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Modelos para o Conceito de Valor Percebido pelo Cliente (VPC)

2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

2.3 O CONCEITO DE VALOR PERCEBIDO PELO CLIENTE (VPC)

2.3.1 Modelos para o Conceito de Valor Percebido pelo Cliente (VPC)

Woodruff e Gardial (1996), baseando-se na teoria meios-fins, definem valor para o cliente como a percepção das consequências do uso do produto ou serviço como meio de atingir um objetivo desejado, em consonância com a teoria econômica do valor de uso e do valor de posse. Mais que por seus atributos intrínsecos, os produtos criam valor devido a suas consequências, ou resultados experimentados pelo consumidor. O valor de uso, portanto, seria “o objetivo funcional entregue diretamente pelo consumo do produto” (WOODRUFF & GARDIAL, 1996, p.55). Já o valor de posse indica que o produto possui importantes qualidades simbólicas, autoexpressivas ou estéticas que se transferem ao consumidor por proximidade ou associação. Esse tipo de valor frequentemente está associado a produtos que conferem status ou prestígio. Esses dois valores não são mutuamente exclusivos, e muitos produtos entregam ambos os tipos.

Quanto às consequências do uso do produto, elas podem ser positivas e desejadas, benefícios que o consumidor desfruta graças ao uso ou posse do produto, e também objetivas (como poupar tempo) ou subjetivas, como autoconfiança, eficiência ou alívio do stress. As consequências negativas também podem ser objetivas (preço ou tempo perdido) e subjetivas, como dificuldade de usar ou custos psicológicos. Valor é o resultado do trade-off entre as consequências positivas e negativas do uso do produto, tal com percebido pelo consumidor (Figura 25).

Para Woodruff e Gardial (1996), os resultados experimentados pelo consumidor obedecem a uma hierarquia com três níveis interconectados, cujo grau de abstração aumenta conforme se sobe na hierarquia. São eles: o nível dos atributos, o mais concreto, relativo aos elementos tangíveis e intangíveis do produto; o nível das

consequências, mais subjetivo e relativo à experiência acumulada pelo consumidor

como resultado da posse ou uso do produto; e o dos estados finais desejados, relativos aos valores profundos dos clientes, que podem estar direta ou indiretamente relacionados com o produto. Por outro lado, os autores consideram a situação de uso um determinante crítico do valor, já que os componentes da hierarquia podem mudar significativamente conforme ela se altera.

Figura 25 – O Modelo de Valor de Woodruff e Gardial

Fonte: WOODRUFF & GARDIAL, 1996, p.57.

Os três níveis da hierarquia estão interconectados, no sentido em que os níveis inferiores são os meios para atingir o nível superior, cujo grau de abstração é mais alto e no qual existe maior estabilidade, uma vez que os valores são traços estáveis da personalidade dos indivíduos. Da mesma forma, as consequências desejadas são menos estáveis que os valores, mas menos propensas a mudar do que os atributos dos produtos, os quais estão quase sempre em evolução ou mudança. Portanto, a perspectiva baseada apenas no nível dos atributos resulta em um alvo mutável para os gerentes, enquanto as consequências e estados finais desejados fornecem um foco estratégico bem mais estável. Deslocar a definição dos produtos, passando do primeiro nível dos atributos para a ligação entre atributos e consequências, de forma a identificar aqueles com maior impacto nos benefícios para o consumidor, forneceria melhores critérios para comparar produtos alternativos e assim reforçar o valor percebido (WOODRUFF & GARDIAL, 1996).

O modelo proposto por Woodruff e Gardial é rico e complexo, envolvendo múltiplos contextos (pré e pós-compra) e níveis de avaliação; todavia, revela-se bastante difícil de operacionalizar empiricamente de forma a produzir uma escala geral para a medição do valor percebido pelo cliente (PARASURAMAN, 1997).

Babin et al. (1994) desenvolveram uma escala para medir o valor percebido com duas dimensões: o valor utilitário (instrumental, racional, funcional e cognitivo, entendido como um meio para atingir um fim) e o valor hedônico (emocional, não instrumental, experiencial e afetivo). Essa proposta serviu de base para outros estudos sobre a natureza multidimensional do conceito (FERNÁNDEZ & BONILLO, 2007), como o de Roig, Garcia, Tena & Monzonis (2006), o qual incorpora uma dimensão funcional, definida pela avaliação racional e econômica sobre a qualidade do produto, e uma dimensão afetiva, que capta aspectos sociais e emocionais do comportamento do consumidor.

Nessa linha, Sheth, Newman e Gross (1991) defendem que o comportamento de compra sofre a influência de múltiplos valores que atuam de maneiras diferentes conforme a situação de compra. Tais valores são independentes entre si, mas podem influenciar as decisões de forma isolada ou em conjunto. São eles:

 Valor Funcional (ligado aos atributos físicos, utilitários e funcionais);

 Valor Social (associação com grupos demográficos, socioeconômicos e culturais positiva ou negativamente estereotipados);

 Valor Emocional (a capacidade de uma oferta de gerar sentimentos, estados afetivos ou reações emocionais);

 Valor Epistêmico (a capacidade de incitar a curiosidade, de oferecer novidade ou estimulação, de satisfazer o desejo por conhecimento, ou de promover novas experiências ou mudanças);

 Valor Condicional (a utilidade percebida de uma oferta, que resulta da situação específica em que o decisor se encontra) – (SHETH et al., 1991).

As dimensões de valor propostas independem do estágio dentro do processo de compra, ou seja, podem ocorrer no nível da decisão de compra, da escolha do produto ou da marca, mas sua importância depende do tipo de produto sob consideração. Produtos ligados a um consumo de natureza conspícua ou simbólica, por exemplo, costumam ser influenciados pelos valores social ou emocional. O trabalho de Sheth et al. (1991) foi validado por investigações em vários campos que se dedicam ao conceito de valor, como a Economia e a Psicologia (SWEENEY & SOUTAR, 2001). No entanto, sua tipologia não inclui os aspectos de custos/sacrifícios que outros modelos incorporam (SMITH & COLGATE, 2007).

A partir da proposta de Sheth et al. (1991), os autores Sweeney e Soutar (2001) desenvolveram uma escala multi-item para aferir as dimensões de valor propostas, mantendo três dimensões do modelo original: a funcional, a social e a emocional. A dimensão funcional foi dividida em qualidade e preço, enquanto o valor epistêmico foi eliminado por não ser considerado relevante no caso dos bens duráveis, apenas em relação a serviços ou experiências. O valor condicional foi também excluído por ser considerado um caso específico de efeito da situação sobre os outros tipos de valor. A escala proposta por Sweeney e Soutar (2001), denominada PERVAL, compreende então quatro dimensões de valor: emocional (utilidade derivada dos sentimentos ou estados afetivos que o produto evoca), social (utilidade derivada da capacidade do produto de reforçar o autoconceito social), funcional/preço (valor pelo dinheiro, ou a utilidade derivada da percepção de redução dos custos de curto e longo prazo do produto) e funcional/qualidade (a utilidade derivada da qualidade percebida e do desempenho esperado do produto).

As principais contribuições do modelo de Sweeney e Soutar (2001) foram analisar qualidade e preço separadamente e admitir que as dimensões do valor possam estar relacionadas entre si em uma mesma experiência de consumo, ao contrário de Sheth et al. (1991), que acreditam que as dimensões operam de maneira independente (REICHELT, 2007; COSTA, 2007).

Woodal (2003, p.21) define o valor para o cliente como:

“a percepção pessoal sobre a vantagem obtida pela associação do cliente com a oferta de uma organização, que pode ocorrer como a redução do sacrifício; a presença de um benefício (percebido como atributos ou resultados); o resultado da ponderação entre sacrifícios e benefícios (determinada e expressa de forma racional ou intuitiva); ou uma agregação, ao longo do tempo, de quaisquer dos aspectos mencionados”.

Seu modelo identifica cinco formas principais de Valor para o Cliente (VC):

 VC Líquido: o balanço dos benefícios, percebidos como atributos do produto (qualidade, desempenho), como resultados do uso (conveniência, por exemplo), ou ambos, e dos sacrifícios, que podem ser do tipo prático/cognitivo (como o custo), do tipo sensorial/afetivo, ou de ambos os tipos.

 VC derivado: resultado do uso ou da experiência de consumo do produto, independente do sacrifício implicado.

 VC de marketing: os atributos do produto sob a perspectiva do vendedor, principalmente associados à qualidade.

 VC da venda: valor determinado principalmente pelo preço baixo em relação às ofertas do ambiente competitivo, associado mais à redução do sacrifício do que a um aumento no ganho monetário.

 VC racional: o consumidor possui um preço de referência estabelecido e com este compara o preço objetivo da oferta, numa busca utilitária do “preço justo”.

Em última instância, Woodall (2003) acredita que o VC (Valor para o Cliente) Líquido seria a forma mais abrangente, já que representa a visão mais geral do valor entregue para o cliente. No entanto, trata-se de uma perspectiva racional e utilitária do balanço entre o que é dado em troca do recebido; não daria cabo de todos os processos não racionais envolvidos na avaliação pelo cliente. Daí a introdução do conceito alternativo de VC Agregado, o qual poderia incluir todas as cinco diferentes formas de valor propostas, que atuariam de formas diferentes e em momentos distintos, influenciadas pelo estágio do consumo e pelos processos mais inconscientes do consumidor (memórias, crenças e experiências). Em suma, o valor percebido pelo cliente seria pessoal, contingencial e dinâmico.

O modelo proposto por Woodall (2003) é bastante abrangente (ver a Figura 26), pois inclui os benefícios, divididos em atributos e resultados, e os sacrifícios, classificados como monetários (preço; custos de pesquisa e aquisição; custo de oportunidade; custos de uso, manutenção e descarte) e não monetários (custos psicológicos; tempo; esforço; e custos de relacionamento). Para Smith e Colgate (2007), a maior contribuição do modelo é considerar como benefícios percebidos tanto os atributos do produto como os resultados obtidos, sejam eles pessoais, sociais, práticos, financeiros ou estratégicos.

Figura 26 – Benefícios e Sacrifícios – Diagrama

Fonte: WOODALL, 2003, p. 14

Já os autores Churchill e Peter (2000) classificam os benefícios em:

 Benefícios funcionais: benefícios tangíveis recebidos por meio dos produtos e serviços, como saciar a fome, curar doenças, etc.

 Benefícios sociais: respostas positivas que os consumidores recebem de outras pessoas ao usar determinados produtos e serviços.

 Benefícios pessoais: sentimentos positivos que os clientes experimentam pela compra, propriedade e uso de produtos ou serviços.

 Benefícios experimentais: prazer sensorial que os clientes obtêm de produtos e serviços, como uma massagem, perfumes, roupas confortáveis ou belas obras de arte.

Quanto aos custos de transação, identificam quatro categorias:

 Custos monetários (preço, taxas de transporte e instalação, juros, riscos de perda financeira);

 Custos temporais (tempo gasto comprando, esperando em filas, aguardando a entrega, avaliando alternativas);

 Custos psicológicos (energia mental, esforço psicológico e tensão incorridos no processo de avaliação e compra e de aceitação dos riscos);

 Custos comportamentais (a atividade física envolvida no processo de compra).

Smith e Colgate (2007) procuram integrar e expandir as estruturações e tipologias dos estudos anteriores em uma proposta de modelo de criação de valor para o cliente que permita às organizações diferenciar sua oferta. Os autores identificam quatro tipos principais de valor: funcional/instrumental, experiencial/hedônico, simbólico/expressivo e custo/sacrifício, apontando também as suas cinco fontes principais dentro dos processos centrais da cadeia de valor – informação, produtos, interações, ambiente e posse. O valor funcional/instrumental está relacionado às características, utilidade ou desempenho do produto. O valor experiencial/hedônico refere-se à criação de experiências, sentimentos e emoções no consumidor, enquanto o valor simbólico/expressivo enfoca a associação de significados ao produto, que podem ser pessoais, sociais ou ligados ao autoconceito ou autoexpressão – caso dos produtos de luxo. Finalmente, o valor custo/sacrifício relaciona-se com os custos de transação, preços, conveniência ou redução dos riscos pessoais, operacionais, financeiros ou estratégicos percebidos.

Whittaker et al. (2007), também baseados na proposta de Sheth et al. (1991), desenvolveram um modelo para serviços partindo do pressuposto que o valor percebido pelo cliente é um constructo de segunda ordem formado pelas seguintes dimensões:

1. Valor Funcional; 2. Valor Epistêmico; 3. Valor Emocional; 4. Valor Social;

5. Imagem (relacionada com a reputação do fornecedor no mercado e considerada um mecanismo de redução de risco);

6. Valor Preço/Qualidade (a percepção do cliente sobre o que recebe em troca do que dá em termos de pagamento ou sacrifício).

Finalmente, Aurier et al. (2004) propõem um modelo integrador para explicar o valor global (relação entre benefícios e sacrifícios) por meio de seis componentes: valor utilitário, valor de conhecimento, estimulação experiencial, ligação social, autoexpressão e valor espiritual (Figura 27).

Figura 27 – Modelo de Valor Global do Consumo

Fonte: AURIER et al. (2004), p. 9

O modelo foi elaborado e testado tendo em vista um serviço/produto cultural (cinema), daí a inclusão de componentes como o valor de conhecimento, ligado à busca de domínio conceitual sobre uma categoria de produtos, e o valor espiritual, relacionado com a comunicação com outras pessoas e com a autoestima pessoal. Sua contribuição principal é a capacidade de ajudar a empresa a se posicionar com base nos componentes do valor global percebido por seus clientes, e não nos benefícios específicos de seu produto ou serviço.

Um aspecto crítico da teoria sobre o valor para o consumidor (VPC) relaciona-se com as fontes de onde os clientes podem extrair sua percepção de valor. Embora fique claro, pelo exame de variadas propostas teóricas, que atributos tais como marca, preço e

características do produto sejam fontes potenciais de valor, a maneira como comunicam valor, ou como interagem para isso, não está ainda bem definida (PARASURAMAN, 1997). O constructo VPC pode ser operacionalizado como unidimensional e também como multidimensional; tampouco fica muito claro nos modelos como os benefícios e sacrifícios interagem para formar o constructo valor. Permanecem como desafios o desenvolvimento de modelos, a identificação de seus componentes e sua respectiva mensuração. Em vista da complexidade e riqueza do conceito VPC, operacionalizá-lo em sua integridade e desenvolver uma escala padronizada que capture todas as suas nuances revela-se um desafio. “Portanto, uma questão crítica a ser respondida é se é possível construir uma escala geral, confiável e válida para o valor para o cliente, ou se escalas separadas (possivelmente com metodologias ou métricas diferentes de coleta de dados) precisam ser desenvolvidas para medir diferentes facetas do constructo, como avaliações de valor no momento pré ou pós-compra, por exemplo” (PARASURAMAN, 1997).

A análise do constructo VPC revela a existência de dois componentes fundamentais: os benefícios e os sacrifícios. Os sacrifícios costumam ser classificados em monetários e não monetários. A revisão da literatura enfoca agora os sacrifícios monetários, em especial o preço e sua relação com o conceito de VPC.