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2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

2.2 O CONCEITO DE LUXO

2.2.1 As Dimensões do Conceito de Luxo

As propriedades simbólicas das posses e os comportamentos exibidos pelos indivíduos permitem inferir aspectos de seu estilo de vida, o que, por sua vez, auxilia a demarcar relações sociais (FEATHERSTONE, 1995: CASTARÈDE, 2005; STREHLAU, 2008). Segundo Kapferer e Bastien (2009, p.18), o luxo originalmente configurava o resultado visível da estratificação das sociedades humanas, algo inerente à natureza social do homem: “precisamos saber qual é nosso lugar na sociedade”. Mesmo que contemporaneamente as sociedades tendam a organizar-se de maneira mais democrática, o luxo ainda tem como uma de suas funções primordiais recriar a estratificação social. Em um mundo onde democracia, igualdade de gêneros e globalização levaram as sociedades a perder muito de seus pontos de referência, as marcas de luxo retêm a função de refletir códigos hierárquicos, oferecendo um tipo de orientação social, pois não desapareceu a necessidade fundamental do homem de mostrar distinção, de ser admirado, reconhecido e respeitado. Essa forma de estratificação indireta permanece em prática em todas as culturas, independente da situação econômica (OKONKWO, 2009).

O desejo simbólico de pertencer à classe superior está no cerne do luxo e, à medida que a marca luxuosa situa-se na confluência entre cultura e sucesso social, reflete códigos também culturais (KAPFERER & BASTIEN, 2009), uma vez que a função de distinção social possuída por determinados objetos também deriva da dimensão do conhecimento embutido em seu consumo. O acesso ao luxo pressupõe não só os meios monetários para arcar com o preço da qualidade, mas também um gosto, entendido como o conhecimento de práticas e nuances ignoradas pelos não iniciados, e a expressão de preferências pessoais relacionadas com a dimensão artística do objeto, que vai além de

sua mera funcionalidade (HOLT, 1998). É preciso saber decifrar os códigos apropriados, pois não apenas a posse, mas o uso apropriado dos produtos identificam as fronteiras das classes sociais (STREHLAU, 2008). O conceito de habitus de Bourdieu (2003) – um sistema de estruturas socialmente constituídas, que constituem o princípio gerador e unificador das práticas e das ideologias características de um grupo – oferece uma via para o entendimento do consumo de luxos, na medida em que este depende de competências culturais, ou seja, do domínio de um conjunto de informações adquiridas durante os processos de inserção social dos indivíduos, principalmente por meio da família. A camada social superior domina um conjunto de informações e um tipo de educação que lhe garante acesso e familiaridade com o universo das artes, das atividades culturais e do lazer; assim, suas preferências tanto expressam como reproduzem o habitus (HOLT, 1998). Existe um capital cultural, além do econômico, envolvido no consumo de luxos: é preciso que haja conhecimento das suas regras de consumo e competências em sua utilização, o que demanda aprendizado e prática. O gosto não é definido somente pelo indivíduo, mas também pelo meio social de origem e socialização, o qual fornece essas estruturas de conhecimento compartilhadas (DUBOIS & DUQUESNE, 1993; BOURDIEU, 2003; STREHLAU, 2008). Gatard (1991) lembra o caráter de ritual que também constitui um aspecto essencial do luxo, que envolve gestuais codificados, regras de como fazer e, por vezes, um cenário apropriado.

Strehlau (2008) lembra que o processo de aprendizado relacionado com o consumo de símbolos de status é constante, enquanto os produtos que simbolizam essa distinção social são transitórios. A abundância de marcas e artefatos requer do indivíduo uma grande capacidade de adquirir conhecimento sobre o quê e como consumir. “A evolução dos estilos de vida desloca o luxo do objeto em si para a experiência ou processo, envolvendo o uso ou aquisição. É novamente a instabilidade da representação, ou a transitoriedade da aura de luxo incorporada em determinado produto.” (STREHLAU, 2008, p. 35).

Uma dimensão contemporaneamente muito enfatizada do conceito do luxo é a pessoal. A sociedade pós-industrial, caracterizada em muitos países pela elevação dos níveis de renda e dos estilos de vida, oferece a possibilidade de posse dos signos do luxo como um direito acessível a camadas sociais mais amplas. Ainda que a essência do luxo como

sinal de distinção social permaneça intocada, esse papel pode ser mais controlado pelo indivíduo de acordo com seus objetivos, gostos e critérios individuais, seja pela satisfação do eu, pela afirmação do mérito pessoal, ou pela comunicação de um estilo de vida (DUBOIS & PATERNAULT, 1995; LIPOVESTY, 2007; OKONKWO, 2009). Mesmo as classes menos favorecidas, cultural e economicamente, tendem a buscar os signos de riqueza, de poder e sucesso, que conhecem ou imaginam através das revistas, do cinema ou da televisão. Para esse público, os produtos prestigiosos são democratizados, copiados ou mesmo falsificados – até a ilusão do luxo pode ser comprada (SERRAF, 1991).

Tsai (2005) defende que aqueles consumidores que buscam produtos distintivos movidos por uma orientação mais pessoal que social configuram uma parcela expressiva do segmento. Eles desejam benefícios como prazer, autogratificação, autoexpressão e garantia de qualidade superior, mas de acordo com seus próprios critérios. Também para Berry (1994) e Kapferer e Bastien (2009), o luxo possui um forte componente de prazer pessoal, e seus aspectos hedonista, estético e multissensorial teriam precedência sobre sua funcionalidade.

Os componentes dos itens prestigiosos, segundo Bechtold (1991), são primordialmente imateriais: elitismo; inacessibilidade; transgressão do cotidiano; raridade; iniciação; refinamento; e estética. Já Fauchois e Krieg (1991) identificam as principais referências do universo do luxo como:

 tradição (história, autenticidade);

 imaginário (criatividade, exotismo, sonho);  distinção (elitismo, exclusividade, prestígio);  estética (bom gosto, elegância, harmonia);

 eficiência comercial (atratividade, internacionalismo, rigor, notoriedade, pesquisa);  qualidade (excelência, perenidade);

 modernidade (contemporaneidade, funcionalidade);  e intimidade (discrição, personalização).

Serraf (1991) identifica quatro dimensões subjacentes ao consumo de itens luxuosos: 1. Dimensão subconsciente: ligada às motivações dos comportamentos de compra e uso,

principalmente os desejos de afirmação e distinção do eu.

2. Dimensão pessoal: caracterizada pelo exibicionismo, pela busca de segurança, pela busca de dominação ou pela competitividade.

3. Dimensão sociológica: que engloba três níveis: o da sociedade (mitos, regras e valores culturais comuns a todos); o das subculturas; e o dos valores pessoais, adquiridos pela

educação e socialização. Os indivíduos tanto se referem a seu grupo de pertencimento, quanto se projetam em certos grupos de referência, de forma que o consumo de produtos luxuosos segue duas direções: no sentido horizontal (na direção da mesma classe social, em busca de prestígio e reconhecimento) e no sentido vertical (na direção de um grupo julgado superior, ao qual se tenta assimilar, ou, na direção oposta de um grupo social inferior, do qual se busca diferenciação).

4. Dimensão econômica: composta pela riqueza possuída (bens e capacidade financeira),

nível de renda, poder de compra discricionária (tudo o que sobra após as despesas com

o custo de vida terem sido efetuadas) e pelo nível de crédito.

Na visão de Allérès (1995), os artefatos de luxo extrapolam sua utilidade, pois são objetos de representação com uma multiplicidade de significados, que podem adquirir as seguintes funções: Objeto Perfeito (dimensão funcional); Objeto Simbólico (dimensão do prazer pessoal); Objeto Cultural; e Símbolo Social. O produto de luxo é abrigado sob uma marca bem estabelecida, com fortes redes de associações que criam um valor percebido que vai além do valor físico observável (ALLÉRÈS, 1995). Vickers e Renand (2003) distinguem as marcas de luxo por meio de três dimensões: funcionalismo, experimentalismo e interatividade simbólica. Produtos cuja principal dimensão é funcional objetivam a satisfazer necessidades por meio de seus atributos físicos. O experimentalismo associa-se com o desejo do consumidor por produtos que ofereçam prazer sensorial, estímulos e variedade. Já os bens com alta carga de interatividade simbólica sevem para associar o comprador a um grupo, papel ou autoimagem.

Vigneron e Johnson (2004) decompõem o conceito de luxo em:

 Percepções não pessoais: consumo conspícuo (aspecto elitista do consumo); singularidade (exclusividade, raridade, escassez); e qualidade (sofisticação, trabalho artesanal, superioridade qualitativa);

 Percepções pessoais: hedonismo (ligado aos aspectos glamour e prazer); e extensão do eu (sinal de sucesso e poder, recompensa pessoal).