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1 As defesas da cidade de Lisboa e da barra do Tejo (1580-1598).

A preponderância política, económica, cultural, e demográfica da cidade de Lisboa, desde cedo elevada a capital do Reino, mais tarde do império ultramarino, e putativa capital da Monarquia Católica, tornaram-na no principal objectivo militar de todas as potências que ao longo da história tentaram a subjugação de Portugal. Um dos mais intransigentes promotores da sua importância, senão da sua primazia, foi igualmente um dos responsáveis pela manutenção da sua segurança e inviolabilidade. Referimo-nos ao conde de Portalegre, o mesmo que em 1580 realçara as enormes vantagens que adviriam da integração de Portugal, e que pouco mais de uma década depois tinha a seu cargo a sua governação política e militar. Durante seis difíceis anos de exercício, lutou incansavelmente pela obtenção dos indispensáveis recursos financeiros, militares e navais necessários a uma eficaz política defensiva, criticando o seu desvio para acções ofensivas de duvidosa eficácia. No termo da sua carreira, e antes de abandonar definitivamente o Reino onde vivia há mais de vinte anos, expressou ao novo soberano os mesmos princípios que antes expusera a Felipe II:

«Mas lo principal que me ha movido a hacer este ultimo oficio con mayor secreto es por atreverme a decir humilmente a V. M. que esta vecino de un peligro de tanta importancia y consecuencia, que si Dios le permitiese, no convalecera V. M. de tan duro golpe, aunque conquistase a Inglaterra y se apoderase della; porque la reputacion de un rey de España se puede mantener sin ganar a Londres, y no se puede conservar ni recuperar perdiendo a Lisboa, en la forma que se perdio Cadiz, lo cual esta mas facil y mas dispuesto a suceder que estaba lo de Cadiz quince dias antes que sucediese. V. M. perdone mi atrevimiento y el estar tan lejos de arrepentirme de haber dicho esto tan claro, que con una letra menos juzgara a lo menos que faltaba en la lealtad que debe un vasallo a su señor»301.

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BNE, Ms. E 54, fol. 123; carta de D. Juan de Silva a Felipe III datada de Abril de 1599. Publicado in: CODOIN, t. XLIII, págs. 562-63.

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Das suas palavras depreendemos que, a despeito do esforço militar e financeiro realizado ao longo de uma década, a cidade e a sua barra continuavam vulneráveis, da mesma forma que permaneciam inalteradas as intenções ofensivas da Inglaterra.

A defesa imediata da cidade de Lisboa era assegurada por uma velha muralha medieval que há muito tempo fora ultrapassada pelo contínuo crescimento urbano. Desta forma, uma parte significativa do seu tecido urbano estava completamente desprotegido, com as desvantagens evidenciadas nos dramáticos acontecimentos de 1580 e 1589, e a segurança da própria cidade ficava comprometida com a estreita ligação entre as habitações e a sua cintura defensiva. Esta fragilidade manifestava-se igualmente na zona ribeirinha, ao longo do qual se encontravam instalados os órgãos do poder político, económico e militar do Reino.

Como se pode ver na mais antiga planta da cidade302 o recinto amuralhado de Lisboa era na verdade constituído por dois elementos distintos, a que foram atribuídas funções igualmente distintas. O primeiro, mais pequeno, correspondendo à antiga cerca moura da cidade, também conhecido por castelo da cidade303 servira até 1580 como paço real304 e albergou até ao terramoto de 1755 o arquivo da Torre do Tombo. Após a sua entrada na cidade, em Agosto de 1580, o duque de Alba restituiu-lhe a sua primitiva função militar mandando acrescentar-lhe as estruturas indispensáveis à sua utilização como presídio.

Este antigo recinto da urbe muçulmana encontrava-se agora completamente rodeado pelo casario da cidade, tornando-o incapaz para a sua defesa, mas

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Apesar de existirem algumas vistas da cidade de Lisboa datadas do século XVI, a mais antiga planta conhecida, da autoria do arquitecto João Nunes Tinoco, data apenas de 1650. Nela está assinalada de forma precisa o conjunto amuralhado da cidade, que a guerra com a Espanha obrigava a fortalecer. Mandada copiar no século XIX, perdeu-se na mesma altura o precioso original. Está legendada e assinada pelo seu autor, e tem por título: «Planta da cidade de Lixboa em que se mostrão os muros de vermelho com todas as ruas e praças da cidade dos muros adentro com as declarações postas em seu lugar. Delineada por João Nunes Tinoco, architecto de S. M. Anno 1650». Publicada in Silva, Augusto Vieira da, Plantas topográficas de

Lisboa, Lisboa, 1950., págs. 15-16 e planta nº 1.

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Actual castelo de S. Jorge. 304

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suficiente para a sua opressão. A sua localização, num dos lugares eminentes da cidade, permitia à sua guarnição exercer uma permanente vigilância sobre a cidade e os seus habitantes. Se Felipe II procurou depois conquistar os seus novos súbditos por meios pacíficos, não hesitou em garantir pela força das armas a sua completa pacificação305.

As dificuldades financeiras próprias do final de tão importante campanha militar, para mais quando se procedia à desmobilização de parte significativa dos seus efectivos, obrigou o duque de Alba a financiar as obras no castelo da cidade e no paço da Alcáçova com o dinheiro do imposto destinado à fortaleza de S. Gião. Esta situação motivou de imediato os protestos dos mercadores da mesma cidade, afinal os mais prejudicados com um imposto que já vigorava nos reinados anteriores, e graças ao qual se principiara aquela obra, pelo que foi forçoso encontrar outra forma de financiamento306.

Nos alojamentos então construídos ficou instalado uma parte significativa do

tercio de infantaria espanhola que guarnecia a cidade e as fortificações da

barra do Tejo, e cujo comando foi entregue ao mestre de campo D. Gabriel Niño de Zuñiga. Quando em Julho de 1587 largou de Lisboa, a armada do marquês de Santa Cruz levava a bordo quinze companhias do tercio de Lisboa num total de mil quinhentos e dezanove homens, deixando somente quatro companhias (de cento e oitenta e um soldados cada) a guarnecer aquela fortificação. O valor quantitativo destes contingentes variou enormemente, em virtude da extrema mobilidade das suas companhias, tantas vezes requisitadas e reformadas. Assim, segundo a lista de pagamentos do Pagador Gerónimo de

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AGS, Estado, Leg. 420; carta do Secretário Delgado a D. Juan de Idiáquez, escrita em Badajoz a 7 de Setembro de 1580. Publicado in CODOIN, t. XXXII: «Que las doze galeras que el duque escribe irian a los cabos no sean de las de Napoles y Sicilia sino de las de España, pues habran de volver a invernar, como le parece, a Lisboa, que la chusma dellas ayudara al fuerte que se hade hacer; a la cual respondera si no lo hubiere hecho, advirtiendo que aca parece que forzosamente se habra de hacer en lo alto, pues con la artilleria alcanzara a la marina, y cuando se hubiese de hacer en la marina, es tan bajo que no puede ofender a la ciudad».

306

BA, 49-X-I, fls. 346-346 v.; carta de Felipe II a D. Duarte de Castelo Branco, escrita em Abrantes a 16 de Março de 1581: «Quanto ao pagamento das obras que o duque mandou fazer na alcaçoua e castello dessa çidade pareçeo jnconueniente pagarensse do hum por çento por ser dinheiro que os mercadores conçederon limitadamente pera a obra da torre de Sanct Gião, e que sera escandalo verem no agora aplicar a outras obras antes della ser acabada, e que sera mais meu seruiço pagarensse do dinheiro das terças, auisarmeeis do dinheiro que pera isso auera dellas».

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Aranda datada de 18 de Junho de 1593, o tercio estacionado em Lisboa, de que D. Luís de Ribera era o novo mestre de campo, era formado por apenas nove companhias, em vez das dezanove com que chegou a contar apenas seis anos antes307.

Nos anos de 1595 e 1596, perante a ameaça de novas tentativas inglesas contra a cidade de Lisboa, D. Juan de Silva mandou reforçar a sua estrutura, dotando-a de novas plataformas para a artilharia. Foram ainda melhoradas outras infra-estruturas, designadamente os alojamentos dos soldados e as cisternas308.

O segundo elemento defensivo da cidade era constituído pela muralha com que fora guarnecida ainda durante o período da dinastia afonsina, bastante reforçada no século XIV pelo último representante daquele ramo dinástico. Aos melhoramentos então introduzidos ficou a dever-se a inviolabilidade da cidade, cercada por um exército castelhano em 1384 no decorrer da crise sucessória de 1383-1385. O mesmo não aconteceu quase dois séculos depois, quando após a derrota do exército português nos arrabaldes da cidade, os seus habitantes consideraram não ter condições para suportar o cerco e bateria do exército do duque de Alba. A velha muralha fernandina, concebida para suportar longas operações de cerco, revelava-se impotente para resistir aos engenhos pirobalísticos de um exército moderno.

Durante o assédio de 1589, como nos aprestos defensivos que se tomaram nos anos imediatos, os Capitães Gerais providenciavam de forma provisória ao reforço da muralha, sobretudo nos seus pontos mais fracos: as portas, postigos, e demais passagens, eram encerradas ou entaipadas309; as

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ANTT, CC, P. II, M. 263, doc. 3. Lista de pagamentos do Pagador Gerónimo de Arce, feita em Lisboa a 18 de Junho de 1593.

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AGS, GA, Leg. 425-119; carta de D. Juan de Silva a Felipe II, escrita em Lisboa a 13 de março de 1595: «El castillo desta çiudad ha menester algunos reparos para çerrar y reforzar lugares abiertos y flacos, tratare luego dello; y en las çisternas no han seruido el buen recaudo que yo quissiera guardarse ha bien de aqui adelante y recogerase [?] la agua que llouiere». 309

ACL, Ms. 461, fls. 37-37 v.: «Don Gabriel Niño tenia reconoçida la muralla de Lisboa y entendido muy bien la disposiçion della y lo que convenia hazer, y asi dio relaçion a Su Alteza de las puertas y postigos e otras entradas que convenia cerrar, para que desde luego se hiziese […] y el dicho Don Gabriel Niño puso guarda en todas las puertas de la çiudad, e postas a trechos por todas las murallas dellas».

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habitações que integravam o pano da muralha na sua estrutura construtiva eram, por razões de segurança, mandadas demolir310. A zona ribeirinha, sempre sujeita a acção de uma armada que conseguisse ultrapassar as defesas da barra, para além do baluarte que se construíra junto ao Torreão do Paço da Ribeira, contava nestas ocasiões com estruturas defensivas provisórias feitas com terra e faxina, normalmente paliçadas e trincheiras. Quando em 1589 se temia que a armada inglesa conseguisse ultrapassar as defesas da barra e viesse postar-se em frente da cidade, o almirante Matias de Albuquerque mandou abrir trincheiras ao longo da praia, desde o Corpo Santo até ao Terreiro do Paço, utilizando para isso as reservas de madeira do estaleiro da Ribeira das Naus. Mais tarde, já nos últimos dias da campanha, por indicação de D. Alonso de Vargas, a linha de trincheiras foi reforçada e alargada311.

A ausência de um dispositivo capaz de assegurar de forma permanente a defesa da linha de costa fronteira à parte baixa da cidade obrigou a recorrer à imaginação de artífices e inventores ocasionais, responsáveis pela execução de diversos engenhos, alguns nunca provaram a sua eficácia. Os mais vulgarmente propostos, e ao que parece executados, eram simples barreiras de madeira e metal ancorados ao longo da costa, ou atravessados na barra, de modo a impedir a navegação ou operações de desembarque. Um destes aparelhos pode ser visto num desenho à pena da cidade de Lisboa, datado de 1596 ou 1597, é uma ilustração rigorosa dos acontecimentos militares que ocorreram em Lisboa ao longo dos anos noventa. Na Ribeira das Naus e no

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« […] foi grande admiração na gente queimaremse tambem, per orden de capitães que o devião entender, muitas casas que estavão pegadas aos muros da parte de fora, e a de Alvaro Gonsalves de Moura da parte de dentro, ao postigo da Trindade, […]. E asi tiverão todas as pessoas a que tocava esta perda do derrubar das casas por açertado, o que se fes se fora necessario, mas vendo depois que se pudera escusar, requerem seu interesse e sentem o que perderão pedindo satisfação, a que se cre tera Sua Magestade respeito, sendo lhe devida per justiça» (idem).

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.:«[…] en la Ribera de las Naos que sae [?] desde aquella muralla a la mar, y desde la casa de la Corterreal [sic] a la [Casa] de la India el terçio de Matias de Albuquerque, de la gente de mar que tenia para el armada, el qual atrincheo aquel sitio con la madera nueva y vieja que alli allo. [...]. En 10 de junio llego Don Alonso de Vargas, del Consejo de Guerra y teniente del Prior Don Fernado, e general de la cavallería de España, y visito toda la çiudad requeriendo todas las murallas e puertas, y el castillo, y mando atrincherar toda la playa, por junto a la lengua del agua, desde el fuerte de Palaçio hasta el Cayz del Carvon, haziendolos de nuevo e cubriendo con mucha tierra las trincheas que con la madera de las naves avia mandado hazer Matias de Albuquerque en la ribera dellas, desde el fuerte de Palaçio hasta el Cuerpo Santo, poniendo a trechos mas piezas de artilleria de las que avia”. (ibidem, fls. 53 v. e 80 r.).

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Terreiro do Paço (da Ribeira), transformados em praça de armas, evoluem em perfeita ordem esquadrões de infantaria com as suas bandeiras, protegidos de um eventual desembarque por um dispositivo constituído por um conjunto de mastros e barris, unidos entre si, e ancorados ao fundo do rio312. Testemunha destes acontecimentos Pero Roiz Soares deixa-nos uma curta mas viva memória de um destes engenhos, quando relata os acontecimentos ocorridos em 1587:

«Estando desta maneira e com estes sobresaltos tornandosse por nossos pecados Lixboa fronteira d’Africa como dantes o erão Tangere, Ceita e os mais lugares fronteiros; mandarão mais fazer com presteza para atrauesar a barra mastros de naos da India muito grosos, tres e quatro enxeridos huns nos outros, ficando a grosura grandissima, e tanta cantidade auia de ser delles que atrauesaçem toda a barra; e era mestre desta obra hum italiano, e fazianse na Ribeira das Naos»313.

Giovanni Vincenzo Casale e as fortificações da barra do Tejo.

O frade Giovanni Vincenzo Casale iniciou a sua aprendizagem com o escultor florentino Giovanni Angelo Montorsoli, também ele membro da Ordem monástica dos Servos de Maria (Ordine dei Serviti di Maria). De 1575 a 1586 esteve ao serviço dos vice-reis de Nápoles na qualidade de engenheiro, mas a versatilidade que evidenciou ao longo da sua carreira permitiu-lhe desenvolver uma intensa e diversificada actividade, pública e privada, como engenheiro, arquitecto e escultor, comprovada pelos numerosos esboços, desenhos e plantas que deixou no seu taccuino. Em 1576 acompanha a Espanha o vice-rei cessante, D. Pedro Girón, executando diversas comissões, a mais importante das quais na obra do Escorial. É enviado a Portugal em finais de 1589, sendo imediatamente encarregue de executar um amplo projecto de fortificação, que exigiu um prévio e dificultoso levantamento hidrográfico do Tejo. No curto espaço de quatro anos elaborou vários projectos para diversas fortificações,

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AGI, M P, Europa y África, 4; Desenho à pena (circa 1596). 313

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concebeu e dirigiu as obras das fortalezas de Santo António, entre Cascais e S. Gião, e de São Lourenço da Cabeça Seca, no areal do mesmo nome. Apesar da intensa actividade que desenvolveu ao serviço da defesa do Reino, ainda encontrou tempo para se dedicar aos projectos de arquitectura civil e religiosa, dos quais o mais notável é, sem dúvida, o Convento da Cartuxa, em Évora, que lhe foi encomendado pelo Arcebispo D. Teotónio de Bragança. Faleceu em 23 de Dezembro de 1593 na cidade de Coimbra, durante uma das frequentes deslocações que efectuou pela costa portuguesa.

Durante a sua estadia na Península Ibérica Casale foi acompanhado e auxiliado pelo seu sobrinho e discípulo Alexandre Massai, a quem se ficou a dever a sobrevivência da memória da sua actividade em Portugal. Com efeito, Massai aparece associado a dois códices em cujo conteúdo sobressaem desenhos, plantas e numerosa correspondência do frade engenheiro, dos quais o mais valioso é o já referido taccuino314, para o qual parece ter contribuído com algumas plantas. Mais relevante para o estudo da fortificação da barra do Tejo é o traslado das cartas e relações de Casale, e a cópia dos seus projectos, que aparecem incluídas no seu “Tratado descritivo dos Reinos de Portugal e do Algarve”, que concluiu em 1621, na sequência de uma missão de inspecção às suas fortificações. Tivemos a felicidade de encontrar no Arquivo General de Simancas os originais de algumas destas missivas, que comprovam o rigor das transcrições efectuadas por Massai, e conferem a este documento um acrescido valor histórico e documental.

No final do ano de 1589, por recomendação de D. Alonso de Vargas, membro do Conselho de Guerra e veterano da guerra dos Países Baixos315, o Cardeal Arquiduque mandou proceder a novo levantamento das barras do Tejo e do

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BNE, Códice B16-49.

315AGS, GA, Leg. 254-141; carta do conde de Fuentes, Capitão Geral de Portugal, a Felipe II,

escrita em Lisboa a 23 de Dezembro de 1589: «Antes que se fuese de aqui Don Alonso de Vargas se asentou que de las mas conuinientes cosas para desalojar qualquier navio que llegase aca […] era hazer un fuerte donde y en la forma que lleua disignado Philipe Terçio [Terzi], que alcança a Cascaes y por esta outra parte a San Gian, como V. Mag. vera, y assi e dexado de dar mas particular quenta despues que lo escrevi la primera vez. Fray Juan Vicençio Casale affirma que podra hazer [en] el arenal que se pretende frontero de San Gian un fuerte, y que se se pierde tiempo despues no le avra para acabarle, y la razon desto lleva assi por su parte Philipe Terçio».

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Sado e das suas fortificações, nomeando-se para essa tarefa o engenheiro italiano Giovanni Vincenzo Casale. A instrução incluía, para além do reconhecimento das barras, a realização de plantas e modelos da muralha de Lisboa, das vilas e fortificações de Cascais, Setúbal, Almada e Palmela, bem como do troço de costa entre Cascais e Oeiras, onde se pretendia erigir nova fortificação; devia ainda apresentar uma proposta para a reforma da velha Torre de Belém.

O relatório elaborado por aquele militar enfatiza a necessidade de fortificar os bancos de areia que dividem a barra, de modo que a sua artilharia possa cruzar fogos eficazmente com as fortalezas ribeirinhas de S. Gião e da Trafaria, solução que já fora em provisoriamente adoptada em pelo menos duas ocasiões. Com efeito, durante os acontecimentos militares de 1580 e 1589 foram levantadas plataformas para artilharia no areal da Cabeça Seca. Desta necessidade nasceu uma das mais originais e arrojadas obras de engenharia da dinastia filipina: a fortaleza de S. Lourenço da Cabeça Seca, mais conhecida pelo nome de Bugio.

A fortaleza de S. Lourenço da Cabeça Seca.

Após um rápido mas conclusivo reconhecimento, Casale enviou, nos primeiros dias de 1590, um projecto detalhado, com as respectivas traças (planta e perfil) e um modelo reduzido, no qual descreve minuciosamente o local escolhido para a edificação da nova fortaleza, os materiais a empregar, bem como uma primeira estimativa do custo e do prazo de conclusão da obra. As características físicas do local tornavam-no praticamente inexpugnável, mas levantavam igualmente enormes dificuldades técnicas, como então acontecia com a maioria das obras hidráulicas. Não menos importante que a escolha do local, ou a técnica construtiva, foi a determinação da forma mais conveniente para aquela fortaleza, que tivesse em conta o enorme desgaste que a acção do mar normalmente proporciona, e a capacidade defensiva e ofensiva, que era afinal a razão da sua edificação. Após algumas hesitações, Casale optou

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finalmente pela forma circular por considerar ser esta uma das mais resistentes à acção do mar e, principalmente, por ser a que, na sua opinião, permite maior capacidade de fogo, conforme se pode ler na relação que enviou a Felipe II:

«Rispeito a calidade do sitio e tamben ao não poder ser ofendido nem de bateria nem de asalto, sou de pareçer que basta fazer hum toreão redondo com hua praça em roda comforme a traça que eu mando a V. M. na qual na praça baxa que rodea ao redor do toreão nella poderão estar, querendo, 30 pessas de artelharia grandes, e na de sima