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6.2 As perspectivas dos professores para com a inserção das tecnologias digitais na EJA

6.2.3 Visão negativa

A visão negativa para com o uso das tecnologias digitais na EJA, colocada de forma direta, não foi uma verbalização frequente nas entrevistas, assim como também nas respostas ao questionário. O professor se colocava mais confortável estabelecendo condições para este uso do que reconhecendo a impossibilidade deste uso.

Na forma direta, a perspectiva negativa se configura no olhar que o professor tem do aluno. Por exemplo, a entrevistada 7 nos diz que os alunos buscam a EJA para ler a bíblia e se socializar. E que, portanto, neste contexto não caberia a inserção tecnológica na prática pedagógica.

Não. Quando os alunos da EJA vêm para escola eles querem aprender a ler e escrever para ler melhor a bíblia. Todos fazem a mesma coisa, a bíblia para eles é fundamental. É como eu disse, além de aprender a ler e escrever, eles vêm buscar amigos, contar os problemas, reviver tudo (P7).

A docente sempre coerente no seu posicionamento para com a impossibilidade do uso das tecnologias na EJA, tanto nas respostas ao questionário como nas respostas à entrevista, salienta que no campo pessoal faz uso limitado das tecnologias, e que não utiliza a internet por não gostar. Compreende que as tecnologias digitais são “uma praticidade para quem gosta”. Menciona que as tecnologias, de forma geral, têm pouca importância para a educação, porque depois delas os alunos “deixaram de procurar os livros”, e considera que o uso das tecnologias na EJA deve ser apenas “quando houver necessidade”. Compreendemos a dificuldade da professora em refletir o significado das tecnologias na produção do conhecimento dado o seu distanciamento para com esta, inclusive, no campo pessoal.

Para o entrevistado P33, o aluno da EJA não sente falta do uso das tecnologias em seu cotidiano. Ele estaria adaptado a sua condição social. É o aluno proveniente de subempregos, que se mantem ausente dos mecanismos que configuram a sociedade da informação. Vejamos suas considerações:

Não porque eles estão indo muito bem no que estão e como estão, tanto é que não sente falta disso. Se passar um trabalho para eles fazer em nenhum momento eles vão dizer que vão pesquisar na internet, se na internet tem. Então assim, esse grupo de agora ele não sente falta disso, pelo menos eu não percebo isso. Não sente falta ainda, que a internet para ele é um complemento, é uma necessidade, ele não sente falta ainda. Esse grupo tem um perfil, né? Alguns não trabalham, quem trabalha, trabalha em casa de família. Quem trabalha aqui trabalha como cuidadora de idosos. Trabalha em restaurante. São trabalhos que em si não precisa dessas tecnologias (P33).

O olhar sobre o aluno também abrange os aspectos físicos:

Veja o tamanho disso aqui [o smartphone], como é que o aluno vai poder digitar aqui? A única vantagem é que a tela é touch... mas as senhoras tem os dedos muito grandes e com o teclado tão pequeno quanto o smartphone não consegue. Você precisa ter o que? Você precisa ter agilidade. E o adulto não tem essa agilidade. (P10).

Uma característica comum aos entrevistados P7, P33 e P10 é o longo tempo em que lecionam no primeiro segmento da EJA, apresentam, respectivamente, 20, 26 e 23 anos de docência nesta modalidade, possuem sólidos paradigmas acerca de como deve ser a ação pedagógica na EJA, de quem são seus alunos da EJA e quais suas demandas. O diálogo com outras propostas pedagógicas pode significar uma fragilização destes paradigmas.

No entanto, seria preciso considerar que o aluno da EJA dos dias atuais, não apresenta o mesmo perfil do aluno de 20 ou 15 anos atrás. Provavelmente a necessidade de aprender a ler, escrever e participar de forma efetiva da sociedade se mantém ao longo dos anos em que

estes docentes lecionam na EJA. Mas, é importante refletir que as mudanças socioculturais e tecnológicas em nossa sociedade, fortemente relacionada às tecnologias digitais, podem ter resultado em mudanças no perfil do aluno. As necessidades dos sujeitos são contemporâneas ao seu tempo histórico. Se 10 anos atrás os alunos precisavam administrar o fato de serem analfabetos em uma sociedade letrada, hoje eles têm que administrar o fato de serem analfabetos em uma sociedade onde a comunicação e a aquisição do conhecimento passam pela apropriação das tecnológicas digitais. Ignorar esta realidade é fechar janelas para a aprendizagem.

Para a professora P19 o uso das tecnologias apresenta pouca contribuição para a EJA, exceto quando considerado o impacto sobre a autoestima do aluno:

Uso a tecnologia só para que eles vislumbrem a possibilidade de ter um recurso a mais para eles. Eles se sentirem assim "eu estou tão feliz, eu consegui mexer", eles ficam super felizes porque conseguiu fazer a palavra no computador. Mas isso não vai ajudá-lo no mercado de trabalho. Não vai ajudar em nada, na verdade. Vai ajudar sim na questão pessoal deles, na autoestima. As tecnologias na escola ainda é uma coisa muito distante, muito distante. A maioria das escolas que eu passo o computador tá lá, mas a gente não sabe usar, não sabe como usar. (P19).

A fala da professora P19 traz dois aspectos relevantes a considerarmos. O primeiro é a compreensão de que o uso das tecnologias só é significativo à reestruturação da autoestima. Tal entendimento denota a visão de tecnologias que a professora possui, e de como as concebem no campo pedagógico. Aprender a fazer uma palavra no computador, provavelmente pouco contribui à construção da aprendizagem se for trabalhado de forma descontextualizada e sem significado, sem objetivos pedagógicos. O uso das tecnologias digitais, por exemplo, pressupõe a construção de uma relação de interação entre o sujeito, as tecnologias e o conhecimento. Pensar as tecnologias digitais na prática pedagógica é muito mais complexo que escrever uma palavra no computador, é uma reconfiguração no modo de ensinar e aprender. Compreendemos que a fala da professora P19 nos traz fortemente o desafio do despreparo pedagógico à inserção das tecnologias digitais na prática pedagógica da EJA.

O segundo aspecto que gostaríamos de considerar é a frequência com que os professores mencionam a autoestima ao refletir a EJA. Trabalhar a autoestima é analisado como um dos objetivos da EJA. É visto como demanda do aluno da EJA. E corresponde a um dos motivos apresentados, pelos professores, para se utilizar as tecnologias digitais na EJA. Ao refletir sobre este aspecto, analisamos que por trás da necessidade de (re)construção da

autoestima encontra-se a possibilidade de transformação do sujeito. Se, ao apropriar-se dos mecanismos tecnológicos que rege a sociedade, o aluno se transforma como sujeito social, a inserção tecnológica na EJA torna-se válida, mesmo que apenas pensada enquanto propulsora do desenvolvimento da autoestima.

Os quatro professores que têm suas falas ilustrando a visão negativa apresentam em comum o fato de possuírem mais de 50 anos de idade. Tal aspecto nos leve a refletir que eles fazem parte de uma geração que aprendeu a usar as tecnologias, em especial as digitais, de forma paulatina, mesmo no que se refere ao uso no campo pessoal. Não queremos dizer que as pessoas que possuem mais de 50 anos sejam usuários limitados das tecnologias digitais, mas que sua apropriação tecnológica não se deu de forma natural como aos nativos digitais.

As falas dos professores que compõem a visão negativa nos dizem que o nível de apropriação tecnológica destes sujeitos não lhes permite, por exemplo, refletir com abrangência as possibilidades das tecnologias digitais no campo pedagógico da EJA. Por exemplo, compreender que há uma diferença entre aprender a “usar tecnologias” e “aprender com tecnologias”, que há diferença no uso das tecnologias na prática pedagógica quando compreendemos a quem pertence esta tecnologia, se pertence ao professor, ao aluno, ou aos dois simultaneamente.

Ao considerarmos as perspectivas apresentadas pelos professores para com a inserção das tecnologias digitais na EJA, analisamos que de forma efetiva esta inserção é vista como contribuição para o resgate social, para realizar a inclusão digital e favorecer ações pedagógicas. De forma tímida esta inserção é vista como uma resposta às necessidades básicas de aprendizagens. Não localizamos por entre as perspectivas dos entrevistados a inserção das tecnologias digitais na EJA compreendida no âmbito do direito legal.