partir do século
APROVAÇÃO/ HABITE-SE
4.4 Comparação entre resultados quantitativos e qualitativos
A visão sistêmica subjetiva permite abarcar sistemas complexos e envolver sistemas
distintos. Um sistema intraurbarno consiste do conjunto de partes classificadas como
subsistemas, onde, teoricamente, acontecem relações de contínuo intercâmbio no qual os
interesses das partes deveriam se subordinar ao todo, permitindo a ocorrência de mudanças
qualitativas através de transferências e mutações. Nesse âmbito, as relações entre atores ou
interlocutores que compõem um mesmo sistema intraurbano terminam por determinar um tipo
de divisão em agrupamentos e estabelecer três subsistemas: do Estado, detentor do poder
normativo; do Capital, apropriador do lucro e do Cidadão, depositário do bem-estar. Sob esse
ângulo, os três subsistemas intraurbanos estariam centrados no significado de cada parte, onde
o governo teria o poder da legislação, a empresa o poder do capital para financiar campanhas e
o cidadão o poder do voto, todos prontos para negociar interesses, tornando a política urbana
um sistema altamente dinâmico e controverso. Nesse ambiente, múltiplos atores ou
interlocutores, com interesses às vezes comuns ou contrários, coletivos ou particulares,
estabelecem ações de planejamento e de gestão das cidades. Sob essa ótica, convém mencionar
Paes Barreto (2013) em análise de transformação da Avenida 17 de agosto, principal corredor
da ARU, em um grande entreposto comercial como consequência da “Lei dos Doze Bairros”:
A regulação urbanística do Recife, de 1961 até 2001, foi estruturada em prol da produtividade do capital, através das sucessivas leis de uso e ocupação do solo. A “Lei dos Doze Bairros”, aprovada para refrear o processo de verticalização daqueles doze bairros, acabou por provocar uma nova onda de
expansão do capital imobiliário. As restrições ao aproveitamento do solo impostas pela Lei levam a que os capitalistas produtores de habitação se lancem à criação de novas áreas privilegiadas, a fim de viabilizar a geração de sobrelucros extraordinários crescentes. A fuga da atividade para os bairros vizinhos à ARU, através da verticalização, reflete a ação da Lei sobre a ganância do capital. O sucesso da empreitada capitalista só foi possível pela aceitação, por parte da demanda, desse novo espaço social, promovido como a ‘extensão’ dos bairros da ARU. É o desejo e a solvência da demanda o que atualmente possibilita ao capital a geração de sobrelucros extraordinários, e, consequentemente, aos proprietários fundiários desses bairros vizinhos, a apropriação de rendas fundiárias de monopólio. (PAES BARRETO, 2013 p. 160).
Em outra passagem, a autora interroga o que se pode resultar da relação entre a
legislação urbanística e o capital. Esclarece que, no momento em que a atividade capitalista de
produção imobiliária se consolida como forte setor da economia tem-se o início de um ciclo
comandado pelo empresário, subjacente à estruturação do espaço urbano. Desse modo, a autora reconhece “os capitalistas produtores de habitação” como sendo parte determinante “à criação de novas áreas privilegiadas” nas cidades.
A princípio, a primeira conclusão a que se pode considerar, em função dos dados levantados, é que a implantação da “Lei dos Doze Bairros” provocou a expansão imobiliária dos bairros circunvizinhos à ARU, através da recente verticalização dos bairros da Torre,
Madalena, Casa Amarela, Encruzilhada e Rosarinho. Na busca de confirmação dessa premissa,
revelada através de dados quantitativos coletados, foi realizada outra pesquisa, de cunho
qualitativo e centralizada no subsistema composto pelas construtoras. Preliminarmente, essa
nova sondagem envolveria uma abordagem a oito empresas identificadas como construtoras de
representativa atuação na ARU. Porém, alguns acontecimentos contribuíram para reduzir esse
universo.
Um dos passos para realização da pesquisa envolveria a identificação do endereço
domiciliar de cada uma das empresas. Nessa busca, constatou-se que uma delas havia decretado
falência e logo foi descartada. O passo seguinte seria o contato para o agendamento de uma
mesmo após prolongadas explicações, sucessivos apelos e repetida argumentação. Em função
de tal objeção, o universo final ficou composto por cinco empresas.
O foco central da pesquisa de cunho complementar seria confirmar os dados
quantitativos já coletadas, tabulados e devidamente analisados. Assim, as questões levantadas
circulam em torno do desejo de identificar se houve realmente a decisão do empresariado em
transferir a atividade capitalista imobiliária para bairros circundantes à ARU ou então, se houve
outro tipo de contingência ou conexão a provocar o arbítrio.
A localização do mercado de atuação das empresas responde pela relatividade circunstancial do seu interesse comercial. Torna-se necessário conhecer as razões do porque foi registrado a atividade das empresas na ARU. Assim, a identificação desse tipo de localização permite uma orientação mais precisa quando descarta incentivos ocasionais como um momento econômico, referências sazonais ou vantagens temporais. Revelando que não existiu a localização relativa, a pesquisa demonstra precisão ao identificar a vontade, estável e regular, e consequentemente, a decisão do empresariado em se estabelecer na ARU, tornando-se, portanto, referência exata e real do interesse da investigação.
As cinco empresas são genuinamente recifenses e uma delas sempre teve o mercado
produtor composto apenas pela zona norte da cidade, região que contém a ARU. Outra constrói
apenas no Recife. As três restantes têm o comércio mais ampliado sendo: uma que constrói para
a cidade de Caruaru; outra para Jaboatão dos Guararapes e Natal e; finalmente, a última que
além do próprio Recife, como as demais, tem o seu mercado expandido para quatro capitais
nordestinas, sendo elas Salvador, Fortaleza, Natal e Maceió.
A abordagem permitiu fazer referência direta entre as cinco empresas pesquisadas e a
objetiva localização geográfica do seu mercado de produção. Dentre os muitos insights que a
pesquisa possibilitou, um deles demonstra que apenas uma empresa abandonou o mercado na ARU em função da “Lei dos Doze Bairros” e que as demais contingenciaram
circunstancialmente a sua produção, através da migração orbital ou da própria permanência na
ARU. Essa metamorfose pode ser vista como adequação das empresas, seja por adaptação ou
mutação, a qualquer nova regra de mercado, prática habitual da ganância do capital em gerar
mercados ou em conservar as garantias existentes para produzir lucros.
Outra diretriz da pesquisa seria investigar se houve algum outro tipo de interferência, externo à “Lei dos Doze Bairros”, na produção corriqueira dessas construtoras e que indicassem uma expansão de mercado da ARU para áreas circundantes. Assim, foi questionado se, a partir de 1996 e em especial para a cidade do Recife, houve algum momento econômico de influência para expansão ou retração dos investimentos imobiliários. A questão buscava responder se, independentemente da existência ou não da Lei, as empresas teriam algum outro tipo de motivação para expandir sua produção às áreas circundantes à ARU. Como momento econômico entenda-se uma referência a um período de tempo de influência qualquer, o nível de produção e de comercialização imobiliária, visto que a economia é cíclica, ou seja, combina
etapas alternadas de expansão com fases de contração.
Nenhuma das empresas apontou um momento econômico em especial. Por outro lado,
todas são unânimes em reconhecer que o movimento do Complexo Industrial Portuário de
SUAPE tenha sido um forte fator de crescimento para a incorporação imobiliária recifense.
A empresa detectada como a de maior movimento declarou que sempre funcionou em “ordem naturalmente crescente e estável”. As demais, em menções díspares, foram sucedendo muitas afirmações: o nosso maior crescimento foi no período entre os anos de 2010 a 2014,
devido à facilidade dos financiamentos imobiliários; um período muito bom foi até o ano de
2005, de lá para cá houve quedas devido à perda de renda das famílias; o mercado era melhor
até o ano de 2002 porque havia disponibilidade de créditos imobiliários, taxas de juros mais acessíveis e prazos mais alongados.
À exceção de SUAPE, as respostas não remetem a uma explicação com clareza
unânime. Por outro lado, também não indicam a existência de um boom imobiliário que, associado a 2001, ano de implantação da “Lei dos Doze Bairros”, houvesse provocado súbita verticalização pós Lei, dos bairros circundantes à ARU. Ao contrário, as respostas contribuem
para reconhecer a implantação da Lei como a única motivação decisiva para a escolha do
entorno à ARU como uma área circunstancialmente atrativa para a potencial migração do
capital imobiliário.
Quatro empresas afirmaram que, apenas no início, a Lei tenha bloqueado seus
investimentos imobiliários na ARU e apenas uma declarou ter optado pela sua retirada
definitiva da área. As demais admitem que, com o tempo, foram se adaptando ao limite de
gabarito dos edifícios. As respostas se consubstanciaram nas seguintes afirmativas: no começo
escassearam a demanda e a oferta por novos terrenos, mas com o tempo, eles reapareceram;
havíamos submetido muitos projetos à aprovação no sentido de garantir proveitos da Lei antiga,
o que nos garantiu alongar nossa permanência na área; reduzimos o tamanho dos
empreendimentos e diminuímos a área das unidades.
Em complemento, outro ponto importante a ser levantado consistiu em buscar conhecer
quais tipos de adaptações surgiram para a continuidade do investimento imobiliário na ARU.
As quatro empresas que continuaram nesse mercado demonstram uma similaridade
contraditória em suas respostas. Ao mesmo tempo que afirmam que não houve qualquer tipo
de adaptação, deixam escapar que perceberam algumas mudanças projetuais. Numa clara demonstração de salvaguarda procuram transferir a produção do “produto ruim” e a partir desse ângulo são unânimes em afirmar que qualquer prejuízo ficou por conta dos donos dos terrenos
com menor ganho de troca. Assim protegidos, declaram que, sempre por exigência do
proprietário do lote, aceitaram diminuir as áreas das unidades, o repasse dos maiores custos aos