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PARTE II: ORIENTAÇÕES METODOLÓGICAS

Capítulo 3: Trabalho no terreno

3.2. Relações das crianças com os adultos

Neste capítulo queria abordar dois tipos de relações com os adultos: a relação que eu construí com os adultos e a relação que as crianças mantiveram com os adultos. Esta última é mais difícil de analisar porque nunca posso ver exactamente a visão delas pois, mesmo através de todos os dados é complexo descrever esta relação. Porém, descrevo-a porque tem bastante influência no comportamento das crianças em determinados lugares, na medida em que o seu comportamento na casa Magone é diferente do que adoptam enquanto estão a passear nas ruas.

3.2.1. Os adultos e a investigadora

Começo com a relação que tive com os adultos, estes com importância nas vidas das crianças: educadores, padres e coordenadores. Começo com os adultos relacionados com a Casa Magone. Com o Padre, que faz toda a coordenação neste projecto social, tive, no início, várias conversas sobre o propósito da minha investigação, tendo combinado a maneira de executar esta investigação na casa Magone. Este contacto não durou muito tempo porque o Padre queria que eu trabalhasse em conjunto com as

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pessoas que trabalham mesmo com as crianças e, desta maneira, encontrei-me com a tia B que desempenhou um papel importante no dia-a-dia da minha investigação. A tia B vive ao lado da casa Magone e conhece todas as crianças que vivem na casa Magone ou visitam frequentemente a casa Magone. A tia ajudou-me na prática com questões em relação ao perigo ou aconselhava-me quando aconteciam coisas que podiam ter consequências prejudiciais. Perguntas tais como: onde andar com as crianças quando eles vão passear nas ruas, que bairros podia visitar com as crianças, com que tipo de pessoas podia aparecer junto das crianças, são algumas em relação às quais ela me aconselhou e às quais dei muita importância. Cada vez que visitava as crianças no centro, ia à casa dela para dizer que estava presente e contar as novidades em relação à investigação.

Além da tia B, tive contactos com vários educadores que trabalharam no centro. Posso considerar estes relacionamentos como sendo entre colegas, eles como educadores das crianças e eu como investigadora. Eles deram-me a liberdade para executar a minha investigação e eu não interferi com os seus trabalhos no centro, embora falássemos nestes assuntos como amigos. O modo como eles agiram com as crianças, será explicado na relação que eles mantêm com as crianças. Portanto, não escondi as conversas que tive com os educadores, situações que as crianças podiam ver. Na prática, eles também me ajudaram quando queria realizar alguma actividade, por exemplo, entrevistar crianças, dar uma aula de holandês, fazer desenhos ou avaliações. Avisava- os quando pretendia realizar uma certa actividade e eles aconselhavam-me sobre que momento seria bom para executar a actividade.

Um dado importante era que as crianças sabiam que mantive contactos com o padre, a tia B e os educadores.

Enquanto trabalhei com as crianças nos vários lugares da rua fui sempre visitá-las em conjunto com a equipa do VIS e do Dom Bosco. Chegávamos lá como um grupo, eles como educadores e eu como investigadora. É importante referir que o grupo variava muitas vezes em relação ao número de pessoas e isto teve como consequência que nem sempre era possível conhecer todas as pessoas. Os educadores mantinham uma relação de amizade uns com os outros e tentei relacionar-me com eles da mesma maneira. Este relacionamento também foi observado enquanto visitámos as crianças, a interacção entre os adultos era forte e boa. De vez em quando não só tive o papel de investigadora como também de educadora, acontecendo isto quando faltavam pessoas em certas actividades. Aí, perguntavam-me se eu podia ajudá-los numa determinada actividade.

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Quando chegávamos a um determinado lugar tentava sempre criar uma certa distância com os educadores para estar mais disponível para as crianças. Aqui, as crianças também podiam vir falar-me tal como com os educadores, porém, menos do que na casa Magone.

3.2.2. Os adultos e as crianças

É importante abordar a relação que as crianças mantinham com os adultos, porque essa relação exerce influência no seu comportamento numa certa área social mas também em relação às suas expressões. Quando as crianças jogam futebol na casa Magone, o educador actua como árbitro. Então, aqui é fundamental a relação que elas mantêm com determinado/a educador/a.

Na casa Magone as crianças têm uma relação com com papéis diferentes com os adultos e por isso também têm um papel diferente com certos adultos. O Padre é o adulto que para elas é alguém sábio, alguém que merece muito respeito porque está relacionado com Deus. As crianças da casa Magone não têm muito contacto com o padre, só nos momentos especiais (saídas, acontecimentos graves, missas) que se encontram com o padre. Por isso a relação é distante mas uma relação com muito respeito, e todos o conhecem. As crianças da casa Margarida mantinham uma relação mais íntima com o padre, tem conversas individuais e ajudam-no quando há trabalho para fazer no bairro, da mesma maneira que com as crianças da casa Magone eles têm muito respeito pelo Padre.

Uma pessoa próxima das crianças é a tia B, as crianças sabem onde ela vive e podem sempre ir à casa dela para conversar. A tia B, também entra várias vezes na casa Magone e brinca com as crianças. Ela conhece melhor as crianças da casa Margarida mas também conhece as crianças da casa Magone, sobretudo aquelas crianças que frequentam várias vezes as noites no centro.

Os adultos mais próximos das crianças são os próprios educadores, com quem as crianças têm uma relação dupla mas isto também depende do educador. Na primeira instância são educadores que cuidam para que as crianças respeitem as regras, fazem actividades educativas e cuidam-nas quando precisam de cuidados especiais. Por outro lado, também são amigos das crianças, brincam com eles e conversam sobre assuntos diários que constituem o quotidiano em Luanda. Este último papel “ser amigo” é um papel que um educador desempenha mais do que o outro, claro que isto tem a ver com o

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seu carácter. As crianças mostram este relacionamento nas suas expressões tal como nos textos do kuduro:

Canção de kuduro: 12-12-2010

“…Várias crianças se reuniram no pátio para cantar as suas canções. Juntos cantaram um kuduro em que encontramos a seguinte frase: “ O irmão¹ é muito grandão, ele tem o peito tipo ladrão!”

¹ Irmão é uma substituição do nome que as crianças usaram nesta frase.

Marcamos aqui o facto que as crianças se sentem confortáveis para brincar com os seus educadores. Ao mesmo tempo fica visível que os próprios educadores têm influências nas suas expressões culturais e desempenham papéis importantes na vida delas.

Mas, mesmo como amigas, as crianças mostram muito respeito pelos seus educadores, chamando-lhes “irmãos”, isto porque fazem parte da igreja e porque consideram que são todos filhos de Deus, logo, são todos irmãos. Uma razão ainda mais importante é o facto que, com este nome, elas revelam um certo respeito pelos educadores e, ao mesmo tempo, também uma certa distância.

As crianças que residem nos vários lugares da rua também estabelecem relacionamentos com os adultos que as visitam. Há um padre que funciona como pai para estas crianças. O padre já realiza este trabalho há muitos anos e, por isso, muitas crianças o conhecem. Do mesmo modo, há certos educadores que as visitam e que já fazem este trabalho há muitos anos, de tal forma que, quando as crianças os reconhecem, demonstram grande felicidade quando estes adultos vão visitá-las. As crianças vêm falar dos seus problemas e mostram que sabem que estes adultos poderiam ajudá-las em termos de cuidados médicos, refeições e roupas.

Os educadores tentam criar uma união considerando que todas as crianças são irmãos e irmãs dos educadores mas também que elas são irmãos/irmãs umas das outras.

As crianças fazem uma separação forte entre o seu grupo e o dos adultos, que integram apenas mesmos adultos pelo que não se integram rápido nestes grupos deles. Os adultos realizam em cada visita actividades educativas e, neste sentido, brincam com as crianças mas não se integram nos seus mundos, deixando uma certa distância. Há grande interesse em saber como vai a vida das crianças, ajudando-as naquilo que é possível. Podemos dizer que o facto de os adultos virem visitar os lugares das crianças faz uma

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diferença grande em relação ao que podem construir; aqui as crianças têm o seu próprio poder.