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As CONFINTEAS e as tecnologias digitais na EJA: o que dizem os documentos?

As CONFINTEAS são conferências internacionais que visam estabelecer parâmetros à discussão da EJA, definindo paradigmas e diretrizes que vão delinear esta modalidade de ensino no âmbito global.

Desde o seu surgimento, foram realizadas seis CONFINTEAS: na Dinamarca (1949); no Canadá (1960); no Japão (1972); na França (1985); na Alemanha (1997); e no Brasil (2009). Podemos observar um distanciamento temporal entre a realização destas conferências, isso decorre de ser estabelecido como proposta que as CONFINTEAS ocorram a cada 12 anos, dada a sua natureza.

As CONFINTEAS reúnem um público especializado no segmento da EJA, representante dos cinco continentes. E durante sua realização são debatidas as ações globais para o desenvolvimento da EJA e, mais especificamente, os caminhos para a EJA na década que se segue ao encontro.

As CONFINTEAS têm se estabelecido como um dos fóruns mais influentes na arena internacional da educação de adultos. Nos últimos sessenta anos, foram essas Conferências que debateram e indicaram as grandes diretrizes e políticas globais da educação de adultos para o período entre uma Conferência e a próxima – e, em alguns momentos mais conturbados, evitaram o desaparecimento da Educação de Jovens e Adultos (EJA) das pautas políticas em vários países (IRELAND; SPEZIA, 2014, p. 9).

A realização de uma CONFINTEA pressupõe um longo processo de mobilização e preparação prévio, que ocorre no campo internacional, sendo composto por etapas de discussão nos âmbitos nacionais, regionais e locais. Nos encontros preparatórios são produzidos relatórios e documentos, que irão nortear as discussões da conferência.

Como também, ao término da CONFINTEA são redigidos documentos que sintetizam as discussões realizadas, documentos diretivos para as ações definidas nos debates e elaborados documentos norteadores, que trazem em seu corpo as definições para a EJA, os desafios a serem superados nesta modalidade de ensino e as considerações para um melhor desenvolvimento da aprendizagem dos alunos da EJA. Através desta documentação podemos identificar os conceitos que perpassam o debate em EJA, as prioridades e inconsistências presentes nesta modalidade de ensino, ou mesmo localizar em meio ao debate a discussão de temáticas como as tecnologias na EJA.

O nosso olhar sobre as produções das CONFINTEAs buscou identificar como as tecnologias na Educação de Jovens e Adultos são compreendidas.

Em se tratando da identificação das produções resultantes das CONFINTEAS o livro educação de adultos em retrospectiva: 60 anos de CONFINTEA, organizado por Ireland e Spezia (2014), traz, destas conferências, os temas discutidos nos grupos, os resultados e os documentos elaborados. Nesta leitura, localizamos que as tecnologias na EJA (sob a nomenclatura de tecnologias da informação e comunicação) se constituem uma temática que desponta desde a II CONFINTEA realizada em Montreal, no Canadá.

Entre os pontos debatidos na II CONFINTEA (1960) encontrava-se “a mudança tecnológica e a educação profissional de adultos”. As tecnologias na EJA, então, eram analisadas como uma necessidade para responder ao mercado de trabalho. A sociedade passava por mudanças no seu modo de produção.

Na IV CONFINTEA que ocorreu em Paris, na França em 1985, são instituídas questões específicas para se discutir na conferência entre as quais se situa: “o papel da educação de adultos em relação ao desenvolvimento tecnológico”. Assim como na II CONFINTEA, a discussão das tecnologias na EJA IV CONFINTEA também se caracterizava pela demanda do mercado de trabalho.

A V CONFINTEA realizada Hamburgo, na Alemanha em 1997, é significativa para a nossa reflexão, pois discute as denominadas novas tecnologias da informação em uma perspectiva ampliada. Associa esta discussão aos sentidos dispostos no paradigma da aprendizagem ao longo da vida. Tem como documento central a Declaração de Hamburgo: agenda para o futuro.

A EJA é debatida na V CONFINTEA sob dez temas de estudo. A Declaração de Hamburgo: agenda para o futuro traz estes temas e desmembramentos. Dos temas tratados, destaca-se em nossa análise o “TEMA VII - a educação de adultos, cultura, meios de comunicação e novas tecnologias de informação”.

Vejamos o que ele nos diz:

Tema 7: A Educação de adultos, cultura, meios de comunicação e novas tecnologias de informação 39. A educação oferece aos aprendizes adultos uma oportunidade essencial de utilização de todas as instituições culturais, dos meios de comunicação e das novas tecnologias de informação para estabelecer uma verdadeira comunicação interativa e melhorar a compreensão e cooperação entre os povos e culturas. O respeito pelos indivíduos, por sua cultura e por sua comunidade, é o fundamento do diálogo e da instauração de um clima de confiança, bem como de uma educação e de uma formação pertinente e duradoura. Devem se realizados esforços para assegurar que todas as culturas e grupos sociais tenham acesso mais amplo aos meios de comunicação, e possam ser a eles associados para poderem colocar em comum suas filosofias, criações culturais e modos particulares de vida, e não apenas receber as mensagens de outras culturas.

Nós nos comprometemos a:

40. Estabelecer uma melhor sinergia entre meios de comunicação, novas tecnologias da informação e a educação de adultos:

a) Contribuir para reforçar a função educativa dos meios de comunicação;

b) Fazendo uso dos meios de comunicação para a educação de adultos e fomentando participação de outros agentes no desenvolvimento e avaliação de tais meios;

c) Reconhecendo que os meios de comunicação podem facilitar consideravelmente o acesso à educação de adultos para grupos aos quais essas possibilidades estão fechadas, por meio de campanhas publicitárias, destinadas a estimular sua participação;

d) Examinando o desenvolvimento e a difusão das novas tecnologias numa ótica regional, local e cultural, mas sem esquecer as disparidades da infraestrutura e dos materiais disponíveis;

e) Garantido a igualdade de acesso aos sistemas de aprendizagem aberta e à distância, aos meios de comunicação e as novas tecnologias de informação e de comunicação, assim como a continuidade destes, e fazendo com que as novas tecnologias sirvam para a exploração de novas modalidades de aprendizado;

f) Estimulando uma educação para o uso dos meios de comunicação e modo de absorção dos conteúdos de natureza a ajudar os usuários a exercerem o sentido crítico e o discernimento em face de tais meios; g) Proporcionar a formação de professores e profissionais do setor cultural para estimular o

desenvolvimento a elaboração e aplicação de recursos adequados para a educação de adultos; h) Promovendo a divulgação de materiais didáticos em âmbito regional e mundial.

Declaração de Hamburgo: agenda para o Futuro (1999, p. 50).

Como podemos observar, as tecnologias na EJA alçam voos para além de responder ao mercado de trabalho para se relacionar com a cultura, a sociedade e a aprendizagem.

Vale mencionarmos que a Declaração Mundial sobre Educação para Todos: satisfação das necessidades básicas de aprendizagem, Jomtien, 1990, traz em seu preâmbulo que “Há mais de quarenta anos, as nações do mundo afirmaram na Declaração Universal dos Direitos Humanos que toda pessoa tem direito à educação", mas que “apesar dos esforços realizados por países do mundo inteiro para assegurar o direito à educação para todos” persistiam realidades como: “mais de um terço dos adultos do mundo não têm acesso ao conhecimento impresso, às novas habilidades e tecnologias, que poderiam melhorar a qualidade de vida e ajudá-los aperceber e a adaptar-se às mudanças sociais e culturais” (UNESCO, 1990, p. 1).

A CONFINTEA VI, realizada no Brasil em 2009, no estado de Belém, os documentos

Educação e aprendizagem para todos: olhares dos cinco continentes (resultante do processo preparatório) e o Marco da Ação de Belém/Declaração de Evidência representam as ações da VI CONFINTEA.

O primeiro documento, no capítulo “compromisso renovado para a aprendizagem ao longo da vida: proposta da América Latina e Caribe” destaca entre os desafios que: “Falta aproveitar melhor, com maior sensibilidade e com espírito comunitário, as novas tecnologias para fins educativos, e aprender lições práticas provenientes das experiências dos países que têm desenvolvido iniciativas pioneiras neste terreno” (UNESCO, 2009, p. 13).

No documento é apresentada a necessidade de: i) incentivar a utilização das tecnologias da informação e comunicação como ferramentas para a educação e aprendizagem; e ii) incentivar os governos a adotar estratégias para o uso das tecnologias da informação e comunicação na aprendizagem e educação de adultos e recorrer às mesmas para construir sociedades baseadas no conhecimento.

O Marco da Ação de Belém, sob o tema aproveitando o poder e o potencial da aprendizagem e educação de adultos para um futuro viável, apresenta por meio do anexo denominado Declaração de Evidência, que entre os avanços ocorridos na V a VI CONFINTEAS está o fato de que “as tecnologias de informação e comunicação e a educação aberta e a distância estão sendo adotadas e gradualmente respondendo a necessidades específicas de educandos que até bem recentemente estavam excluídos”. (UNESCO, Marco da Ação de Belém, 2010a, p. 19).

O Marco da Ação de Belém constata, mas não discute as tecnologias digitais na EJA. Esta discussão/análise vai ocorrer em dois documentos relacionados à IV CONFINTEA. São eles: o primeiro e o segundo Relatório Global sobre Aprendizagem e Educação de Adultos (GRALE).

O primeiro GRALE (UNESCO, 2010b, p. 9) traz em seu prefácio que “aprender a usar Tecnologias de Informação e Comunicação (TICs) de forma eficaz é hoje uma necessidade para muitos, se não todos”. E avalia que

As Tecnologias de Informação e Comunicação (TICs) intensificam o ritmo de troca de informações. Elas também permitem que os usuários participem ativamente em redes virtuais que podem ser facilmente mobilizadas para moldar a opinião pública. A globalização significa que indivíduos e famílias estão cruzando as fronteiras nacionais em grande número. Essas pessoas, assim como as comunidades que as acolhem, precisam aprender novas formas de convivência entre culturas diferentes. Essa evolução não apenas destaca a importância da aprendizagem contínua em geral, ela também exige que os adultos continuem adquirindo mais informações, atualizando suas habilidades e reexaminando seus valores (UNESCO, GRALE, 2010, p. 12).

E consideram que:

A introdução das novas TICs resultou numa infinita geração de informações e conhecimentos com os quais as pessoas precisam lidar. Os programas educacionais que capacitam os adultos para lidar com novas tecnologias – que permeiam quase todas as áreas da nossa vida – estão, portanto, respondendo a uma necessidade premente (UNESCO, GRALE, 2010, p. 49).

O Segundo GRALE (2014), intitulado Aprendizagem e Educação de Adultos: repensando a alfabetização, avalia que a alfabetização de adultos também passa pela apropriação tecnológica. E discorre sobre as ações de instrumentos de avaliação da alfabetização o Programme for the International Assessment of Adult Competencies (PIAAC).

Com o PIAAC, novos elementos foram introduzidos no teste direto de competências de alfabetização, como a solução de problemas em um ambiente rico em tecnologia, utilização de competências em TIC e perguntas sobre as competências exigidas no emprego atual ou anterior do entrevistado.

De acordo com o segundo GRALE “muitas pessoas correm o risco de serem excluídas da oportunidade de usar tecnologias de informação e comunicação (TIC) e outras mídias sociais” por não serem alfabetizados. (UNESCO, GRALE, 2014, p. 19).

A leitura de documentos provenientes das CONFINTEAS nos faz considerar que há um longo caminho de debate acerca da inserção das tecnologias digitais na EJA. Pois, se a Educação de Jovens e Adultos é composta por objetivos/significados múltiplos, as tecnologias

na EJA, compreendida como resposta às demandas da EJA, não pode ser diferente: tem significado amplo e, por vezes, subjetivos.

A análise das produções e documentos presente neste capítulo nos faz reafirmar que o professor, como mediador da prática pedagógica vivenciada na EJA, tem muito a nos falar sobre as perspectivas, as possibilidades e os desafios de inserir as tecnologias digitais na Educação de Jovens e Adultos.

4 PERCURSO METODOLÓGICO Comecei a pensar Que eu me organizando Posso desorganizar Que eu desorganizando Posso me organizar (Chico Science)

Este capítulo versa sobre o percurso metodológico da pesquisa, discorrendo a natureza do estudo, a caracterização do campo, os sujeitos envolvidos, os instrumentos aplicados e os procedimentos de análise dos dados.