemente guiadas pelos pressupostos neoliberais, elas tinham um cunho mais voltado para o mercado, e o papel do Estado era o de garantir para que esses pressupostos se concretizassem.