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2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

2.5 O CONCEITO DE VALOR PERCEBIDO PELO CLIENTE (VPC) NO

2.5.1 Modelos de VPC para Produtos de Luxo

Wong e Ahuvia (1998), ao examinarema orientação pessoal para o consumo de marcas luxuosas, encontraram subjacentes as dimensões afetiva, simbólica e utilitária, resultando nos seguintes benefícios procurados:

 Benefícios pessoais afetivos, relativos ao prazer hedônico que o produto suscita para o indivíduo, servindo como um presente para si próprio.

 Benefícios pessoais simbólicos, que facilitam a expressão do eu interior.

 Benefícios pessoais utilitários, quando a qualidade do produto harmoniza-se com as atitudes e gostos individuais do consumidor.

Um dos modelos mais citados na literatura acadêmica sobre o luxo é o de Vigneron e Johnson (1999), o qual, porém, não trata apenas do valor relacionado com o consumo de produtos prestigiosos, mas o combina com as motivações para o consumo para identificar cinco diferentes categorias de consumidores. São eles os hedonistas, perfeccionistas, veblenianos, esnobes e bandwagon. Os autores decompõem o valor do luxo em cinco fatores-chave, divididos entre interpessoais e pessoais, que seriam latentes ao conceito de prestígio. Os fatores interpessoais englobam três tipos de valor: o valor percebido de consumo conspícuo (ligado à ostentação e influenciado pelo preço como indicador de prestígio); o valor percebido de singularidade (ligado ao esnobismo, sendo o preço indicador de exclusividade); e o valor social percebido (relacionado com o desejo de conformidade ao grupo social para marcar pertencimento). Os fatores pessoais incluem o valor emocional percebido (relacionado com o prazer e os sentimentos provocados pelo consumo de produtos prestigiosos) e o valor percebido de qualidade (sentimento de segurança que deriva da reputação de qualidade superior da marca, evidenciada pelo alto preço).

Assim, os consumidores hedonistas são aqueles mais interessados em seus próprios pensamentos e emoções, que dão menor ênfase ao preço como indicador do prestígio da marca. Os perfeccionistas confiam mais em sua percepção sobre a qualidade do produto e usam o preço apenas como uma evidência adicional da qualidade. Os consumidores veblenianos dão muita importância ao preço como indicador do prestígio, porque seu principal objetivo é impressionar as outras pessoas. Já os esnobes percebem o preço como indicador de exclusividade, pois desejam ser notados como diferentes dos outros; os produtos raros realçam seu status, portanto as marcas populares devem ser evitadas. Os consumidores que sofrem o efeito bandwagon não atribuem ao preço grande importância como indicador de prestígio, mas enfatizam o efeito que o consumo de marcas luxuosas exerce sobre as outras pessoas, usando-as para assimilar-se a grupos de interesse e distanciar-se de outros grupos. A figura 33 mostra o modelo proposto por Vigneron e Johnson (1999).

Figura 33 – O Modelo Conceitual de Vigneron e Johnson: Valores, Motivações e Tipos de Consumidores

Fonte: Adaptado de VIGNERON & JOHNSON, 1999, pp. 7 – 8.

Em um estudo posterior, Vigneron e Johnson (2004) desenvolveram a escala BLI (Brand Luxury Index) para tentar medir o grau de luxo percebido em uma determinada marca. Para construir a escala, os autores partiram de um modelo conceitual com três dimensões latentes refletindo percepções do tipo não-pessoal (proeminência, singularidade e qualidade percebidas) e duas dimensões de percepções pessoais (extensão do eu e hedonismo percebidos). A Figura 34 retrata o modelo. Segundo os autores, essas dimensões são correlacionadas, mas não idênticas, e contribuem para formar o BLI – uma escala multidimensional agregando cinco sub-escalas para formar um índice geral de luxo (VIGNERON & JOHNSON, 2004). A análise estrutural proposta destina-se a classificar as marcas prestigiosas ao longo de um continuum que oscila entre um baixo e um alto nível de luxo, já que existe uma gradação entre as marcas consideradas prestigiosas. As dimensões que Vigneron e Johnson (2004) estabeleceram para o luxo percebido nas marcas podem ser usadas para criar e monitorar marcas prestigiosas duradouras, para comparar várias marcas e também para classificar grupos de consumidores de acordo com suas percepções.

Figura 34 – O Conceito Teórico do Brand Luxury Index

Fonte: VIGNERON & JOHNSON, 2004, p. 488.

Christodoulides, Michaelidou e Li (2009) testaram empiricamente a escala BLI de Vigneron e Johnson (2004) para tentar validá-la em um contexto cultural diferente (Taiwan) e utilizando uma amostra de reais consumidores de luxo (em contraste com a amostra de estudantes australianos do estudo original). Seus achados indicaram problemas com as dimensionalidades da escala e com suas propriedades psicométricas quando da aplicação em um contexto diferente, sugerindo que a percepção do luxo contido nas marcas não seria universal e insensível a diferentes culturas. Christodoulides et al. (2009) sugerem que mais pesquisas sejam feitas para examinar a composição do luxo das marcas, especialmente em contextos culturais diversos, pois isso tem implicações importantes para as empresas de luxo que atuam em nível internacional.

Galhanone (2008) identificou três perfis distintos de consumidores de produtos e serviços sofisticados com base em suas atitudes, motivações emocionais para a compra e comportamentos de consumo. As motivações, chamadas no estudo de Espaços Emocionais, foram classificadas em cinco grupos: “eu me expresso”, reunindo aspectos da expressão de características pessoais, de uma imagem de sucesso e bom gosto, além de englobar um sentido de diferenciação social e pertencimento a determinado grupo; “eu quero o melhor”, indicando os motivos mais racionais para o consumo do luxo

(qualidade e tecnologia superiores, desempenho e inovação); “eu mereço”, que mostra o luxo associado a prazer, bem-estar e sensações agradáveis, podendo funcionar como mecanismo de compensação do trabalho e esforço pessoal; “eu vivencio”, reunindo motivações ligadas a estímulos e experiências; e “sair da rotina”, no qual o luxo é visto como uma fuga do lugar comum, do consumo mais básico e cotidiano.

Ao estudar o valor das marcas de luxo, Berthon, Pitt, Parent e Berthon (2009) propõem um modelo com três dimensões: a funcional, a experiencial e a simbólica. A funcionalidade pertence ao mundo material e refere-se ao que o objeto faz, não ao que representa. A dimensão experiencial reside no âmbito do valor subjetivo, mais especificamente no gosto pessoal e no valor hedônico para o indivíduo, gerado por sensações, sentimentos, cognições e respostas comportamentais evocadas pela marca. A dimensão simbólica insere-se na esfera social e carrega uma significação sancionada pela elite ou pelos líderes culturais, significado este que não raro se traduz em um mito que enfatiza o que a oferta simboliza dentro do meio social. A dimensão simbólica possui dois aspectos: o valor que a marca luxuosa sinaliza para os outros e o valor que essa sinalização oferece para o próprio usuário. A figura 35 ilustra o modelo conceitual com as dimensões propostas para o valor das marcas de luxo.

Berthon et al. (2009) enfatizam que as dimensões do valor do luxo variam com o contexto e ao longo do tempo, conforme os gostos pessoais e os signos coletivos evoluem e se modificam. O valor experiencial varia com a experiência e o tempo, pois se trata de uma espécie de sensibilidade pessoal que se desenvolve junto com o aprendizado e a assimilação. Além disso, cada época e sociedade podem enfatizar uma dimensão do valor em detrimento das outras. Assim, enquanto no século XIX o luxo era visto como o produto de grandes artesãos, cuja qualidade e durabilidade eram enfatizadas, seu valor residia predominantemente na dimensão funcional. A evolução do mercado levou a um fortalecimento da dimensão simbólica, pois as empresas passaram a enfocar preferencialmente o aspecto de sonho relacionado com as marcas prestigiosas – não raro, em detrimento da qualidade material e da habilidade artesanal, substituídas por uma produção mais massificada. Hoje, pode-se dizer que o locus do valor do luxo está se deslocando para a esfera da experiência e para novos valores sociais como ecologia e sustentabilidade (BERTHON et al, 2009).

Outro fator que modifica a ênfase dada a cada dimensão do valor do luxo é o estágio do ciclo econômico do mercado. Em tempos de crescimento, o foco da inovação desloca-se para a esfera simbólica, resultando na disseminação dos símbolos sancionados pela elite para o mercado dos bens aspiracionais. Em épocas recessivas, a dimensão funcional cresce em importância, pois o mercado massivo é bem mais afetado que o seletivo, no qual o consumo de luxos está atrelado aos valores experiencial e funcional. E a dimensão experiencial torna-se predominante durante o período de retomada, quando muitas vezes o conceito de luxo sofre uma reavaliação, algo que tipicamente segue uma recessão. Durante tempos recessivos, a classe média pode tornar-se relutante em sinalizar riqueza e sofisticação enquanto outros enfrentam dificuldades, levando a noção de luxo a ser reinterpretada, podendo passar de símbolo de aspiração a um sinal de falta de compaixão, ou mesmo de decadência. Assim, conforme os antigos símbolos do luxo vão sendo rejeitados, novos símbolos, mais afinados com o sistema social de valores vigente, emergem (BERTHON et al, 2009).

Figura 35 – Dimensões do Valor das Marcas de Luxo

Fonte: BERTHON et al, 2009, p. 49

Wiedmann et al.(2007; 2009) são os autores que mais avançaram na investigação do Valor Percebido pelo Cliente (VPC) no âmbito do luxo. O modelo por eles proposto decompõe o valor percebido dos produtos prestigiosos em quatro subdimensões, com o

objetivo de construir uma escala para medir esse valor em contextos de diferentes culturas. Seu objetivo maior é definir um modelo de valor tendo em vista a globalização das marcas do setor. As quatro dimensões latentes do modelo contêm aspectos cognitivos e emocionais, além de sofrerem a influência de diferentes variáveis, todas elas correlacionadas e exercendo um efeito conjunto na percepção geral do indivíduo sobre o valor de um produto ou serviço de luxo (Figura 36). Essa conceituação multidimensional abrange os aspectos detalhados a seguir:

1. Dimensão Financeira: os aspectos monetários, ou aquilo que é dado ou sacrificado pela obtenção do produto (preço de compra, preço de revenda, descontos, investimento), expresso em unidades monetárias. O modelo relaciona positivamente a percepção do valor do luxo com o preço, pois este funciona como um indicador de qualidade excepcional, exclusividade ou prestígio.

2. Dimensão Funcional: o benefício central do produto, sua utilidade básica (qualidade, raridade, usabilidade, confiabilidade, durabilidade), que influencia o valor percebido ao associar o produto luxuoso com uma qualidade superior.

3. Dimensão Individual: a orientação pessoal do consumidor (materialismo, hedonismo ou autoidentidade), que influencia a utilidade percebida e os significados simbólicos que o consumo de bens prestigiosos desperta nas diferentes pessoas.

4. Dimensão Social: a utilidade percebida no consumo de produtos considerados prestigiosos pelo grupo social, a qual pode afetar significativamente a propensão dos indivíduos a consumir marcas luxuosas. O valor social percebido é positivamente relacionado com a indicação de riqueza ou status e com o pertencimento a grupos de

Figura 36 - O Modelo Conceitual de Wiedmann et al.

Fonte: WIEDMANN et al., 2007, p. 5

O modelo de Wiedmann et al. (2007; 2009) foi o mais completo encontrado durante o processo de revisão bibliográfica empreendido. No entanto, algumas de suas particularidades ensejaram a elaboração de uma nova proposta conceitual, não obstante o modelo ter fornecido um excelente ponto de partida. Em primeiro lugar, os autores avaliam o preço monetário, a que denominam dimensão financeira, como uma variável positivamente relacionada com a percepção do valor do luxo, já que indica a qualidade excepcional ou a exclusividade do bem ou serviço luxuoso. Ora, isso contrasta com a amplamente difundida acepção do valor percebido como sendo o resultado da ponderação dos benefícios recebidos menos os sacrifícios incorridos, sendo a relação dos últimos com o valor total majoritariamente negativa (ZEITHAML, 1988). Mesmo que, como argumentam Wiedmann et al. (2007), alguns autores tenham demonstrado o papel positivo do preço sobre a percepção de alta qualidade e prestígio, o preço ainda assim carrega fortemente a carga negativa daquilo que tem que ser sacrificado para a obtenção do bem desejado. Prova disso é que, ao ser testado empiricamente, o modelo

revelou esse problema, que os próprios autores relataram: “as percepções dos consumidores pesquisados mostraram-se determinadas pelos aspectos funcionais, individuais e sociais, com a dimensão financeira em termos do preço agindo como variável moderadora” (WIEDMANN et al., 2009, p.637).

Em seguida, dois valores considerados como constructos antecedentes parecem problemáticos. O Uniqueness Value, que é definido como indicador de exclusividade excepcional e escassez, parece mais relacionado ao Valor Social do que ao Valor Funcional, tal como apresentado no modelo conceitual proposto. Ora, se os autores afirmam que “um produto ou serviço de luxo é, por definição, não acessível para todo mundo e possuído por uma minoria – senão, não poderia ser entendido como um item de luxo” (WIEDMANN et al., 2007, p.7) –, tal definição está muito mais próxima de uma função social do luxo do que de suas propriedades funcionais. Em seguida, o Materialistic Value, constructo antecedente do Valor Individual, descrito como o grau em que os indivíduos atribuem um papel central às posses em suas vidas, a atitude positiva e a alta prioridade com relação à aquisição de posses materiais, é positivamente relacionado ao valor individual da percepção do valor do luxo. O problema desse quesito é que introduz um componente relativo ao consumidor (sua orientação e valores pessoais), enquanto o restante do modelo trata de características e dimensões referentes ao produto/serviço de luxo. Seria mais adequado não misturar no mesmo modelo conceitual o valor percebido do produto com aquilo que é um valor intrínseco e individual da pessoa.

Por fim, o modelo proposto é do tipo reflexivo: nele, as subdimensões do Valor Percebido Total (Valor Financeiro, Valor Funcional, Valor Individual e Valor Social) não são concebidas como formativas, ou parte integrante do constructo, e sim como suas causas externas ou antecedentes (LIN, SHER & SHIH, 2005). Uma discussão sobre esse ponto encontra-se na Seção 3, mais adiante.