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As escolas paroquiais do protestantismo brasileiro: o caso do Colégio Evangélico

1. HISTÓRIA E PESQUISA

1.6. As escolas paroquiais do protestantismo brasileiro: o caso do Colégio Evangélico

A pesquisa sobre os colégios paroquiais protestantes podem nos ajudar a compreender o projeto educacional do protestantismo brasileiro, que desde o início se viu envolto em discussões sobre a educação, como já destacamos anteriormente. É possível compreender as escolas paroquiais como embrião do modelo protestante de Educação, uma vez que constituem uma das principais ações dos primórdios da inserção dos missionários americanos na sociedade brasileira. Além disso, é importante destacar também que as origens do Seminário Teológico estão ligadas ao Colégio Evangélico, um exemplo dessas escolas paroquiais. Ambos nasceram juntos, o Colégio em prédio anexo ao Seminário.

O protestantismo brasileiro56, em especial o de missão, é portador de uma ideia de Reforma, que será concretizada por meio da educação que começa com a escola paroquial das primeiras letras e se consolida no final do século XIX com o apogeu dos Colégios Protestantes. É possível distinguir essas duas experiências educativas.

As escolas paroquiais estavam ligadas diretamente aos aspectos religiosos das missões (trabalho evangelizador), possibilitando o sucesso da empresa missionária, uma vez que se materializava na aprendizagem pelo único livro texto – a Bíblia – e a participação no culto (cânticos baseados na leitura dos hinários); e os Colégios como obra educativa propriamente dita, pois tinham como objetivo realizar um novo processo civilizatório cristão. Permeavam essas duas experiências educativas as ideias econômicas em plena expansão na América desse período, no apogeu da estruturação do Império.

O modelo educacional dos missionários protestantes ia ao encontro do que as elites brasileiras almejavam: formar o cidadão republicano. Podemos perceber a expectativa que era lançada nessas pioneiras experiências educacionais no seguinte registro no Correio Paulistano de 20 de agosto de 1872: “Mostraram todos

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Na classificação feita por Mendonça (1985) o Protestantismo pode ser de Missão, que se compõe das igrejas que por qualquer motivação enviaram missionários para a América Latina; e de Imigração, que se compõe de assistências cúltica/pastoral àqueles que vieram por missões econômicas oriundas dos acordos entre Portugal, Brasil e Inglaterra e as igrejas para aqueles que imigraram por motivos de trabalho, como os luteranos.

maravilhosos desenvolvimentos, como não estamos nós brasileiros habituados a presenciar nas nossas escolas rotineiras do tempo colonial. Encontra-se ali o ideal americano – escola mista regida por mulher”57.

As escolas paroquiais iniciam suas atividades de maneira modesta e improvisada, ensinando as primeiras letras. Aos poucos vão se estabelecendo na sociedade como um modelo que objetivava formar pessoas livres e independentes, aptos para atuar numa nova concepção de sociedade. Consideramos que estes aspectos dos colégios paroquiais devem ser mais profundamente explorados. Mendonça, que abordou o tema das chamadas “escolas paroquiais” protestantes, ao comentar o surgimento dessas escolas ao longo da segunda metade do século XIX, assim se expressou sobre o tema:

Uma leitura dos principais historiadores das denominações protestantes no Brasil mostra enfaticamente que as escolas paroquiais iam sendo fundadas continuamente, simultaneamente às igrejas. As escolas parecem ser um complemento natural para as igrejas. Mesmo assim, essas escolas paroquiais permanecem misteriosas em relação aos seus objetivos principais, métodos, currículos, professores, etc. (MENDONÇA, 1994, p. 77)58.

Certamente que a expressão usada por Mendonça, chamando essas escolas de “misteriosas, pode ser considerada exagerada, e pode provocar equívoco. Mas podemos tentar compreender o que quis explicar o autor. Temos acesso a estudos sobre colégios evangélicos que acabaram se tornando instituições importantes no país59, como o Mackenzie, da igreja Presbiteriana, e o Colégio Piracicabano, da igreja Metodista. Permaneceram pouco conhecidas, no entanto, as “escolas paroquiais”; escolas que cumpriram seu papel como apoio da propaganda religiosa e depois acabaram extintas. Muitas dessas escolas, devido a condições de precariedade, acabaram não deixando muitos vestígios de sua existência.

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A nota faz referência ao Colégio Americano, citado por THEMUDO LESSA (1938, p. 106).

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Este texto foi apresentado no Simpósio sobre Protestantismo e Educação na América Latina, evento organizado pela CEHILA (Comissão de Estudos de História da Igreja na América Latina), em 1990, nas dependências da faculdade de Teologia da Igreja Metodista, em São Bernardo do Campo, São Paulo. Os estudos e palestras foram publicados em 1994, em inglês, sob os auspícios da Universidade de Manitoba, do Canadá.

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São referência estudos como os de Jether Pereira Ramalho (1976) e de Osvaldo Henrique Hack (1985), que analisam a contribuição educativa dos protestantes no Brasil.

Recentemente, algumas dessas escolas têm despertado interesse nos pesquisadores60.

O Colégio Evangélico é um representante dessas escolas de paróquia. Organizado pela Igreja Presbiteriana Independente, foi fundado em São Paulo no ano de 1905. Nele encontramos os mesmos ideais e preocupações pedagógicas que marcaram a prática missionária evangelizadora protestante.

Figura 1.2 . Professores e alunos no Colégio Evangélico (1912). No centro, Eduardo Carlos

Pereira.

Fonte: Caderno de O Estantarde, 2003 (Raízes da Igreja Presbiteriana Independente do Brasil).

O Colégio Evangélico foi idealizado e fundado por Eduardo Carlos Pereira, pastor presbiteriano e reconhecido gramático61. Foi professor da cadeira de Português no Gimnasio da cidade de São Paulo, admitido por concurso público em 1895. Em 1888 assumiu o pastorado da Igreja Presbiteriana de São Paulo, assumindo a partir daí papel de notável liderança no protestantismo brasileiro.

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Ver, por exemplo, a dissertação de Eneida Ramos Figueiredo, As Escolas Paroquiais Protestantes

em Brotas no final do século XIX (2001).

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Suas gramáticas da língua portuguesa foram publicadas anos a fio, na primeira metade do século XX, e ficaram conhecidas, por exemplo, pela geração de Evanildo Bechara como a Bíblia das Gramáticas.

Exercendo essa liderança, em 1903 conduziu um movimento de independência da igreja presbiteriana no Brasil em relação à sua matriz nos Estados Unidos, organizando assim a Igreja Presbiteriana Independente do Brasil.

Eduardo Carlos Pereira tornou-se opositor do Colégio Mackenzie, projeto educacional de maior destaque. Segunda Pereira, a independência presbiteriana no Brasil era algo a ser conquistado, e dependeria de uma proposta educativa voltada para a “educação sistematizada dos filhos da Igreja pela Igreja e para a Igreja”62.

Pereira não rivalizou diretamente com o projeto do Mackenzie, apesar de se posicionar contrário ao método da evangelização indireta praticado ali. Estava em questão uma disputa política mais ampla. Ao optar pelo projeto do Mackenzie, as missões estrangeiras criavam uma série de dificuldades para que os pastores brasileiros desenvolvessem suas práticas e conquistassem sua autonomia. Em carta a Chamberlain, fundador do Mackenzie, Pereira discute a questão:

Não tenho preconceitos vãos contra o Colégio, e apesar da política errada dos Boards, reconheço agradecido suas boas intenções. Julgo que o desligamento dos missionários dos presbitérios nativos virá restaurar, com o tempo, a paz e mútua confiança pela qual tanto almejo. Com esse desligamento os missionários não poderão impedir, com seus votos, que a Igreja faça a sua parte na educação de seus filhos. Quanto ao Mackenzie, uma vez que o Board tem fé no trabalho, isto é, nos seus métodos ele continuará onde está, cumprindo sua missão e merecendo das igrejas evangélicas maior ou menor apoio, conforme a maneira por que desempenhe essa mesma missão. Certo não faremos guerra mesquinha ao Mackenzie, ainda mesmo que não concordemos com os seus métodos; somente o que ele não tem o direito é impedir, com os votos dos missionários, no Sínodo, que a Igreja ponha em prática os seus63.

A primeira finalidade dessa educação era formar bons presbiterianos, que assumiriam a causa da propaganda religiosa. Também se procuraria identificar nos alunos potenciais vocações, para prepará-los a desempenharem a função de pastores. Nesse sentido, as escolas paroquiais deveriam funcionar à guisa de um “seminário menor”, uma escola de preparação de jovens para o serviço religioso protestante.

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O próprio Pereira assim declarara, no ano de 1902. Ver RODRIGUES, 1983, p.26.

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Pereira raciocina a partir do seu contexto urbano, uma cidade que se colocava, no começo do século XX, como um novo e importante polo do desenvolvimento econômico no Brasil. Uma escola paroquial de um centro urbano em crescimento deveria ser, em seu entendimento, um ponto de irradiação da religião protestante, a partir da formação de quadros de liderança.

Com essa visão, Pereira organizou, em 1901, a Escola Paroquial e o Externato Evangélico para atender aos filhos dos protestantes da cidade de São Paulo. Com isso a religião presbiteriana em São Paulo teria, segundo suas expectativas, o suporte educativo para prosperar no ambiente urbano em que estava inserindo-se. Em 1903 surgia a Igreja Presbiteriana Independente, como resultado da cisão com a Igreja Presbiteriana. Em sequência a esse projeto, em 1905 foi organizado o Colégio Evangélico, simultaneamente ao Seminário Teológico de São Paulo, explicitando a estratégia adotada e respondendo aos ideais do grupo organizado na igreja Independente.

Os objetivos do colégio foram expressos da seguinte forma: “‘finalidade geral’ – ‘oferecer, aos filhos das igrejas evangélicas, educação intelectual, moral, e religiosa’, e ‘especial’ – ‘verificação e preparo das vocações ministeriais da Igreja Presbiteriana Independente’” (Colégio Evangélico da Igreja Presbiteriana Independente, em O Estandarte, 16/11/1905, p.1).

O Colégio Evangélico foi organizado com a tarefa de gerir os cursos primário (3 anos), intermediário (1 ano) e secundário (5 anos). Assim, estruturava-se a formação ideal para os “filhos dos crentes”, lembrando a expressão utilizada pelo próprio Eduardo Carlos Pereira em sua Plataforma de 190264. Assim Eduardo Carlos PEREIRA expôs seus planos para o Colégio Evangélico:

Nele receberemos os filhos dos crentes de todas as procedências, facilitando a entrada por meios moderados; dar-lhes-emos um ensino esmerado, cuidadoso e desenvolvido. Durante anos serão eles o objeto de constante observação, e aos que revelarem aptidão ou vocação divina

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Documento que elaborava os principais argumentos para a independência da igreja nacional: 1. Independência absoluta ou soberania espiritual da Igreja Presbiteriana do Brasil; 2. Desligamento dos missionários dos presbitérios nacionais; 3. Declaração de incompatibilidade da maçonaria com o Evangelho de nosso Senhor Jesus Cristo; 4. Conversão das missões nacionais em missões presbiterianas ou autonomia dos presbitérios na evangelização de seus territórios; 5. Educação

sistematizada dos filhos da Igreja pela Igreja e para a Igreja (O Estandarte, 6/3/1902, grifos

aconselharemos a que se matriculem na aula ou faculdade teológica (O

Estandarte, 27/4/1905, p.1).

Figura 1.3. Propaganda do Colégio Evangélico

Fonte: Jornal O Estandarte, 13.04.1905

Nesta nota veiculada durante os meses que antecederam a inauguração do Colégio podemos notar, entre outras coisas, a preocupação com o sentido religioso: “Sendo o Colégio da Egreja e para a Egreja, só serão admitidos os alumnos cujos paes forem ligados a qualquer egreja evangelica, afim de que não seja neutralizada a influencia religiosa” (em O Estandarte, 27/04/1905, p.4).

A trajetória do Colégio Evangélico manteve-se à orientação de dentro da orientação de seu idealizador, em direção contrária ao caminho do Mackenzie. Pereira entendia que este colégio, ao optar pelo método da evangelização indireta, buscava influenciar as classes dominantes, mais com um discurso moral do que religioso. O Colégio Evangélico seguiria com sua proposta conservadora.

Por alguns anos, o Colégio Evangélico conseguiu formar turmas em suas dependências. O quadro docente se destacava por sua qualidade. Alguns dos mestres tinham atuação destacada como professores concursados dos Ginásios de São Paulo e Campinas. Estudaram no Colégio Evangélico pessoas como Orígenes Lessa (escritor e jornalista) e Lívio Teixeira (professor da USP). Embora a ênfase fosse religiosa, o Colégio Evangélico não descuidou dos conteúdos. Porém, a falta de recursos financeiros da Igreja Presbiteriana Independente foi decisiva para fazer minguar o projeto do Colégio Evangélico. Somava-se a isso a orientação conservadora de fechar-se para filhos de não crentes, o que fez com que a procura pelo colégio fosse cada vez menor. No jornal O Estandarte de 23 de Novembro de 1922 recomendava às Igrejas:

Nossa Igreja não pode manter um tal Colégio. Para o pouco de alunos que há seria mais conveniente fazê-los instruir-se em outros estabelecimentos de educação, como por exemplo, o Mackenzie College, cujo diretor, Dr. Waddell, fez ao nosso Sínodo ofertas nesse sentido.

Em meio a essas dificuldades, no ano de 1922 o Colégio Evangélico encerrou suas atividades, um ano antes da morte de seu idealizador e fundador, Eduardo Carlos Pereira. A Faculdade de Teologia enfrentou problemas semelhantes, mas manteve-se como forma de dar continuidade a seus objetivos fundantes.