• Nenhum resultado encontrado

6.2 As perspectivas dos professores para com a inserção das tecnologias digitais na EJA

6.2.1 Visão positiva

As perspectivas analisadas no campo da visão positiva retratam as vozes dos professores que se colocaram de forma afirmativa à inserção das tecnologias digitais na EJA. É característica dos componentes deste grupo verbalizarem as contribuições que estas tecnologias poderiam ou podem proporcionar à EJA.

Uma primeira contribuição que se desponta nas entrevistas, corresponde à possibilidade do uso das tecnologias digitais na EJA colaborar para a promoção da inclusão social. Como apresentamos nos quadros 8 e 9, a inclusão social é apontada pelos professores como um dos principais objetivos da EJA e como uma demanda do aluno da EJA à escola. Ao compreender que a escola faz parte de uma sociedade na qual as tecnologias exercem um papel de destaque, especialmente no que concerne à forma de comunicação e à aquisição do conhecimento, o professor também compreende que o uso das tecnologias que vigoram na sociedade representa um componente de inclusão social. Ou seja, uma competência necessária para transitar de forma significativa na sociedade.

Ela vai confrontar sua realidade. Tecnologia exige um conhecimento para você utilizá-la. Se você vai ter conhecimento para usá-la de uma forma simplificada em sala de aula, você vai ter o conhecimento necessário para usar fora da sala de aula. E hoje em dia o mundo é um mundo tecnológico sem smartphones, sem internet, você não tem acesso a ele, você é excluído da sociedade (P4).

Eles teriam o acesso melhor à comunicação, às informações e até socialmente iam saber como conversar, como estar junto dos outros, filhos, netos e amigos. Então é muito importante. (P34).

Enquanto fator de inclusão social, os professores também situam o acesso às tecnologias como uma resposta ao mercado de trabalho. O Professor P1 nos diz que

Com certeza as tecnologias digitais podem ser usadas na EJA. Deveria, porque o mercado de trabalho já requer essa série de competência (P1).

Como salientam os professores, o aluno da EJA muitas vezes busca na escola uma “capacitação” para o mercado de trabalho. Ele vê a escola como um espaço de construção de competências que lhe permitirá adquirir um trabalho, competir no mercado de trabalho, ser promovido ou ter crescimento profissional. O ensino da técnica profissional pode não ser responsabilidade da escola, mas lhe compete à responsabilidade de alfabetizar, letrar, desenvolver senso crítico e proporcionar aprendizagens que possibilite ao aluno interagir com os mecanismos sociais, incluindo os tecnológicos. E para os entrevistados isto significaria promover uma educação inclusiva.

Enquanto a Educação de Jovens e Adultos não lançar mão de realmente uma educação inclusiva, realmente inclusiva por completo, onde as tecnologias sejam implantadas como um todo na escola. É uma diferença muito grande um aluno que tem acesso à informática e um aluno que só vai jogar. Isso não é fomentar cultura, isso é desperdício de tempo. É como você pegar o lápis e escrever, e você ficar conversando comigo e riscando, conversando comigo e riscando (P1).

A educação inclusiva pode ser compreendida no âmbito da inclusão digital. É o aluno ser capaz de usar os recursos tecnológicos com autonomia. É interessante que a inclusão digital não é diretamente mencionada pelos professores ao considerarem os principais objetivos da EJA e as demandas do aluno à escola, o que não significa que não reconheçam a importância da inclusão digital para o aluno. Pelo contrário, eles consideram que, mesmo de forma limitada, o aluno já faz uso das tecnologias em seu cotidiano.

Por mais que eles tenham dificuldades de se relacionar com a cultura letrada, eles estão inseridos em um contexto social em que as tecnologias aparecem e interferem diretamente na vida. Então não tem como, quando eles vão ao supermercado, as tecnologias estão lá, o computador está lá marcando no caixa do mercadinho pequeno. Tem a própria mídia televisiva que apresenta desta forma. Eles não têm como fugir mais desta realidade. Os próprios aparelhos celulares que todos eles têm; a forma de se comunicar; as relações familiares que eles têm com os netos, que os netos já trazem! (P21).

O uso que os alunos fazem das tecnologias em seu cotidiano, independente do nível de alfabetização e letramento, levam os professores a refletirem a importância da inserção destas na escola. E ao consideram o uso das tecnologias na EJA, compreendem que elas podem ser uma aliada pedagógica para o processo de ensino e aprendizagem.

O uso das tecnologias pode ser um aliado para a gente não ficar só no papel e no quadro. Um facilitador para o professor e um aliado para o aluno na questão da aprendizagem. Porque eles já estão inseridos no mundo digital. A vida já está (P3).

Como podemos visualizar na fala do professor P3, enquanto aliada pedagógica o uso das tecnologias é compreendido como suporte para o ensino e como componente que favorece a aprendizagem. Neste sentido o professor P2 nos diz que

O uso das tecnologias é um modo mais fácil dos alunos aprenderem porque você passa um filme, um vídeo, slides, é um meio atrativo para eles, é uma coisa diferente (P2).

E são aprendizagens que, para a professora P35, vão além dos muros da escola, favorecendo a autonomia dos sujeitos para a aquisição do conhecimento:

A partir do momento que o aluno se apropria desse conhecimento tecnológico ele tem condições de ampliar a aprendizagem dele através de pesquisas, através de compartilhar aprendizagens, dele ver o que está se passando no mundo, dele saber que ele pode conversar com alguém que esteja próximo ou muito longe dele, que ele poderia fazer muitos serviços com a internet sem precisar se locomover, que ele poderia trabalhar os editores de texto com funcionalidade (P35).

A fala da professora P35 nos faz refletir que o uso das tecnologias digitais na EJA pode ser compreendido como um meio de ampliar o olhar do aluno sobre o conhecimento, ou como forma de ampliar o uso que o aluno faz das próprias tecnologias:

Com certeza. Veja só, a partir do momento em que eles estão em casa, que eles estão na igreja, eles têm acesso às tecnologias. Televisão, cinema, eles têm acesso, mas muitas vezes eles não sabem usar. Televisão, eles usam para que? Ver novela. Quando na escola a gente passa um noticiário, a gente frisa uma reportagem, a gente passa um curta diferente, então eles já veem aquela tecnologia com outro olhar. Não é só novela. Tem jornal, tem telejornal, tem minissérie, tem história, tem um monte de coisas. Então eles passam a ver com um outro olhar (P18).

A fala da professora P18 está diretamente relacionada à compreensão de que é objetivo da EJA desenvolver a consciência crítica dos sujeitos. Objetivo referenciado por Paulo Freire, e que se estende ao uso das tecnologias digitais quando compreendemos que é preciso utilizar os recursos tecnológicos de forma consciente e crítica, analisando seus sentidos e o impacto sobre a sociedade. Por exemplo, a internet, as redes sociais, os sites,

componentes intimamente associados às tecnologias digitais, veiculam informações textuais, visuais ou audiovisuais que requer do usuário uma leitura crítica. Não basta ser consumidor de informação, é preciso reconhecer os significados desta informação.

E saber fazer uso das tecnologias, em especial às de comunicação, é visto pelo professor como um fator de desenvolvimento da autoestima do aluno. É o aluno “sentir-se” capaz ao saber utilizar o seu aparelho celular, não necessitando que terceiros leiam as suas mensagens ou façam suas ligações.

Mexe tudo. Na medida em que faz isso ele te chama também para "click aqui, mexa aqui, click aqui para ver esse endereço". Eles se sentem! A própria autoestima começa a melhorar "eu consigo entender como é que funciona”. (P21).

Se o uso das tecnologias digitais na EJA pode impactar a relação do aluno com a sociedade e com o conhecimento, ela também favorecer uma reconfiguração da escola.

Acho que é tentar fazer uma relação com a vida dele fora da escola e dentro da escola. Hoje todo mundo quer usar o celular, e usar as redes sociais. É uma forma de tornar a escola mais moderna, mais atualizada [...]ela traz a escola para sociedade contemporânea. Acho que a escola ainda está muito distante do que está acontecendo fora. Parece que existe um mundo paralelo de tecnologia, de evolução, de forma de comunicação. E na escola continua do mesmo jeito. (P5).

Seria uma ferramenta positiva, muito positiva, porque o mundo hoje lá fora é esse. Quando ele vem para cá, o mundo é estático. Lá fora é movimento. Aí seria juntar a prática, um pouco da prática, na sala de aula (P16).

Analisamos que as perspectivas apresentadas na visão positiva são reflexões de cunho projetivo, que consolida no campo teórico. É o professor que pensa a EJA para além do processo de escolarização.