• Nenhum resultado encontrado

PARTE II: ORIENTAÇÕES METODOLÓGICAS

Capítulo 3: Trabalho no terreno

3.5. As crianças fora da casa Magone

Até agora falámos das vidas das crianças enquanto residem no centro de acolhimento, num ambiente onde há regras e ritmo, mas o grupo da casa Magone reside a maior parte do tempo do seu dia nas ruas e num contexto diferente, sem regras e ritmo estabelecido por um centro ou adultos. Esta diferença tem consequências na maneira de se comportarem, no tipo de actividades e nos costumes.

Fora do centro, as crianças criaram o seu próprio ritmo, um ritmo baseado na natureza dos seus trabalhos. Uma grande parte das crianças trabalha num mercado da cidade que se chama “os Congolenses”. Este lugar é um lugar importante porque o trabalho gera dinheiro e com o dinheiro as crianças podem sobreviver. Nas segundas-feiras o mercado está fechado e, por isso, as crianças definiram-no como dia da folga. Neste dia não trabalham e vão divertir-se. Todos os outros dias, particularmente nos dias em que o mercado dos Congolenses está aberto, elas trabalham e estão presentes no lugar de trabalho. Isto não quer dizer que, nesses dias, as crianças trabalhem apenas pois, nem sempre há trabalho todo o tempo pelo que o tempo livre é usado para brincar.

Como já referi, a maior parte das crianças trabalha no mercado dos Congolenses, o que também quer dizer que, quando saem do centro, elas vão para as ruas em grupos. Raramente uma criança sai sozinha do centro. Elas saiem do centro em diferentes formações do grupo, grupos de duas crianças mas também grupos de seis crianças.

130

3.5.1. Nós estamos a passear: lugares importantes

Quando as crianças estão a passear nas ruas, mantêm certos lugares que têm uma grande importância no seu quotidiano. Quero concentrar-me nestes lugares, o que implica um certo lugar e o que faz a criança neste lugar, no sentido de fazer uma valorização desse lugar para a criança.

Há sete lugares que vou considerar, o que não quer dizer que não haja outros lugares importantes para elas. Acontece que estes lugares foram os que mais se destacaram no tempo em que eu passei com as crianças nas ruas.

- Congolenses: quando as crianças falam dos Congolenses estão a referir-se a um

grande mercado que dista cerca 8 quilómetros da casa Magone, sendo um lugar principal onde eles encontram os trabalhos para se sustentarem na vida. Nos Congolenes eles ajudam “as tias e donos” nos negócios, realizando diferentes formas de trabalho tais como: vender peixe, arrumar lixo, lavar pratos e acartar água. Além de ser o lugar de trabalho, é também uma grande praça onde há movimento da cidade de que as crianças gostam. E há sedução do consumo pois neste mercado pode-se adquirir todo o tipo de produtos. Além do consumo, as crianças divertem-se neste movimento pois acontecem sempre coisas inesperadas que, para elas, são divertimento. Mas não há só divertimento pois neste mercado também há um lugar onde as crianças podem jogar na Xbox e

playstation, e podem carregar novas músicas nos seus aparelhos MP3. Ao lado do

mercado há um campo de futebol e há cafés onde se pode usar internet. Para resumir: em primeiro lugar, é um sítio para ganhar dinheiro mas também um sítio para gastar dinheiro e um lugar cheio de divertimento, ou seja, uma combinação atraente para as crianças.

- Sambila (Sambizanga): Sambila ou mais conhecido pelo nome oficial que é

Sambizanga é o bairro de muceque em que a casa Magone está inserida, um bairro marginal da cidade, conhecido porque aqui crescem os bandidos perigosos da cidade. Neste bairro as pessoas não têm muito sustento e vivem em situações de pobreza, a higiene é pouca, os problemas com o álcool e a agressividade são constantes. Mas o Sambizanga também é um bairro em que há muitas festas, a coesão neste bairro é grande pois todos conhecem todos, a fé das pessoas é grande e a maior parte costuma frequentar as igrejas do bairro em que a igreja do Bom Pastor (em frente da casa Magone) é uma igreja famosa. Neste bairro também moram vários DJ´s e kuduristas famosos, que as crianças conhecem e, em conjunto com elas, produziram novas músicas

131

que, com apoio daqueles, que vez em quando gravam um CD. Cada dia as crianças passam por este bairro para entrar no centro e, quando saiem do centro, de manhã, tem que passar necessariamente neste bairro para ir para os outros lugares como o mercado dos Congolenses. Podemos considerar este bairro como o “bairro da casa”, pois as crianças conhecem as pessoas que aqui moram e o bairro tem grande influência nas suas expressões culturais.

- São Paulo: quando as crianças falam do São Paulo, referem-se a um bairro que está

situado ao lado do Sambizanga, um bairro em que elas passam todos os dias e um lugar fértil porque neste bairro há também um grande mercado. Ao lado das crianças estão as “zungeiras” ou vendedeiras a vender vários produtos, por isso, de vez em quando, também trabalham neste bairro quando as tias precisam de apoio. Por causa do mercado, há também bastante lixo neste bairro em que as crianças aproveitam para encontrar: comida, chinelos, roupas, brinquedos e dispositivos electrónicos, fazendo com que as crianças abordem o lixo como um tesouro em que se encontra tudo de que precisam.

- Combatentes: também é um bairro, um bairro principal da cidade, onde se encontram

grandes lojas: supermercados, lojas de electrónica, lojas de brinquedos e lojas de mobilário. É mais um lugar onde as crianças encontram trabalho e, neste sentido, não ajudam as tias mas fazem trabalho para os donos das lojas. Os trabalhos mais frequentes neste bairro são: lavar carros das pessoas que estacionam aqui, guardar lugares para os caros poderem estacionar e ajudar os clientes das lojas a transportar os seus produtos para os carros. As crianças passam frequentemente neste bairro porque, quando querem ir ao mercado dos Congolenses ou à praia, esta rua é o percurso mais curto.

- Chicala: Chicala é um bairro que fica ao lado da praia e quando as crianças se referem

a ele, falam da praia, como já referi quando falei do próprio ritmo que as crianças criaram fora do centro. Chicala é a praia em que elas se encontram todas as semanas para se divertirem. As crianças escolheram uma parte da praia que não é tão acessível para os transeuntes. É aí onde se sentem mais confortáveis pois são lugares que evocam o contexto em que cresceram. Os pescadores desta praia conhecem as crianças e estas ajudam-nos quando vão pescar, mas na maior do tempo as crianças criam o seu próprio divertimento que consiste em nadar, jogar cartas, dar saltos mortais e chupar ngui (droga).

- Ilha de Luanda: é também um bairro habitado essencialmente por pescadores em que

há muitas praias. As crianças falam muito da ilha mas como actualmente estão a melhorar o bairro da ilha de Luanda para o ransformar num lugar mais luxuoso, as

132

crianças concluiram que “o governo tirou ilha de Luanda”, e já não existe mais. Nas histórias das crianças é visível que é um lugar importante onde passaram tempo quando queriam tomar banho, pescar e divertir-se. Não fui visitar ilha de Luanda com as crianças porque decidiram que já não existe mais.

- “Casa da avó”: é uma casa de acolhimento onde as crianças dormem, não é uma casa

de acolhimento oficial mas pretende ser de uma “avó”, senhora idosa que dá às crianças a possibilidade de aí dormirem. Esta casa situa-se no bairro do Marçal que tem fama de ser um bairro perigoso por causa dos bandidos e do alto grau de agressividade, razão pela qual as crianças não me mostraram a “casa da avó”.

3.6. As crianças em grupos nas ruas: Largo 1º de Maio, Bairro São Paulo e