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Os estaleiros navais receberam, durante a época moderna, diferentes denominações, de acordo com as suas características específicas e, naturalmente, com a língua dos países onde estavam implantados. Em Espanha, era mais utilizado o termo «atarazana», enquanto em França e em Itália se vulgarizou a designação de «arsenal»154, especialmente associada aos estaleiros da República de São Marcos. No entanto, a partir do século XVI apenas os maiores centros de construção naval eram conhecidos por

atarazanas.

No início do século XVI as Reials Drassanes de Barcelona eram o mais importante centro de construção naval da Monarquia Hispânica, seguindo-se as de Nápoles e da Sicília. Estes últimos, beneficiavam da existência de vastos recursos em matérias-primas, em especial de madeira e betume. Os bosques da região de Nápoles forneceram ao longo de vários séculos material lenhoso suficiente para abastecer não apenas a sua atarazana155, como também os estaleiros de cidades vizinhas, como Amalfi, Sorrento e Gaeta.

As atarazanas dependiam directamente do Conselho de Guerra, estando reservado para os vice-reis da Catalunha, de Nápoles e da Sícilia, na qualidade de capitães gerais daqueles Estados, o papel de supervisão e inspecção de toda a actividade. A supervisão estava, no entanto, limitada à natureza e procedência dos meios financeiros utilizados; quando estes são estranhos ao património real, o vice-rei não tem qualquer autoridade sobre a construção.

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Crescentio, op. cit, pág. 548: “L’arsenale, o adarsenale, che Vitruuio chiama Naualis, come habbiamo detto, e il loco oue al coperto la maestranza lauora i corpi de’noui vascelli dell’armata, & i vecchi restaura”.

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Cuja produção era só por si considerável; apenas durante o ano de 1565 foram construídos, naquela cidade, 25 galés (dados de Olesa Muñido, Francisco Felipe, La organización naval de

los Estados Mediterráneos y en especial de España durante los siglos XVI y XVII, vol. II,

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Estavam, igualmente, obrigados a proceder a visitas regulares, inspeccionando a actividade construtiva no seu conjunto (construção e reparação), bem como o armazenamento dos apetrechos navais, da artilharia, das armas e munições.

Competia-lhes, enquanto representantes do Monarca, organizar a construção de unidades navais, quando assim fosse determinado, podendo para tal ordenar a requisição de materiais de construção.

As atarazanas mediterrânicas produziram, à semelhança dos estaleiros particulares, todo o tipo de embarcações, de comércio e de guerra, destinados ao serviço da Coroa ou encomendados por armadores particulares, embora fossem particularmente adaptadas para a construção e armazenamento de galés156, e para delicados trabalhos de reparação naval.

A atarazana de Nápoles empregava, à semelhança dos estaleiros turcos e berberiscos, grande quantidade de mão-de-obra escrava, o que contribuía significativamente para a redução dos custos de produção157. Apesar disso, a primeira metade do século XVI ficou marcada por uma fase de relativa estagnação. O crescimento daquela actividade, extremamente dependente da qualidade e eficácia das estruturas portuárias e industriais, só foi retomado após o lançamento de um projecto construtivo iniciado pelo vice-rei D. Pedro de Toledo158. O grande impulso reformador só viria, no entanto, a ter lugar em 1577, durante o governo do Conde de Mondejar159, quando se optou pelo abandono da antiga estrutura portuária, e pela edificação de uma nova

atarazana, numa zona desabitada situada no extremo oeste da cidade, no

exterior do recinto amuralhado. Projectado e dirigido pelo arquitecto e engenheiro Frei Giovanni Vincenzo Casale160, o novo estaleiro foi construído

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Crescentio, op. cit., pág. 542: “Adarsena e vn’altra sorte di porto, che si fa per tenere le galee a suerno, & disarmate, & al tempo di tornarle ad armar, per poterle spalmare, & dare carena ad altri vascelli, che non pescano troppo fondo [...]”.

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Goodman, Poder y penuria […], pág. 123. 158

Miceio, S., «Vita di D. Pietro di Toledo», in Archivio Storico Italiano, 9, pág. 22. 159

Correspondência do marquês de Mondéjar: AGS, E-Nápoles, Apartado 2º, Leg. 1073 (ano de 1577); Leg. 1074 (ano de 1577); Leg. 1077 (ano de 1578).

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Em 1577 entrou ao serviço do Cardeal Granvelle, então vice-rei de Nápoles, tendo permanecido ao serviço dos seus sucessores até ao ano de 1586. Durante este período dirigiu inúmeras obras de carácter público e privado, mas foi com o empreendimento do Arsenal que obteve o reconhecimento da Coroa e o título de Ingegnero et Regio Architetto.

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com a preocupação de garantir a protecção contra a acção prejudicial dos ventos; no entanto, não obstante a experiência e o empenho de Casale, o

scirocco, predominante naquela região mediterrânica, continuou a dificultar os

trabalhos náuticos e a navegação naquela cidade161. As obras viriam a ficar concluídas em 1597 com a inauguração do novo molhe162.

Esta ampliação, que procurou responder às crescentes necessidades navais da Monarquia Hispânica, parece ter contribuído para o incremento do seu poder naval, graças à construção de um significativo número de embarcações de guerra. O início da sua actividade coincidiu com a celebração das primeiras tréguas hispanos-turcas, que iniciaram um período de relativo abrandamento da actividade naval otomana no mediterrâneo central e ocidental. Este facto, que esteve na origem da redução das esquadras de galés, e a intenção espanhola de alargar a sua hegemonia militar no continente europeu a um espaço marítimo atlântico até então livre de confrontos navais de grande dimensão, potenciou a produção de outros tipos de embarcação de guerra, mais adaptadas às difíceis condições meteorológicas do Mar Oceano.

A sua actividade não se esgotou, contudo, na construção de embarcações «de armada» (para utilizar uma expressão espanhola da época), fossem eles de vela, de remo, ou híbridos (galeaças, galeoncetes, galizabras); procurando responder às obrigações que a sua íntima ligação política, comercial e militar com a Monarquia Hispânica lhe impunham, o reino de Nápoles desempenhou, a partir do terceiro quartel do século XVI, um papel fundamental no abastecimento de cereais, de munições, de aprestos navais e militares à Península Ibérica, aumentando a sua importância estratégica como uma das principais placas giratórias do complexo movimento dos exércitos ao serviço da monarquia filipina.

Esta actividade, essencialmente virada para a satisfação de necessidades militares, é, também ela, o reflexo da crise que atravessa o comércio marítimo

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Ostuni, Nicola, «L’Arsenale della marina e l’economia del Regno di Napoli (sec. XV-XIX)», nota 26.

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napolitano. Com efeito, para além da crise que há longos anos afectava o transporte de mercadorias de curta distância, em virtude da concorrência de outros operadores do Tirreno (Génova) e do Adriático (Veneza e Ragusa), Nápoles teve de enfrentar, a partir da segunda metade do século XVI, a concorrência crescente do transporte terrestre, e, a partir do século XVII, a fortíssima concorrência das marinhas inglesa e holandesa.

A construção ex novo de uma estrutura portuária permitiu, simultaneamente, incrementar a construção naval e alargar significativamente a área dedicada à actividade comercial. O seu sucesso ficou ligado, por exemplo, á construção de embarcações de guerra para armadores ragusanos, entre finais do século XVI e meados do século XVII. Por explicar ficam as razões que os levaram a preferir a atarazana napolitana aos seus próprios estaleiros; pelo nosso lado apenas vislumbramos uma escassa protecção dispensada pelos vice-reis de Nápoles, e uma duvidosa vantagem económica resultante de uma sobreavaliação dos arqueamentos mais favorável aos armadores.

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