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Expressões culturais, capacidades e desenvolvimento

PARTE I: ORIENTAÇÕES TEÓRICAS

Capítulo 1: As crianças de rua – Abordagem teórica

1.4. As expressões culturais e o desenvolvimento

1.4.2. Expressões culturais, capacidades e desenvolvimento

Na nossa sociedade existem três preconceitos que dominam a nossa maneira de pensar e aprender, o Ocidentalista, o Testista e o Melhorista (Gardner, 2007). O ocidentalista

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significa que damos valor ao pensamento lógico e à racionalidade; o Testista significa que achamos importantes todas as capacidades que podemos testar, e a última o

Melhorista significa que confiamos numa só visão de uma certa pessoa que é

reconhecida como “a melhor” e esquecemos de comparar esta visão com outras (Gardner, 2007). Com estes conceitos não tenho receio de dizer que não valorizamos tudo o que temos em nosso corpo e em mente, já que todas as pessoas têm interesses e habilidades diferentes e nem todas aprendem da mesma maneira. Há muito que aprender uns com os outros. Com esta visão dominante na sociedade contemporânea falta-nos muito conhecimento.

As pessoas têm muitas capacidades diferentes e, neste contexto, as crianças têm muitas capacidades diferentes. Com esta visão como base, não podemos perguntar como é que eu sou inteligente mas de que maneira sou inteligente? (Gardner, 2007)

As crianças em geral, e as crianças da rua em particular, usam e desenvolvem muito mais capacidades do que as que escola formal ensina, sobretudo no que respeita às expressões culturais pois estas crianças estão envolvidas em muitas situações do seu dia-a-dia, o que estimula as suas muitas capacidades para praticar.

Neste capítulo faço uma abordagem sobre o desenvolvimento das expressões culturais tendo como base a Teoria das Inteligências Múltiplas de Howard Gardner. Na minha opinião, a teoria de Gardner que trata das inteligências múltiplas aproxima-se mais da inteligência verdadeira. Ele considera que existem oito inteligências diferentes, que encontramos no quadro 2.

Quadro 2: Modelo das inteligências múltiplas (Gardner, apud Armstrong, 2001)

Inteligência Descrição

Inteligência linguística A capacidade de usar as palavras de forma efectiva (por exemplo como contador de histórias, orador ou político) quer oralmente, quer escrevendo (por exemplo, como poeta dramaturgo, editor ou jornalista)

Inteligência lógico- matemática

A capacidade de usar os números de forma efectiva (por exemplo, como matemático, contador ou estatístico) e para raciocinar bem (por exemplo, como cientista, programador de computador ou lógico).

Inteligência espacial A capacidade de perceber com precisão o mundo visuo-espacial (por exemplo, como caçador, escuteiro ou guia) e de realizar transformações sobre essas percepções (por exemplo, como decorador de interiores, arquitecto, artista ou inventor)

Inteligência corporal- cinestésica

Perícia no uso do corpo todo para expressar ideias e sentimentos (por exemplo como actor, mímico atleta ou dançarino) e facilidade no uso das mãos para produzir ou transformar coisas (por exemplo, como artesão, escultor, mecânico ou cirurgião)

Inteligência musical A capacidade de perceber (por exemplo, como um crítico de música), discriminar (como um critico de música), transformar (como

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compositor) e expressar (como músicos) formas musicais.

Inteligência interpessoal A capacidade de perceber e fazer distinções no humor, intenções, motivações e sentimentos das outras pessoas.

Inteligência intrapessoal Autoconhecimento e capacidade de agir adaptativamente com base neste conhecimento.

Inteligência naturalista Perícia no reconhecimento e classificação das numerosas espécies - a flora e a fauna - do meio ambiente do indivíduo.

Para entender bem a relação da inteligência com as expressões culturais, considero importante a definição que Gardner (2007, p. 21) dá à inteligência: “Uma inteligência implica na capacidade de resolver problemas ou elaborar produtos que são importantes num determinado ambiente ou comunidade cultural”.

Então, constata-se que a cultura é inerente à inteligência, se uma capacidade não é valorizada numa certa cultura ou comunidade, ela nunca pode ser valorizada como inteligência, mas isto também funciona ao contrário pois, quando uma certa capacidade é valorizada numa certa cultura ou comunidade, a mesma ao ser valorizada numa outra cultura, pode entrar em conflito. Por isso é que a Teria das Inteligências Múltiplas é adequada para toda a cultura e sociedade, porque valoriza sempre as capacidades que são importantes numa certa cultura ou comunidade. Por isso, posso dizer que as crianças “de rua”, com as suas capacidades que são valorizados pela sua própria cultura, são inteligentes. Gardner (2007) também confirma que a criação de um produto cultural, ou seja, uma expressão cultural, na medida em que captura e transmite o conhecimento ou expressa as opiniões ou os sentimentos da pessoa. Ele considera que quando há problemas num certo ambiente, comunidade ou cultura, uma teoria científica pode gerar uma solução mas, do mesmo modo, uma composição musical pode resolver um certo problema. Aqui encontramos, então, dois aspectos importantes: o poder da expressão cultural, que não é uma expressão só para divertimento, com vantagens pessoais ou públicas também serve a sociedade. A segunda é a confirmação que a sociedade precisa de várias inteligências para resolver os seus problemas, e que quando uma teoria lógica não pode dar uma resposta, o jogo de futebol ou a pintura conseguem.

Com estas oito inteligências Gardner quer mostrar que cada criança adquire conhecimento de uma maneira diferente ao que ele chama de inteligências múltiplas. Ele não trata a psicologia da aprendizagem mas as diferenças segundo as quais a aprendizagem é estabelecida. A aprendizagem é feita de muitas maneiras mas uma maneira torna-se mais evidente, já que cada indivíduo tem uma inteligência própria que é mais desenvolvida. Nota-se que nunca é só uma inteligência que conta, mas que existe em interacção e contextualização com as outras. Importa realçar aqui que Gardner trata

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as inteligências como habilidades que podem ser desenvolvidas, capacidades que as crianças trazem dentro de si. Elas não são fixas mas podem desenvolver-se. Esta maneira de ver a inteligência foi um choque porque durante muitos anos as pessoas consideraram a inteligência como um dado fixo e inalterável. Como afirmam Herrnstein & Murry, apud Giddens (2001) estão enganados em quatro premissas principais. Põe em causa a sua posição de que a inteligência pode ser descrita por um único número de QI; que as pessoas sejam classificadas de modo significativo, segundo uma única escala de inteligência; que a inteligência deriva substancialmente da herança genética; que a inteligência não possa ser alterada (p. 526). Mas Gardner disse que a inteligência pode ser desenvolvida e não é um dado fixo a partir do nascimento. Santana (2007) diz o seguinte: “os filmes e as fotografias realizados pelas crianças são analisados enquanto uma forma de expressão e/ou linguagem. Tais filmes e fotografias são, neste sentido, representações das vivências quotidianas dos sentimentos e pensamentos das crianças” (p. 141). Isso é apenas um exemplo para mostrar que dentro da criança há muito mais inteligência do que a inteligência de QI que se concentra de forma mais „pura‟ de inteligência e é a capacidade para resolver enigmas matemáticos abstractos (Giddens, 2001)

Com a Teoria das Inteligências Múltiplas, Gardner criou uma visão pluralista da mente, reconhecendo muitas facetas diferentes e separadas da cognição, reconhecendo que as pessoas têm forças cognitivas diferenciadas e estilos cognitivos contrastantes (Gardner, 2007, p. 13). Eu digo que, com a Teoria das IM, Gardner também admite que o contexto e a cultura em que uma criança cresce desempenham um papel fundamental no desenvolvimento das capacidades das crianças. É bem visível que em Angola, a música e a dança têm um papel fundamental na cultura, por isso, já desde a primeira socialização as crianças são confrontadas com estes aspectos da cultura que começam a imitar e desenvolver. A Teoria das IM admite que estas capacidades também podem ser consideradas como uma inteligência e serem valorizadas numa sociedade. Mas a teoria não valoriza apenas as várias aprendizagens e inteligências das pessoas. Quando as pessoas começam a desenvolver uma certa inteligência como a inteligência corporal- cinestésica, isso exerce também boas influências para o seu desenvolvimento social. Por exemplo, Santana (2007) reforça a ideia de que a música/dança permite que as crianças exercitem questões que são difíceis para elas como, por exemplo, a tolerância ao erro. O facto de querer dançar e participar na actividade faz com que ela possa contornar a

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frustração e volta-se para as filmagens. Portanto, reconhecer estas inteligências também envolve aprender habilidades sociais.