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partir do século

3.7 As considerações sobre a “Lei dos Doze Bairros”

Ao implantar o até então inusitado gabarito de altura como parâmetro urbanístico sob

forma de Lei em pequena parte da cidade do Recife, o Executivo Municipal estabeleceu a

densidade construtiva como único desequilíbrio urbano. Em segundo lugar, o estabelecimento

da Lei resulta da vontade política do Governo Municipal em atender à reivindicação de uma

parcela bem particularizada da região composta por moradores de classe média alta. Terceiro,

com raio de abrangência limitado e localizado, qualquer justificativa para o uso do gabarito de

altura seria a mesma para qualquer outra parte do Recife, onde as condições urbanas são as

mesmas.

Ora, sabe-se que o controle da densidade construtiva tem implicação sobre a qualidade

de vida urbana. Porém, o papel dessa densidade mais alta ou mais baixa não se constitui por si

só como restrição única e isolada para essa condição de qualidade. Do mesmo modo, criar

regiões privilegiadas em detrimentos de outras áreas em iguais condições, abre perspectiva de

indagações e reivindicação de moradores de outras partes da cidade. Finalmente, estabelecer

limitação do adensamento construtivo como única diretriz do replanejamento e requalificação urbana, caso possível da “Lei dos Doze Bairros”, tem que ser considerada ao se cogitar sua sustentabilidade.

A necessidade de controle do alastramento urbano através do uso de meios inibidores

do crescimento desordenado é indiscutível. Por outro lado, a condição de sucesso dessa mesma

necessidade de controle vai surgir a partir de um planejamento integrado e plural para o

desenvolvimento dessa expansão. Ou seja, para a sua eficácia e sustentabilidade, as iniciativas

públicas para o espraiamento urbano ordenado, em função da necessária sinergia, deveriam se

pautar por princípios e ações que sejam equânimes e universais a todo o tecido urbano da

cidade. Esse preceito atende aos princípios da Teoria Geral dos Sistemas, abordada no Capítulo

I.

O raio de abrangência da “Lei dos Doze Bairros” representa 4% da área física da cidade do Recife, correspondendo a cerca de 5% da sua população. Para esse tipo de ação, implantada

em apenas uma pequena parcela da cidade, o seu sucesso depende, além do seu aporte, das

reações e interações entre a fração e o conjunto. Sobre esse tipo de ação, Duarte escreveu:

Quando um zoneamento é alterado, os proprietários de imóveis na região são os únicos impactados. E o que ocorre, muitas vezes, é que esta alteração beneficia alguns poucos em detrimento do conjunto da cidade ou da região do entorno [...] e por vezes, o impacto na região imediata é positivo, mas, no entorno é negativo. (DUARTE, 2007, p.90-91).

A citação abre questionamentos bastante apropriados à Lei 16.719/01. Qual a razão do

raio de abrangência ser limitado e o caráter de intervenção ser localizado se a justificativa que

lhe deu origem é a mesma para outras partes da cidade? O estabelecimento de qualquer tipo de

controle construtivo deveria antes, ser discutido ou aplicado de forma ampla para outras partes

da cidade com igual perfil, pois o privilégio de uma determinada comunidade em detrimento

do conjunto pode provocar reações, por muitas vezes negativas, como afirma o autor, situação

também preconizada pela Teoria Geral dos Sistemas. Tal situação aconteceria pela

transferência ou ampliação de situações de uma região controlada para outra região lindeira

em estado ainda vulnerável. Heliana Vargas também confirma a afirmação ao relacionar o

As intervenções do poder público podem ser diretas e indiretas. As indiretas referem-se à realização de obras com um forte poder indutor do desenvolvimento. As medidas diretas são aquelas expressas por meio de legislações em que as restrições têm mais força do que as induções. Até certo ponto, essas intervenções podem promover o que é chamado de impacto positivo ou negativo. Se de uma parte as intervenções indiretas podem animar os empreendedores na escolha por uma localização, medidas restritivas (legislações), quanto ao uso e ocupação do solo, e mesmo de ordem ambiental, por outra, podem provocar o efeito contrário. (VARGAS, 2001, p. 73). A autora revela que ações restritivas por meio de legislação provoca o afastamento dos empreendedores. Para a “Lei dos Doze Bairros” significa promover a transferência do capital imobiliário e essa circunstância planejada como necessária para a ARU vai complicar outros

bairros receptivos à migração. Da mesma forma a Lei provoca uma regalia aos moradores da

sua área de abrangência, quando promove a elitização da ARU, ao elevar o preço de vendas

dos imóveis, consequência direta da falta de perspectiva para novas ofertas. Também Ronaldo

Araújo de modo geral, amplia essa ideia:

As modificações legais, mesmo que busquem justificativa nas técnicas de ordenamento, muitas vezes provocam a ordem ou a desordem, que podem resultar em fatores positivos ou negativos para a cidade. (ARAÚJO, 2009, p. 47).

Todos esses autores cogitam efeitos positivos ou negativos como provável

consequência para as modificações por efeito de ações legislativas. Desse modo, pelo exposto,

conclui-se que a “Lei dos Doze Bairros” fez surgir uma área urbana diferenciada cercada de

um entorno que era de idêntico aspecto. Como consequência dessa disposição provoca uma

transferência ou uma ampliação de situações negativas para sua região circundante. Tal condição coloca a “Lei dos Doze Bairros” como causa e efeito ao mesmo tempo, pois no instante que tenta resolver sua problematização faz surgir a mesma situação na região lindeira,

que por sua vez volta a interferir no seu território pela interação que existe entre bairros

vizinhos tornando-se semelhante a um redemoinho.

Tal situação, caracterizada como cíclica, por sua vez vai fazer com que o

sincronia que existe entre os conflitos que foram origem e justificativos para a intervenção e

os conflitos surgidos como consequência da migração do capital imobiliário e das

intercorrências pós-Lei. Tais conflitos, embora independentes, parecem possuir perfis

semelhantes. De fato, tais situações parecem tão semelhantes e confusas, além de não serem

bem demarcadas, que se pode lançar a indagação sobre até onde uma solução com perfil tão

fragmentado é sustentável.

Em termos negativos, todas essas considerações levantadas se pautam sobre dúvidas quanto à eficácia e consequentemente, à sustentabilidade da “Lei dos Doze Bairros”. Tais considerações têm como base primeira a pergunta sobre o porquê da abrangência limitada do

território que compreende a Lei, abrindo um privilégio em detrimento de outras áreas da cidade

com igual demanda. Dessa situação, como citado, surge o pressuposto de que os investimentos

imobiliários para os edifícios altos tenham migrado para a região imediatamente lindeira,

formando um cinturão de arranha-céus e fazendo persistir o problema. Assim, houve uma

transferência de situações, as quais vão ressurgir em regiões circundantes, perseverando a

antiga conjuntura em função da interação que existe entre bairros vizinhos. Outra base para

suscitar dúvidas quanto à eficácia e à sustentabilidade dessa intervenção é a constatação de que

a área dos doze bairros, ao largo da Lei 16.719/01 e postergando situações, conservou

permissão para a instalação de novos empreendimentos de impacto ou que possua uso e

atividade de interferência no tráfego. Finalmente, que a Lei não tenha estabelecido controle

sobre a construção de novos edifícios atratores de grandes públicos e a instalação de novos

pólos atrativos de tráfego para a ARU. Essas omissões revela o gabarito de altura idealizado

como único parâmetro possível para o controle da densidade construtiva. Da mesma forma faz

cogitar que a ação localizada atendeu a um urgente privilégio particular e que, de maneira

Essas indagações remetem às considerações sobre intervenções urbanas aos moldes da “Lei dos Doze Bairros”. Ações que estabeleçam limitações apenas parciais, a partir do uso do gabarito de altura como único parâmetro ou de caráter exclusivista, com caráter de ilha

forçosamente diferenciada do seu entorno, nem sempre conduz a soluções ideais. A construção

da visão de requalificação ou replanejamento do espaço urbano coletivo, como sendo um

método sistemático de gerir as mudanças, segundo Güell (1997), deverá sempre acontecer de

forma ampla, geral e integrada ao próprio desenvolvimento da visão de cidade.

Porém, demonstrar que uma intervenção que assume perfil localizado e parcial nem

sempre é suficiente para gerar uma transformação almejada, seria necessário conhecimento e

domínio de suas transformações, onde se leve em conta aspectos conceituais e práticos e que

envolvam todo o ato da produção do que se poderia caracterizar como sendo a construção de

um planejamento dentro de outro planejamento. Para a busca da realidade dessa comunidade

espacialmente localizada, a eleição de um tipo de avaliação é fundamental.

Nesses termos, é fundamental o conhecimento de aspectos que atestem a eficiência da

Lei e a existência de efeitos pós-Lei que justifique ou que reforce a intencionalidade da

intervenção e que confirmem os fundamentos que respaldaram sua origem e garantem sua

sustentabilidade. A partir dessa ótica Nunes afirma:

Segundo a Prefeitura da Cidade do Recife, não existe um planejamento ou programação de intervenções específicas para a ARU. Assim, as ações atuais programadas pela administração municipal para aquela área se referem apenas à continuação do controle ocupacional através de legislação. Não se pode mensurar em quantitativos o impacto exercido em relação aos diversos órgãos de planejamento ou de concessão de serviços coletivos com a criação da ARU. Porém, por outro lado, a sentimento, é de fácil dedução que o controle de crescimento daquele seu sítio físico tenha influência sobre esses serviços de atendimentos na região. (NUNES, 2008 p.148).

Embora esteja frisado pelo autor que “a sentimento” se tornam visíveis as melhorias sobre os doze bairros ainda não existem indicativos para atestar os benefícios da Lei 16.719/01

da implantação da Lei, também se transporta a uma inquietante situação de fragilidade para

sua sustentação.

Na opinião de Silva (2006), a atividade urbanística é de natureza pública e se exerce

constrangendo e limitando interesses privados, conforme apregoado pelos constantes conflitos urbanos descritos no Capítulo I. Assim, em termos positivos, a “Lei dos Doze Bairros” veio contribuir para firmar uma supremacia necessária, isenta e invulnerável da força do poder

público frente ao eterno jogo de confronto com a iniciativa privada, que por sua vez,

influenciam e refletem-se tanto no redesenho da cidade quanto no melhor modo de vida dos

seus cidadãos. Porém, o valor maior da intervenção está bem mais longe desse conflito, pois o

gabarito das edificações regulamentado pela Lei acontece em função da largura das suas ruas,

de tal modo que impede que ruas estreitas dos doze bairros recebam edificações de grande porte

e assim, sua contribuição maior para consecução da intenção começa com esse ajuste de escalas.

Desse modo, consequentemente, a intervenção possibilitou a oportunidade de dosar proporções

e entrar no mérito de aspectos relativos às possibilidades de elaboração dos bons arranjos

4 O impacto da “Lei dos Doze Bairros” sobre a cidade do