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2 Reestruturação e requalificação urbanas

2.2 Reestruturação urbana

A expressão “reestruturação urbana” designa algum tipo de ajuste, renovação ou reabilitação de uma estrutura urbana já existente a fim de devolver a sua qualidade. O termo “estrutura” significa a maneira pela qual as partes de um conjunto estão dispostas entre si, dando coerência ao todo (Enciclopédia Larrousse, 2006, p.1019). Desse modo, reestruturação urbana

significa um processo de intervenção com intenção de possibilitar nova operacionalização a um

sistema urbano existente. Sendo assim, exercerá sua função sobre a estrutura desse espaço

urbano já consolidado. Como tal, ao se intervir em um sistema urbano, o processo de

reestruturação não deve canalizar as ações de forma localizada, mas deve ser estendido sobre

as demais áreas envolventes que compõem o sistema.

A reestruturação urbana passou a ser vista como uma política de requalificação

influenciada sobretudo pelo modelo implantado na cidade de Barcelona, na Espanha, que

constituiu um marco fundamental para o urbanismo mundial. O Modelo Barcelona, segundo o

geógrafo espanhol Capel (2005), congregou um conjunto de intervenções de reestruturação

urbana na cidade de Barcelona, realizadas a partir da aprovação, em 1986, da candidatura da

cidade aos Jogos Olímpicos de 1992. Segundo o autor, as estratégias de transformações

de intervenções com seus “efeitos difusores” conforme a classificação dos técnicos envolvidos. Desse modo, as intervenções pontuais deveriam também promover ou potencializar mudanças

no entorno, recuperando a noção de cidade enquanto um organismo, inclusive com a denominação a esse processo de “metástase positiva”. Capel demonstra que, dentro dessa técnica, havia também a preocupação de garantir a permanência dos habitantes residentes nas

áreas.

Sob o enfoque sistêmico, o modelo de intervenções pontuais estabelecido na

reestruturação urbanística de Barcelona, descrito por Capel (2005), é classificado como um

sistema aberto e a difusão dos efeitos no seu entorno determinou subsistemas interligados e interagindo entre si. Para Montaner (2009, p.10), “certamente este conceito não é novo, mas se desdobra da Crítica da razão (1781) de Kant, que, precisamente, definiu razão arquitetônica como arte de construir sistemas”. O mesmo autor afirma ainda “que o conceito aparecera em Hegel, que definiu uma verdade sistêmica que consistiria na articulação de cada parte ao todo”. Segundo Capel (2005), as intervenções, quando pontuais, são implantadas tanto na

escala de ruas e praças, quanto na abertura e ou monumentalização de grandes espaços públicos.

O mesmo ocorre na reestruturação e ampliação das infraestruturas de áreas consolidadas da

cidade que apresentam problemas tanto em sua região central quanto em seus bairros

periféricos. Ainda com relação a Barcelona, o autor afirma que as ações passam do nível de

correção de déficits locais às ações mais complexas de um projeto maior que impulsiona a

cidade para um contexto internacional de competitividade. Segundo o urbanista Nuno Portas (1985, p.8), a metodologia que privilegiou a “intervenção na cidade existente” rompeu com a concepção, até então dominante, de renovação urbana via substituição sistemática da situação

antiga e dos moradores.

A reestruturação urbana é uma ação recente do planejamento e relativa à possibilidade de elaboração dos “arranjos urbanos”, expressão atribuída a Mumford (1989). Está associada à

evolução do que representou o Modelo Barcelona e com o interesse contemporâneo de

desindustrialização das cidades e da preservação do seu patrimônio. Constitui uma forma de

atuação ligada à cultura urbana e à sustentabilidade dos territórios, enquanto instrumento de

replanejamento e regeneração do tecido urbano. Portanto, representa o resultado da formulação

de estratégias para promover a requalificação urbana de áreas consolidadas e complexas das

cidades.

O progressivo crescimento das cidades e a consequente expansão do espaço urbano

termina por comprometer os recursos disponíveis levando à exaustão dos serviços de

abastecimento. Dessa forma, verifica-se um aumento da degradação do território que leva à

busca de alternativas para correção ou retrocesso da situação. Em vista de tal realidade, a

reestruturação urbana surge como instrumento de intervenção adequado para solucionar

problemas urbanos, desde que aplicado de modo global à cidade, envolvendo população e

técnicos na corresponsabilidade da intervenção. Como tal, a reestruturação urbana é

considerada um eixo prioritário nas intervenções urbanas, que torna possível a regeneração dos

recursos territoriais e o retorno de operacionalização dos serviços de abastecimento, ou seja,

permite recriar uma nova ordem urbana ao tempo em que conserva o desenho urbano existente.

A reestruturação urbana permite ainda a requalificação de bairros e centralidades decadentes

ou abandonadas, regiões saturadas construtivamente e a revitalização dos sítios históricos,

porventura em processo de degradação. Nesse sentido, o processo de reestruturação urbana abre

a expectativa de permanente continuidade de soluções para muitos problemas urbanos

contemporâneos, pois proporciona a segurança da intervenção planejada ideal para qualquer

espaço e a qualquer tempo, desde que envolva toda a abrangência sujeita à ação.

Segundo Capel (2005), esse processo de continuidade foi estabelecido para a cidade de

Barcelona, através de intervenções urbanísticas pós Jogos Olímpicos de 1992. Novas e muitas

segundo o autor, foram realizadas grandes transformações urbanísticas para realização do

Fórum das Culturas, em 2004, e para criação do 22@, bairro de instalação de indústrias high

tech, resultado da transformação de uma zona industrial decadente. Além disso, investiu-se na

criação e ampliação de equipamentos culturais, principalmente em museus, com a intenção de

vender um novo produto: o modelo de desenvolvimento da cidade. Barcelona capacita-se como

cidade global para competir no mercado mundial e polariza recursos e investimentos nacionais

e internacionais. A experiência tem servido como padrão para muitas outras cidades do mundo.

No entanto, chama a atenção de que quando o modelo é implantado visando apenas ao cenário

internacional poderá trazer prejuízos aos próprios habitantes. Segundo o autor, duas questões

se sobressaem: a primeira é relativa à participação do cidadão no processo que promove cada

vez mais interesses em gestão público-privada e a segunda é relativa à escala, de modo que haja

mais sensibilidade às necessidades cotidianas do cidadão comum e que não se criem situações

que terminam fazendo parecer naturais as condições de pobreza e marginalidade social.

A reestruturação urbana constitui um processo de caráter social, realizado por vontade

política, que se dá através de uma intervenção urbana sobre um território consolidado, visando

essencialmente a recriar qualidade de vida que, de algum modo, encontra-se comprometida. A

ação concretiza-se através de formas de requalificação urbana, com acentuado equilíbrio na

abrangência da intervenção, na equidade de uso e ocupação do solo e na isenção e no

comprometimento da capacidade criativa e de inovação dos agentes envolvidos, conforme é

referenciado pelo urbanista Nuno Portas:

Por ‘intervenção na cidade existente’ deveriam ser entendidas as inciativas do poder público ou de setores privados que visassem à reestruturação ou revitalização funcional do tecido urbano (atividades e redes de serviços); à sua recuperação ou reabilitação arquitetônica (edificada e espaços não- construídos designadamente os de uso público); e à sua reapropriação social e cultural (grupos sociais que habitam ou trabalham em tais estruturas, etc.). Sendo assim, a nova política de intervenção deveria tomar como ‘dado econômico e cultural a estrutura e forma de cidade, dos seus bairros e centros, dos seus edifícios, ruas ou quintais’ e como ‘dado social a trama das relações sociais e de atividades que aquelas estruturas físicas suportam e refletem. (NUNO PORTAS, 1985 p. 8).

Desse modo, a reestruturação urbana pressupõe ação de reabilitação realizada através

do processo de intervenção urbana considerada integrada e abrangente. Tal ação tem como

finalidade a recuperação e melhoria de áreas urbanas, notadamente da infraestrutura, da

operacionalização dos serviços de abastecimento, da restauração de estruturas urbanas e

revitalização dos tecidos sociais e econômicos. Tudo isso terá como objetivo salvaguardar e

preservar o ambiente urbano já construído e consolidado, a fim de resgatar seu caráter atrativo

e dinâmico. A essa definição acrescente-se a afirmação do geógrafo Paulo Carvalho:

As estratégias para a requalificação urbana, em sintonia com as principais orientações e tendências evolutivas contemporâneas em matéria de desenvolvimento e planeamento urbano, revelam a primazia da reutilização de infraestruturas e equipamentos existentes em detrimento da construção nova e a reutilização/reconversão de espaços urbanos (devolutos, abandonados ou degradados, em particular) com o objetivo de melhorar as suas condições de uso e fruição. (CARVALHO, 2008, p.43).

O último aspecto a ser considerado sobre o processo de reestruturação urbana é o risco

de imediatismo que por vezes serve de justificativa para a sua implantação. Muitas vezes, para

construir uma imagem política, ou para satisfazer os propósitos particulares de determinado

grupo social ou de executivos imobiliários, os agentes municipais promovem algum tipo de

intervenção urbana de reestruturação cuja iniciativa da ação não se justifica nem tampouco o

seu duvidoso benefício. Segundo Ascher (1994), o fato de serem os municípios os responsáveis

pelo planejamento e urbanismo locais, termina por criar um laço direto e fundamental com a

vida política local. Segundo o autor, as jogadas de marketing, o ritmo dos mandatos e o

calendário eleitoral tornam-se um quadro obrigatório a ser considerado, o que dificulta o

engajamento dos atores locais em empreendimentos de médio e longo prazo. Desse modo,

segundo o autor, há o risco de que o processo de reestruturação urbano venha a colocar-se a

serviço de interesses locais, resultando em intervenções pontuais sem o compromisso que

justifique sua ação. A preocupação é expressa pelo autor ao afirmar:

Resulta disso a existência de formas concretas de urbanização e de reestruturação urbanas relativamente fracionadas, que correspondem às

lógicas operantes dos atores privados. Assim, as cidades são feitas a golpes de projetos, de pedaços, ou seja, de operações com contornos indefinidos, frequentemente introvertidas (para controlar as mais-valias urbanas e favorecer a gestão privada), substituindo-se, em parte, as lógicas de zoneamento e de setorização do período precedente. (ASCHER, 1994 p.90). A mesma preocupação é demonstrada por Capel (2005) ao propor uma reflexão sobre o

papel do cidadão no processo em que se valoriza cada vez mais a gestão público-privada e o

crescimento econômico. Com a visão dominada pela prioridade econômica, o paradigma despreza partes do conjunto. Para tal, o autor alerta sobre a necessidade do modelo “voltar a colocar políticos e técnicos verdadeiramente a serviço dos cidadãos, de suas aspirações e de suas necessidades” (CAPEL, 2005 p.106).