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Do nascimento da História às crónicas zurarianas do século

2.5. Gomes Eanes de Zurara: o cronista

2.5.3. As fontes zurarianas

Muito apoucado pela generalidade dos autores modernos no confronto com Fernão Lopes, Zurara tem, no entanto, um enorme mérito como cronista se o situarmos no seu tempo e o equipararmos aos congéneres estrangeiros (Oliveira Marques, 1974: 98).

Os materiais de que o historiador ou cronista se serve, ao exercer o seu ofício, designam-se genericamente por fontes. Para certos autores, o documento ainda não é considerado fonte, passando a essa categoria somente após ter sido submetido «a tratamentos destinados a transformar a sua função de mentira, em confissão de verdade» (Le Goff, 1984: 221).

Assim, temos de ter presente que é um documento toda a fonte de informação de que o espírito do historiador sabe tirar qualquer coisa para o conhecimento do passado humano, encarado sob o ângulo da pergunta que lhe foi feita. Nesta perspectiva, o documento histórico «é o intermediário entre o passado e o historiador, é o espelho da verdade histórica mas, quantas vezes, um espelho deformador» (Salmon, 1979: 61).

À semelhança de Amado Mendes (1987: 88), usamos de preferência os termos

documento e fonte indistintamente, isto é, na mesma acepção e em sentido lato,

considerando-os documentos ou fontes, mesmo antes de sujeitos aos tratamentos – selecção e crítica – do historiador.

Reportando-nos ao nosso estudo, o documento surgiu como fonte de informação a partir do momento em que o rei D. Duarte, em 1434, encarregou o seu escrivão dos livros, Fernão Lopes, de «poer em caronyca as estorias dos Reys que antygamente em Portugal forom» (CC: Capitullo iij, 12), abrindo-se assim um novo ciclo na nossa historiografia.

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A importância das fontes constituídas por textos literários em prosa é assumida por Rosa Virgínia Matos Silva (1991: 39-39), opinião que partilhámos no contexto da obra zurariana, uma vez que os textos literários em prosa do cronista são um manancial rico e diversificado de fontes, às quais podemos e devemos recorrer para aquilatar da qualidade e veracidade dos factos narrados.

Apesar de não conhecermos o documento régio que nomeou oficial e formalmente Gomes Eanes de Zurara como cronista do Reino, admitimos como provável a data de 1448 como marco a quo do exercício daquele cargo, não obstante trabalhar já antes na recolha de materiais para a Crónica da Tomada de Ceuta (apesar de Fernão Lopes ser ainda vivo e continuar até 6 de Junho de 1454 como guarda-mor da Torre do Tombo):

E por quanto o muy alto e muy exçelente prinçipe e senhor elRey Dom Affonso o quinto ao tempo que primeiramente começo de gouernar seus rregnos soube como os feitos de seu auoo ficauam por acabar. Consirando como o tempo escorregaua cada vez mais e que tardando de serem escritos poderiam as pessoas que alij forom falecer, per cuja rrezam se perderia a memoria de tam notauees cousas, porem mandou a mim Gomez Eannes de Zurara seu criado que me trabalhasse de as ajuntar e escreuer per tal guisa que ao tempo que se ouuessem de ordenar em caronica fossem achadas sem falleçimento. E eu em comprimento de seu desejo por satisfazer a seu mandado como de meu senhor e meu rrey me trabalhey de enquerer e saber as ditas cousas e as escreui em estes cadernos polla guisa que ao diante he conteudo com tençam de as acreçentar ou minguar em quaaesquer lugares em que for achado per verdadeiro juijo que o mereçam como quer que segundo meu entender e autoridade daquellas pessoas per que fui auisado em ellas auera pouco faleçimento (CC: Capitullo iij, 13).

O cronista escrevia por ordem de D. Afonso V, valorizando a escrita como forma de preservar e perpetuar o passado, projectando-o no presente e no futuro, e que essa escrita como memória contava com o testemunho oral daqueles que participavam ou assistiam aos factos, ou, pelo menos, que deles tinham algum conhecimento.

Zurara informava os seus potenciais leitores acerca dos seus processos de compilação de tais factos em vista da sua ordenação em forma de caronica: «o cronista escrevia em cadernos, possibilitando a introdução de uma modificação por supressão ou por acrescentamento, o que em alguns casos se veio a verificar» (Figueiredo, 1996: 31).

Como o cronista escrevia sobre factos relativamente recentes, teve por isso a oportunidade de recolher de viva voz diversos testemunhos de pessoas que tomaram parte nos acontecimentos descritos. A confirmar esta asserção basta tão só o facto de D. Pedro de

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Meneses, um dos seus heróis, ter morrido em 1437 e saber-se que Zurara, em 1449, estava já a escrever a sua Crónica da Tomada de Ceuta.

Também para Veríssimo Serrão, a primeira Crónica163 não se baseia em documentos, «mas sobretudo no testemunho de pessoas que conhecem a acção do primeiro governador de Ceuta. Mas como este falecera havia trinta anos, nem sempre os factos narrados correspondiam à verdade dos acontecimentos» (1977; 1989: 29-30), uma opinião que Maria Teresa Brocardo contesta pois entende que «as afirmações de Serrão não são muito exactas porque há referências a diversos tipos de fontes escritas no Cap. LXIV do Livro I, Caps. IV, V e XII do Livro II da Crónica do Conde D. Pedro de Meneses e o conde terá falecido cerca de vinte e três anos antes do início da redacção da Crónica» (1997: 12).

Gomes Eanes de Zurara baseava-se sobretudo no testemunho oral enquanto para Fernão Lopes, o testemunho oral parecia ser, de certo modo, complementar, com o fim de suprir as omissões das fontes narrativas ou diplomáticas. Mas há que ter em vista «a evolução do ambiente moral em que os homens e as suas acções se começam a integrar passando a depender de circunstâncias bem menos perturbadoras, de acordo com o novo condicionalismo político e social que cada vez mais se afirma e impõe à consciência de cada um» (Soares, 1977: 83).

Zurara exaltou a acção do seu antecessor, pela diligência posta na busca de documentos, mas seguiu caminho diverso, sobretudo porque a sua vida coincidiu com o tempo histórico que foi objecto do seu estudo, ou seja, desde a conquista de Ceuta, em 1415, até à morte do conde D. Duarte de Meneses, em 1464, falecendo o cronista dez anos mais tarde, como adiante explicaremos.

O cronista recorreu também a diversas fontes escritas, como deu a entender nesta passagem, em que declarou a preocupação que teve no apuramento da verdade dos factos:

Eu achey os feitos pella mayor parte tam maravilhosos, que, se soomemte os ouvera de escrever per emformaçõ dallgüs que ho souberão per ouvida doutros, eu duvidara çertamemte de hos escrever, në os escrevera se na boca de dous ou de tres achara o conheçimemto destas cousas, (...). Mas porque, aallem do que achey per escripto nas cartas que hos ofiçiaes que os rreis tinhã naquella çidade pera governança dos moradores della a este rregno escreviam fallamdo nas cousas aaquelles que nellas forã, se acordavã na verdade, e ho que mais hera porque departidamemte pregumtava, e no que se todos acordavão proçedia ë minha istoria (CCPM: Livro I, Capitolo 2.º, 178-179).

163 Veríssimo Serrão pretenderia afirmar “a primeira Crónica dos Meneses”, a Crónica do Conde D. Pedro de

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O conde D. Pedro de Meneses escrevia ao rei D. João I uma espécie de relatórios do que se passava na cidade de Ceuta, informando-o sobre o modo como as coisas iam decorrendo, e para o elucidar dos méritos dos combatentes: «E porque eu per mÿ nõ posso satesfazer ao gamde gallardão que vos per esto mereçeis, escreve-llo-ey aaquelle que he poderoso de vo-llo dar, noteficamdo-lhe vosso mereçimemto quamto he gramde amt`elle, e desy do que eu tenho, se a allgü comprir allgüa parte, seja muito çerto que lho não ey-de negar» (Idem: Capitolo XXXVI, 323-324).

Estes relatórios serviram como fontes de trabalho para o cronista: «Como melhor podemos apremder, assy pelos escriptos daquelles que primeiramemte tomarão cuydado de poerem estes feitos ë nëbramça como pellas cartas que ho comde escrevia a este rregno e tambë per aquelles que laa esteverã» (Ibidem: Livro II, Capitolo Vº, 545). Efectivamente, para a elaboração da Crónica do Conde D. Pedro de Meneses, Zurara aproveitou muitas fontes escritas, como podemos constatar não só no Cap. II do Liv. I como também nos Caps. XIII, XXX, XL, LII, LXIV, LXXIII, LXXIII e LXXXI do mesmo livro e ainda os Caps. IV, XII e XVI do Liv. II. Mas, e como já referimos, nem só de fontes escritas se socorreu o cronista, poque os testemunhos das pessoas que viveram os acontecimentos e estiveram em Ceuta também foram bons referenciais para as suas pesquisas e serviram como documentação histórica: «E peço e rrogo a estes senhores que aquy são que, allem do que eu escrever, digam a elle rrey, meu senhor, estas pallavras que me aquy ouvirë» (CCPM: Livro II, Capitolo VIIº, 556).

O cronista, além dos informes orais, colhidos inclusivamente dos próprios Mouros vindos a este reino cativos, manuseou cartas e livros de despesa e teve à mão relatos parciais ou totais dos acontecimentos de Ceuta. Todavia, muitos nomes, figuras e feitos relevantes na praça de Ceuta ficaram no esquecimento, «pois nõ vieram a nosso conheçimemto per cullpa daquelles que se primeiro trabalharaõ de ajumtar esta estoria» (Idem: Livro I, Capitolo XXX, 301), ou, «se per esqueçimemto passarã a cullpa seja daquelles que estes feitos primeiramemte poseraõ ë llembrança» (Idem: Livro II, Capitolo IIIIº, 545).

Como verificámos, era o próprio conde D. Pedro de Meneses que registava e escrevia os feitos do seu tempo em terras marroquinas, «o que lhe o comde teve a muy gramde bëe e o fez assy escrever per sua nobre memoria» (Ibidem: Livro I, Capitolo LXIIIIº, 457-458).

Por vezes as notícias chegavam primeiro ao reino de Portugal do que os relatórios do conde D. Pedro de Meneses porque «aymda o comde não tevera vagar de ho escrever»

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(Ibidem: Capitolo LXXIII, 492). É o que conclui Dias Dinis (1949b: 133), justificando,

desse modo, a minúcia dos relatos dos factos presente em todas as crónicas.

No elogio do seu biografado, o conde D. Pedro de Meneses, os testemunhos orais e as fontes escritas recolhidas por Zurara terão induzido o cronista a cometer omissões, voluntária ou involuntariamente, que deram origem à inveja de muitos cortesãos e, consequentemente, ao surgimento de muitos inimigos, como o próprio reconheceu:

E he cousa naturall que segumdo amor ou ódio assy se ymclinã as vomtades, posto que da rrazão sejam costramgidos, pero o comtrario, que nunca aquelles que bem fazem pode parecer, pêro se delles muito diga, que se diz todo ho que elles merecem, e aos que nada não obra sopre pareçee muito aquillo que dos outros dizem e, se delles mesmos comtam allgü falleçimemto, posto que verdadeiro seja, sempre lhes parece que he muito mais do que em seu herro verdadeiramemte pode caber (CCPM: Livro I, Capitullo terçeiro, 187).

Zurara procurava documentar-se o melhor que podia não só com testemunhos vivos como também junto do verdadeiro cenário onde se desenrolavam os factos e acontecimentos que ia narrar, persistindo na procura da verdade porque os seus inimigos espreitavam:

Pois que deuo eu fazer muyto alto princepe que aallem de minha grande jnorancya per mÿ assaz conhecida tenho tãtos spreitantes que ainda eu bem nom tomo a pena na maao pera screuer, ja começã de condanar mjnha obra, huüs por cuydarem que se dyra menos delles do que lhes sua enganosa afeiçam faz cuydar que merecem, outros pensando, que quanto se elles mais agrauarë de meu screuer tanto o pouoo auera rezom de cuydar que elles sõ dignos de mayores merecymëtos e que de sse nõ screuerem delles grandes cousas que foy mais por fraqueza de meu screuer que per fallecimento de seu trabalho (CCDM: Capítulo I, 4).

Tal facto levou o cronista, antes de se abalançar à feitura da Crónica do Conde D.

Duarte de Meneses, a visitar o Norte de África, com o fim de conhecer o palco geográfico

da sua narração e escutar o depoimento de companheiros de armas de D. Duarte de Meneses, morto três anos antes, viagem que o próprio explicou e comentou e a que já fizemos referência: «Entendy que me cõuijnha passar em aquellas partes de Africa por duas rezõoes …» (CCDM: Capitulosegundo, 4-5).

Com a sua estadia no Norte de África, Zurara teve oportunidade de recolher precisas indicações etnográficas, geográficas e históricas, para assim trabalhar e apresentar a verdade dos factos e dos testemunhos vivos.

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Foi em Alcácer Ceguer que a carta autógrafa de D. Afonso V de 22 de Novembro de 1467, dirigida ao cronista, o encontrou, local onde trabalhava na recolha de testemunhos verídicos, junto dos adaijs e almocadeës e escuitas e outra gente do campo, para a sua nova crónica.164

Como temos vindo a referir, o cronista tentou sempre auscultar testemunhos presenciais dos acontecimentos; por isso ouviu os autóctones, como se constata nas suas próprias palavras: «eu ouuy despois a alguüs mouros cõ que faley daquelles que esteuerõ naquelle cerco estando eu la ë terra dAfrica pera screuer esta estorea onde me trabalhaua muyto falar cõ elles pera saber melhor seus feitos, e isto por elles uïjrë algüas uezes a Alcacer» (CCDM: Capitulo.Lx., 84).

Esta atitude do cronista revela e demonstra, uma vez mais, a preocupação histórica do apuramento seguro da verdade, o que o levou a procurar o conhecimento directo com a realidade geográfica onde se desenrolaram os acontecimentos, com testemunhos coevos e documentação escrita: «E esto nõ creaaes que se diz por fallar mas por dizer uerdade» (Idem: DO CAPITULO CVII, S., 131).

No desejo de traçar o passado na lição das fontes, utilizou o documento escrito como base da informação, mas não descurou os dados particulares que lhe permitiram alargar o campo da sua história. A tradição ou testemunho oral foi um dos meios utilizados para a recolha de notícias, mas Zurara fez também alusão a consultas bibliográficas nacionais e estrangeiras, «segundo todas estas cousas som contehudas em outros liuros assy do nosso Regno como dos alheos» (Ibidem: Capitulo XXV, 45).

Vejamos agora uma opinião adversa sobre o trabalho de pesquisa de Zurara, reportando-se à sua Crónica dos Feitos de Guinee:

Avêsso a rebuscar documentos nos arquivos à sua disposição, o cronista mostra fraco escrúpulo em averiguar dos factos narrados: e assim as suas notícias susceptíveis de verificação mostram-se basta vezes incorrectas, descobrem-se datas erradas, pormenores deformados, contradições surpreendentes, negligências e ignorâncias de estranhar em que fôra oficialmente encarregado dos anais da Guiné. Estamos sem dúvida em presença dum monumento histórico, mas de quilate bem inferior ao que lhe atribuem (Leite, 1941: IX).

164 Esteves Pereira (1915) escreveu, erradamente, a data de “21 de Novembro” nas páginas LIV e LVI.

Pensamos que ao seguir a edição de Esteves Pereira, também Dias Dinis foi induzido em erro e escreveu, erradamente, “21 de Novembro”, pois no manuscrito da Torre do Tombo, códice 520 (Livraria) lê-se perfeitamente «Vossa irmaã auerey em minha encomenda segundo me escreueys Escripta a 22, de Nouembro», aliás, na página 141 da mesma obra de Dias Dinis, Vida e Obra de Gomes Eanes de Zurara, vol. I (1949b), já aparece correctamente “22 de Novembro”.

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No entanto, tendo por base as palavras do próprio cronista, «E porque os dictos feitos se tractarom per muytas e desuairadas persoas, desuairadamente son scriptas em muytas partes. E consiirando elRey nosso senhor que nom conuiinha ao processo de hüa soo conquista seer contado per muytas maneyras, posto que todas concorram em hüu effeito; porem me mandou sua senhorya que me trabalhasse de as ajuntar e ordenar em este uellume, porque os leedores mais perfeitamente possam auer dellas conhecimento» (CG: Cap. I, 10), é o próprio Duarte Leite a reconhecer que, na feitura da Crónica dos Feitos de

Guinee, «o autor se socorre de vários escritos» (Idem: 87),

Gomes Eanes de Zurara preferia buscar o suporte documental para descrever pessoas e factos numa visão tanto quanto possível e concreta em vez de empregar a imaginação, sempre sujeita a olhares e opiniões díspares, e os argumentos relativos às fontes que utilizava, giravam à volta das constantes citações bibliográficas a que recorria e empregava em todas as suas obras.

A certeza histórica para o cronista repousava sobretudo sobre o testemunho oral. Mas para chegar à verdade, devia esgotar a audição de todos os testemunhos porque cada um contava os feitos à sua maneira: «Ca he cousa çerta que nos feitos que muitos viram e sabem nunqua homem tantas vezes pode preguntar que sempre nam ache cousas novas que saber, e jsto porque cada hum conta o feito por sua guisa» (CC: Capitullo iij, 13).

A concordância do testemunho qualificado dava-lhe a certeza da autenticidade. Contudo, e uma vez que o cronista reconhecia o carácter subjectivo do testemunho oral, «e isto porque cada hum conta o feito por guisa» (Idem), fazia uma selecção das testemunhas oculares, procurando suprir a quantidade pela qualidade. A importância do testemunho oral provava-se pela própria natureza dos feitos a notar: «trata-se de autos cavaleirosos, e estes só são sabidos dos próprios que neles tinham intervindo, existindo o perigo de estes exagerarem a sua contribuição» (Pimpão, 1959: 275-276).

Segundo Michel Vergé-Franceschi, o cronista não fazia afirmações sem estar absolutamente seguro: «homem de observação, compara, quando pode, com aquilo que ele próprio viu ou verificou. Assim, a propósito das tartarugas gigantes do Cabo Branco: Já vi

semelhantes [...] na lagoa de Óbidos, entre a Atouguia e Pederneira» (2000: 173).

Zurara, homem de gabinete, era também um fino observador que olhava à sua volta. É óbvio que interrogava testemunhas, os velhos navegadores, os seus coevos, para levar a sua cronologia até aos pais dos nossos pais, conforme referiu na Crónica dos Feitos de

Guinee, e que observava, com uma notável agudeza de espírito humanista, as necessidades

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Algarve, junto desse príncipe no momento em que estavam lá esses canarinos e bem vi como eram tratados”.

Concluímos que, no conjunto das suas crónicas, Zurara se baseou e inspirou nas mais diversas fontes e escritores, algumas já apontadas e outras que o serão ainda no decorrer deste estudo. Assim, a imparcialidade e objectividade dos factos foram imperativos intransigentemente defendidos pelo próprio cronista.

Alertou-nos ainda Zurara para o facto de existirem certas versões interessadas e afectadas de parcialidade, e incompletas ou menos bem informadas, por desconhecerem os documentos oficiais:

Esto dezemos porque pode ser que aallem do que nos espreuemos outros sprevyriam cada hü o que vise e que a sua temçom fose espreuer verdade, nom ha poderiam tam compridamemte saber como nos, que este cuydado por espiçiall carrego temos ou per vemtura saõ taes que teram allguã parte no que espreuerem per sy ou per outrem que lhe pertemça; E he cousa naturall que, segundo amor ou odio, asy se ymclinaõ as vomtades, posto que da razão costramgidos peroo comtrario (CCPM: Liv. I, Capitullo terçeiro, 186-187).

Todo este manancial de recursos usados pelo cronista levam-nos a considerá-lo um escritor empenhado no conhecimento da verdade, e um cronista cuja erudição e estilo o classificam como um protótipo de escritor humanista altamente educado.