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6.2 As perspectivas dos professores para com a inserção das tecnologias digitais na EJA

6.2.2 Visão condicional

Ao longo da análise das entrevistas localizamos as perspectivas que denominamos visão condicional. Enquadram-se neste grupo as reflexões que apresentam uma visão positiva à inserção tecnológica na EJA, mas a condicionam a situações e contextos favoráveis.

A existência de uma estrutura que funcione é uma das primeiras condições preestabelecida pelos professores para que se possa fazer uso das tecnologias digitais na prática pedagógica da EJA.

É possível usar as tecnologias na EJA, e é vital, desde que se tenha um suporte por trás disso, uma estrutura... é delicado (P4).

Sim, desde que a sala seja favorável para isso. Porque toda vez que a gente tem que utilizar a gente tem que se deslocar de um ambiente para outro (P3).

Na fala do entrevistado P3 o uso das tecnologias está vinculado a um espaço preestabelecido. Destaca-se a necessidade de um ambiente apropriado para a veiculação das tecnologias no processo pedagógico, uma sala onde se encontrem instalados os equipamentos e possam ser utilizados quando necessário. Dentro deste contexto se localiza a necessidade da presença de um laboratório de informática:

Então assim, a mídia digital ela oferece som, imagem, movimento, que permite que eles façam associações, que enriqueçam a experiência deles na alfabetização. Porque você tem "N" possibilidades, inclusive os jogos educativos específicos para a alfabetização, que ajudam eles a avançarem no aprendizado. Mas precisava a gente ter um laboratório com acesso à internet e esses jogos educativos (P8).

O laboratório de informática representaria o local diferenciado para as ações pedagógicas vinculadas às tecnologias digitais. O que nos chama a atenção é que localizamos esta perspectiva comumente na fala dos professores que atuavam em escolas que não possuíam laboratórios de informática. Aqueles que viveram a experiência dos laboratórios apontavam para a inoperância destes espaços devido à ausência da rede, da manutenção e do suporte pedagógico. Logo, a centralização do uso das tecnologias digitais nos laboratórios é uma condição, no mínimo, conflitante no ideário do professor.

A estes espaços de uso das tecnologias, os professores associam a necessidade de apoio e assistência para o manuseio dos recursos, bem como à necessidade de formação dos professores. O professor P16, inclusive, nos coloca que os “professores também têm que passar por uma reciclagem” para fazer uso das tecnologias.

Outra condição colocada pelos professores para o uso das tecnologias é a possibilidade do controle do uso. Para o professor P10 é possível usar as tecnologias digitais na EJA “desde que possa olhar para não desviar, porque é muito difícil você estar com o smartphone, com o

tablet é mais fácil controlar porque o smartphone é muito pequeno. Então você não consegue ver se o aluno está totalmente”.

Apesar de se colocarem de forma afirmativa para com o uso das tecnologias, os professores destacam que esta inserção pode estar condicionada à faixa etária e à resistência do aluno.

A faixa etária pode determinar de forma significativa a inserção das tecnologias digitais na EJA. As tecnologias são vistas de forma muito positiva para serem trabalhadas em turmas com um maior contingente de jovens. Já em turmas onde prevalece a presença de idosos, o uso pedagógico das tecnologias é visto de forma limitada.

Sim, algumas coisas, um vídeo, DVD, coisas mais leves porque a idade deles não convém tanto à tecnologia atual que é o computador, celular essas coisas... Só se for uma turma bem jovial (P7).

É um pouco mais complicado. Se fosse com jovens era mais fácil. Mas é um pouco mais complicado. Tem uns que mal sabem usar o celular. Já outros têm mais aptidão e aí já é muito mais fácil. Por exemplo, Datashow, esse tipo de coisa, dá para trabalhar legal com eles (P27).

Os professores que relacionaram o uso das tecnologias condicionado à faixa etária salientaram que os adultos e os idosos apresentam resistência à presença das tecnologias na prática pedagógica. Que eles se sentem inapropriados para o manuseio das tecnologias, visto que o contexto geracional e a ausência da leitura e da escrita os distanciam do acesso às tecnologias em seu cotidiano. O professor compreende que o uso das tecnologias digitais para este grupo estaria condicionado a um processo de sensibilização e a uma inserção paulatina destas tecnologias no fazer pedagógico.

É possível e é necessário, agora tem uma situação aí, a gente tem que ter muito cuidado em levar a tecnologia até essas pessoas porque eles têm muito medo de tecnologia (P20).

A diferença etária-geracional é vista como uma das especificidades que caracteriza a EJA. Para o professor esta especificidade agrupa a existência de necessidades pedagógicas diferenciadas, olhares distintos sobre a didática na sala de aula, modos diferenciados de estabelecer conexão com o conhecimento e distintas vivências tecnológica. E no que se refere a vivência tecnológica, a (in)existência desta pode contribuir para a aceitação, ou não, da inserção das tecnologias digitais na prática pedagógica.

Se pensarmos na inserção tecnológica, tendo por objetivo ensinar o aluno a usar o Word para que ele possa copiar palavras predefinidas, de certo veremos ampliada esta resistência. Afinal, para que um idoso quer aprender a copiar “Eva viu a uva” no Word? Ou utilizar o tablet para aprender a tabuada de multiplicar quando ele opera com maestria as quatro operações em seu cotidiano como comerciante? Que sentido tem esta aprendizagem?

Para o professor P13 o uso das tecnologias por si não tem significado. Ela necessita estar atrelado ao planejamento pedagógico, ser significativa à aprendizagem:

Você não pode tá utilizando uma metodologia, seja ela digital ou não, sem ter clareza para o que tá usando. Só para ganhar tempo? Por que todo mundo tá usando? Você não pode tá usando sem sentido. Se você tem isso claro, porque tá usando, e aonde você quer chegar com aquilo, ai realmente você tem resultado. Mas se você não tem isso claro... Porque é assim, hoje se diz assim “tem que ter internet, tem que ter computador, o aluno vai aprender mais se fizer isso ou aquilo”, mas tudo isso é tão relativo, eu acho. Se o professor, ele não tá motivado, ele não tá envolvido, ele não tá querendo, pode ter inúmeras tecnologias e nada vai resolver, vai revolucionar. Porque o uso da tecnologia passa pela vontade da turma, e pela vontade do professor, entendesse? Eu acho. Às vezes o professor que trabalha com o método tradicional, ele consegue alfabetizar, muito mais do que aquele que usa várias tecnologias. Posso condenar o método de determinado professor se ele tá tendo resultado? Se é um método tradicional e o aluno avançou, e aí? Eu vou negar o método só porque é tradicional? Eu só uso quando acho que ele vai criar condições do aluno avançar, que vai dar maturidade para ele compreender aquilo dali na vida dele, lá na frente. Eu não vou passar um filme só para passar tempo... ele tem que criar condições para que o aluno dê mais passos enquanto cidadão (P13).

Gostaríamos de destacar alguns pontos relevantes na fala do professor P13 à nossa discussão da inserção das tecnologias digitais na EJA.

O primeiro ponto diz respeito à compreensão de que o uso das tecnologias na sala de aula da EJA, sejam elas digitais ou não, necessita estar relacionado aos objetivos pedagógicos, não configurando apenas um modismo pedagógico. De que é preciso avaliar se esta inserção tecnológica resulta em aprendizagem, e o quanto esta aprendizagem é mais significativa a partir deste uso.

O segundo ponto é a crítica da inserção tecnológica para passar o tempo. Neste sentido, o uso das tecnologias na EJA é visto como meio para promover o lazer ou para solucionar os desafios da ausência de professores na sala de aula. Ou funciona como camuflagem do cansaço do professor que, por trabalhar três horários, recorre à exibição de longos filmes de forma rotineira para ocupar o aluno ou o tempo da aula, podendo assim descansar.

E o terceiro ponto é o entendimento de que os professores que usam as tecnologias digitais em suas práticas pedagógicas deixam de ter uma prática pedagógica conservadora e passam a ter uma prática pedagógica inovadora. É uma representação, fortemente divulgada nos meios de comunicação, de que tecnologia e inovação são sinônimos. Uma representação que se reproduz na fala dos entrevistados quando os professores justificam a importância das tecnologias digitais à educação ou quando refletem as possibilidades destas à EJA.

Analisamos que os três pontos destacados pelo professor P13 refletem duas das questões centrais à decisão do professor para inserir, ou não, as tecnologias digitais na EJA: a concepção que ele tem de educação e a concepção que ele tem de tecnologia.

O fato de o professor fazer uso das tecnologias no campo pessoal é significativo para poder refleti-las na prática pedagógica, mas não determina a decisão de inseri-las em sua prática, esta, se respalda no seu entendimento de educação e de tecnologia.

Compreendemos que os professores que possuem uma visão condicional à inserção das tecnologias digitais na EJA, encontram-se divididos entre: i) utilizar as tecnologias na EJA, mesmo que de forma precária; ii) aguardar a superação dos desafios para poder utilizá- las; ou iii) não as utilizar por considerar que os desafios apresentados inviabilizam seu uso. É uma decisão que pode estar atrelada a ação de seus pares ou a vivência pedagógica da escola.