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Do nascimento da História às crónicas zurarianas do século

2.5. Gomes Eanes de Zurara: o cronista

2.5.4. Os plágios em Zurara

Citar um autor nacional, um contemporâneo, um amigo ou inimigo, porque nele se aprendeu ou nos revimos com entusiamo, é, entre nós, uma raridade ou uma excentricidade como usar capote alentejano (Lourenço, 1988: 70).

Reflectindo nas palavras de Eduardo Lourenço (1988), n` O Labirinto da Saudade, as quais criticam profundamente a falta de coragem e honestidade de muitos autores em não citarem ou revelarem as suas fontes, verificámos que, em pleno século XX, na opinião do citado autor, a problemática dos plágios continua mais viva do que nunca, o que atenua fortemente as críticas feitas ao cronista Gomes Eanes de Zurara, acintosamente tratado pela generalidade da crítica literária. Com efeito, em todos os trabalhos produzidos sobre as obras zurarianas, constatámos que um dos assuntos mais badalados foi a questão do uso e abuso, feito pelo cronista, de transcrições parciais ou integrais de obras conhecidas e por si

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manuseadas, o que de facto corresponde à verdade, não perdendo por isso, no entanto, a obra zurariana, nem brilho literário, nem valor histórico, como documentação valiosíssima para a compreensão e estudo do século XV e dinastia de Avis.

Para percebermos esta questão, devemos antes de mais, «integrar a noção de plágio dentro do seu contexto histórico, e sabemos como esta noção é controversa no quadro cultural do século XV» (Serrão, 1977; 1989: 28-29).

Em tempos medievos, a apropriação de escritos alheios era recorrente. Os autores pretendiam ser abrangentes, englobando nos seus códices várias antologias de passagens de outras obras conhecidas pelos meios eruditos, encaradas como herança cultural comum sem nunca citar o seu autor e o título da obra de origem. Por conseguinte, o autor medieval não tinha a preocupação da originalidade, mas de ser completo e verdadeiro, pouco lhe interessando que a verdade, ou o que supunha como tal, já tivesse sido descoberta e formulada. Apropriava-se dela como património comum ou dádiva do Senhor, contente e seguro de si, sem que a consciência lhe levantasse reparos.

Neste particular, Joaquim de Carvalho esclarece que a existência dos plágios procedia de uma atitude perante a verdade que excluía eticamente a ideia de furto que hoje associamos a tais processos:

E agora, após a respectiva verificação, deve acrescentar-se que, por se tratar de autores e de escritos por todos conhecidos na roda intelectual da corte, Zurara não comete às escondidas tais plágios: usa de uma prática consentida pela consciência literária de então. Como pode ser considerada furtiva a prática reiterada de tantas transcrições, feitas com intervalo de alguns anos e que chegam a ponto de Zurara ter copiado quase integralmente o capítulo primeiro da Crónica de Cepta e o derradeiro da Crónica de Guiné (1948: 125).

Idêntico sentido exprime Dias Dinis para quem, «nem deve atribuir-se o facto a plagiato, sendo esse o uso do tempo, como se pode ver noutras obras da época» (1949b: 43), como por exemplo no Leal Conselheiro de D. Duarte, o qual, logo no Prólogo, informa que ao longo do corpo do escrito seriam utilizadas afirmações e ideias de origem vária, que julgava pertinente incorporar no seu discurso por virem reforçar as suas. O mesmo se verifica na Crónica de D. Pedro, de Fernão Lopes, que, no prólogo se afirma, não como o autor por mérito próprio, mas sim como um ajuntador de obras anteriores que discorrem sobre um mesmo tema.

Feitos estes esclarecimentos prévios, torna-se mais fácil compreender e entender, à luz vivencial de Zurara, as suas práticas, os seus modos de ordenar, de enriquecer e de

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trabalhar, sendo que as suas obras mais plagiadas foram o livro da Virtuosa Benfeitoria do duque de Coimbra, o infante D. Pedro e de Fr. João Verba165 e a General Historia de Afonso X, o Sábio.

A confidência do próprio Zurara, ao utilizar uma narração das primeiras descobertas da autoria de Afonso Cerveira, personagem de quem tudo se ignorava, revela bem a sinceridade e probidade do cronista. De facto, mesmo não se tratando de uma Crónica, apenas de um treslado ou apontamentos que Cerveira “quisera ordenar”, se houvesse da parte de Zurara uma intenção de plágio, teria omitido uma fonte informativa que podia deslustrar o seu labor pioneiro (cfr. Serrão, 1977; 1989: 29).

Zurara podia muito bem não ter mencionado o nome de Cerveira mas foi o próprio cronista que o retirou da obscuridade, o que ilustra bem o seu carácter e sentido de verdade. Se, como demonstrou Duarte Leite, há inúmeros exemplos dos plágios efectuados por Zurara em todas as suas obras, especialmente na Cronica dos Feitos de Guinee, também é o próprio cronista que na mesma crónica confessa socorrer-se de vários escritos: «e porque os ditos feitos se tractarom per muytas e desuairadas persoas, desuairadamente son scitas em muytas partes. (...). Porem me mandou sua senhorya que me trabalhasse de as ajuntar e ordenar em este uellume, porque os leedores mais perfeitamente possam auer dellas conhecimento» (CG: Cap. I, 10).

Muitos outros empréstimos são revelados nos capítulos 30.º, 31.º e 86.º, da mesma crónica, enquanto declara no 79.º ter achado “per scripturas antigas” e ainda nos capítulos 61.º e 62.º. O seu principal auxiliar, Afonso Cerveira, foi por ele nomeado três vezes, facto realçado pelo completo silêncio sobre os demais: «Não curo de escrever algumas cousas da viagem daquestes, que achei escritas por um Afonso Cerveira, que esta historia primeiramente quis ordenar, que pois não trouxeram fim» (Idem: Cap. XXXII, 151-152).

A revelação destes empréstimos continua a desenrolar-se numa lista minuciosa e interminável. Duarte Leite acrescenta ainda que «o seu livro, Crónica de Guiné, não passa de compilação de outros, à qual junta alguns desacertos e dados biográficos de D. Henrique, de quem aliás não foi privado» (1941: VIII). Não se compreende, no entanto, esta última afirmação de Duarte Leite relativa à privacidade do infante D. Henrique com Zurara, uma vez que na mesma página da citada obra, afirma o seguinte: «e escreve sob as vistas do glorioso príncipe que os guiou, de quem aliás foi íntimo» (Idem).

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No estudo efectuado não encontrámos qualquer tipo de prova documental que indiciasse algum afastamento entre o infante D. Henrique e o cronista Zurara. Ao invés, tudo decorre e indica que entre eles existia uma grande e forte empatia, «Depois me comtou assiy o senhor Iffamte Dom Hamrrique duque de Viseu e senhor de Couilhaã, em cuja casa estiue alguüs dias per mamdado do senhor Rey» (CC: Capitullo XIII, 45), comprovada ainda pela glorificação que o cronista dele fez, o que não comprova de forma alguma que fosse íntimo do mesmo.

Pronunciando-se sobre os plágios utilizados pelo cronista, também Michel Vergé- Franceschi (2000: 172-173) o acusa de ter utilizado obras de outros autores, afirmando que Zurara é um “letrado hábil”, mas que utilizou totalmente a obra de Afonso de Cerveira, que terminou em 1446 e que ele integrou totalmente no seu próprio elogio do infante D. Henrique, que acabou, por sua vez, em 1448-1449. O que Michel Vergé-Franceschi não diz, como tão bem o fizeram Dias Dinis, Duarte Leite e Veríssimo Serrão, entre outros, é que foi o próprio Gomes Eanes de Zurara que mencionou o facto de ter recolhido material de Afonso Cerveira, o qual certamente se teria perdido, e que o nome de Afonso Cerveira teria desaparecido para sempre se não fosse a verdade dita e escrita pelo cronista. Também Michel Vergé-Franceschi não fundamenta nem esclarece onde se documentou para tecer as informações sobre o elogio do infante D. Henrique166. De facto, só em 1448 foi pedido ao cronista para escrever a sua primeira crónica, a Crónica da Tomada de Ceuta, e logo de seguida, em 1449/50, deu-a por concluída, pelo que não poderia ter feito o elogio do infante D. Henrique nessa altura. Quanto ao facto de chamar ao cronista um “letrado hábil”, e pensamos que o terá afirmado em sentido pejorativo, só podemos e devemos estar gratos a Zurara por não ter permitido que muitas e preciosas informações se tivessem perdido.

O cronista plagiou numerosos períodos de escritos que pela autoria e origem se reportam às grandes individualidades de Afonso, o Sábio, e do infante D. Pedro, e utilizou muitos livros, mas não os citou. Na verdade, o cronista teve presente os escritos saídos da pena do infante D. Pedro e dos que este promoveu ou alentou: a Virtuosa Benfeyturia, o

Livro dos Ofícios de Marco Tullio Ciceram o qual tornou em linguagem o infante D. Pedro,

Duque de Coimbra e possivelmente o Livro de Velhice de Tullio, que o Dr. Vasco Fernandes de Lucena tornou de latim em linguagem para o senhor infante D. Pedro.

Mesmo com as conhecidas limitações da tardia formação cultural de Zurara, que os autores de maneira geral reconhecem, a sua probidade, não suscita dúvidas, apesar de em muita da documentação consultada transparecer a dúvida, pelo facto das muitas e

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constantes utilizações de outros livros sem citar os autores. A este propósito, há autores que sustentam, sem qualquer fundamentação ou prova documental, que Pisano terá redigido (além de De Bello Septensi) uma Crónica de D. Pedro de Meneses. No entanto, não se conhece rasto do original ou de qualquer exemplar dessa obra de Pisano. Também se afirma que Zurara a utilizou sem omitir a fonte de informação, o que vem reforçar, como é óbvio, a probidade do cronista régio (cfr. Serrão, 1977; 1989: 31).

Ao longo do nosso estudo, não detectámos qualquer indício da existência de uma

Crónica de D. Pedro de Meneses da autoria de Pisano. Conclusão idêntica aduziu Maria

Teresa Brocardo afirmando o seguinte:

Não diz o autor em que texto encontrou documentação para tais afirmações. Apenas notarei que na Crónica do Conde D. Pedro de Meneses não se alude em passo algum à obra de Pisano como “fonte”. De facto, consultámos a citada crónica e nela apenas se diz que o rei Afonso V, “não soomemte se comtemtou de hos [os feitos do conde] fazer escrever ë nosso propio vullgar portugues, mas aymda os fez traduzir aa llymgoa llatina167, porque nõ soomemte os seus naturais ouvessem

conheçimemto e saber das gramdes cavalarias daquelle comde e dos outros que com elle comcorrerão, mas que aymda fossem manyfestos a todo conheçimemto de toda a nobreza da cristamdade, per mestre Matheus de Pisano, que foy mestre deste rrey dom Affonso, o quall foy poeta168. Se há aqui qualquer

noção de “fonte”, será no sentido inverso ao referido por Serrão (1997: 15).

Da leitura atenta das obras de Zurara, tais quais se conservam hoje, e é pertinente ter esse aspecto em conta, parece legitimar-se um termo médio, no apreço da sua erudição: se na Crónica de Guiné há realmente pedaços e passos que denunciam farta colheita no

Trauctado da uirtuosa benfeyturia do infante D. Pedro e ainda na General Estoria de

Afonso o Sábio, extraídos ou não pelo autor, em todas as suas restantes obras não vemos assim abundância de capítulos inteiros ou quase completos, reproduzidos de outros autores. No entanto, sobre este mesmo assunto, Ernesto do Canto elaborou um estudo minucioso, o qual não podemos deixar de apresentar, uma vez que se debruça sobre a crónica objecto do nosso estudo e da nossa edição semidiplomática. Afirma este autor que o seu trabalho se baseia nas duas Crónicas dos Meneses, publicadas pela primeira vez em Lisboa em 1792 e 1793 no segundo e terceiro tomos da Collecção de Livros Ineditos de

Historia Portugueza, publicados por ordem, e na officina da Academia Real das Sciencias:

167 Afonso V, para se divulgarem em língua latina as crónicas dos Meneses e dos reis passados, mandou vir

de Itália Dom Justo, frade da Ordem de S. Domingos, a quem por esse respeito fez bispo de Ceuta.

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Foi encarregado da publicação o benemérito José Corrêa da Serra, secretario perpetuo da mesma Academia. Por uma inexplicavel inadvertencia no indice a pag. 111 do T.º 3.º apparece esta Chronica

como de Ruy de Pina. (...). Além d`esta indispensável e importante rectificação, cumpre ainda advertir

outra singularidade que tem passado desapercebida, segundo creio; a da identidade e repetição de muitos dos últimos capítulos da primeira, e dos primeiros da segunda Chronica (1879: 49-50).

Ernesto do Canto (1879: 51) observa que na descrição da vida e acções do protagonista, feita ao longo da Crónica do Conde D. Duarte de Meneses, transcreve o cronista verbalmente os capítulos da Crónica do Conde D. Pedro de Meneses que se ocuparam da sua parte na defesa de Ceuta, antes do cerco de Tânger, capítulos que se apresentam na tabela que se segue:

Concordância entre as Crónicas dos Meneses

Crónica do Conde D. Pedro de Meneses [CCPM]

(Edição de M. Teresa Brocardo, 1997)

Crónica do Conde D. Duarte de Meneses [CCDM]

(nossa Edição semidiplomática) Liv. II. Cap. 25 pág. 645 Cap. 5 pág. 10

Liv. II Cap. 27 pág. 656 Cap. 6 pág. 14 Liv. II. Cap. 28 pág. 660 Cap. 8 pág. 18 Liv. II. Cap. 29 pág. 665 Cap. 9 pág. 21 Liv. II. Cap. 30 pág. 668 Cap. 10 pág. 22

Liv. II Cap. 31 pág. 672 Cap. 11 pág. 24 Liv. II. Cap. 32 pág. 673 Cap. 12 pág. 25 Liv. II. Cap. 34 pág. 680 Cap. 13 pág. 27 Liv. II. Cap. 35 pág. 684 Cap. 14 pág. 29 Liv. II Cap. 36 pág. 695 Cap. 16 pág. 35 Liv. II. Cap. 37 pág. 698 Cap. 17 pág. 37 Liv. II. Cap. 39 pág. 711 Cap. 22 pág. 40 Liv. II. Cap. 40 pág. 716

Igual ou semelhante no todo ou e

parte

Cap. 23 pág. 43

Para além da transcrição integral destes capítulos, também do capítulo XXII do Livro II, p. 640, da Crónica do Conde D. Pedro, transcreve o cronista verbalmente parte do capítulo 4.º, p. 10, da Crónica do Conde D. Duarte, especialmente na parte em que D. Pedro de Meneses armou o filho cavaleiro. De igual modo há semelhanças de conteúdos entre o Capitolo XXVII, do Livro II, da Crónica de D. Pedro e o capítulo 7, da Crónica de

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As observações transcritas são valiosas e devem ser tidas em conta ao empreender-se a reedição daquelas obras, uma vez que poderão ajudar a resolver parcialmente o problema das lacunas da Crónica do Conde D. Pedro de Meneses, existentes em todos os códices conhecidos.

Um outro pormenor mereceu a nossa atenção: Zurara atribui, na Crónica de D. Pedro, mais do que uma vez, o estatuto de Capitão de Ceuta a D. Duarte: «O comde, comsyramdo como Rruy Gomez da Sylva hera nobre homë e de gramde syso e ardideza, que poucas vezes se acha jumtamemte, lleyxou-lhe a guarda da cidade, a qual leyxava sob captania de dom Duarte, seu filho, que ao depois foy comde de Viana» (CCPM: Livro II, Capitolo XI, 581), e, «Em estes dias partyo ho comde dom Pedro pera estes rregnos, deyxamdo seu filho dom Duarte por capitão el seu llogo, acompanhado de bõos cavaleiros, seus paremtes e criados» (Idem: Capitolo XXVII, 657).

O título de Capitão de Ceuta, atribuído a D. Duarte de Meneses, e a coincidência de tantos capítulos idênticos nas duas crónicas dos Meneses são explicados da forma seguinte:

D. Duarte, antes de ser nomeado capitão de Arzila169 em 1458, tinha servido em Ceuta, primeiramente sob as ordens do conde D. Pedro, seu pai, e depois em seu logar como capitão da cidade desde 1431, em que D. Pedro veio para Portugal, até Agosto de 1437, em que regressou a Ceuta. Os feitos, que D. Duarte obrou em defensão da cidade de Ceuta, são contados na segunda parte da Crónica

de D. Pedro, escrita por Zurara; e quando êste compoz a Crónica de D. Duarte transcreveu

verbalmente para esta crónica a parte daquela, que dizia respeito ao mesmo D. Duarte (Pereira, 1915: LVII).

O apuramento das fontes e de alguns plágios de Zurara mostram, em primeiro lugar, que as suas crónicas exprimem um saber historiográfico apreciável, próprio de quem manuseava com alguma assiduidade as páginas de vários historiadores e cronistas; porém, elas não podem considerar-se índice do estado das Ciências e da Erudição entre nós no fim da Idade Média, como julgou o visconde de Santarém. São, sim, reflexo, e bem transparente, da hierarquia dos valores morais e políticos e da estimativa em que eram tidas certas ordens de conhecimentos, mas não podem ser consideradas como expressão, pessoal ou geral, do próprio saber científico e filosófico.

Os plágios de Zurara recaem quase sem excepção sobre questões de carácter científico ou filosófico, o que implica a ilustração e o discernimento necessários para

169 Há aqui um lapso de Francisco Maria Esteves Pereira pois D. Duarte de Meneses não foi nomeado capitão

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apreciar o valor desses períodos e o a-propósito das transcrições, mas não a posse do saber ou o exercício de capacidade reflexiva que eles encerram. São, por assim dizer, contadas as leituras directas de carácter científico, tão contadas que parece não terem ido além da teoria elementar da esfera, considerada sobre o ponto de vista da aplicação astrológica.

Este facto mostra que Zurara foi bem do seu tempo no apreço por uma ordem de conhecimentos que D. João I e os seus imediatos descendentes tiveram em alta conta. Os períodos de carácter ou de pretensão científica das Crónicas, assim originais como plagiados, possuem significado histórico-cultural, denotando valores e estimativas vigentes no seu tempo, mas não permitem induções exactas e particularizadas acerca do saber científico-natural de quaisquer personalidades coevas (cfr. Carvalho, 1948: 126-127).

Relativamente aos plágios existentes na Crónica do Conde D. Pedro de Meneses, Maria Teresa Brocardo faz apenas referência em nota de aparato aos trabalhos de Esteves Pereira e de Dias Dinis informando que em trabalho a publicar, «retomaria mais demoradamente esta questão no que respeita à relação intertextual entre as crónicas dos Meneses» (1997: 20).

Nas obras zurarianas não é difícil detectar passagens plagiadas mas, pelo que fica dito, tal facto era usual na época e o cronista não fez menção em esconder ou camuflar os mesmos. A sinceridade do cronista e a sua preocupação pela verdade histórica não deixam dúvidas e até estão bem documentadas nas palavras que se seguem de Correia da Serra:

Se acerca do seu estilo houve diversidade de opiniões, a sua sinceridade histórica tem sido igualmente bem avaliada por todos, e das suas mesmas obras se pode coligir. Os defeitos dos seus heróis são trazidos a campo, com a mesma clareza que as suas virtudes; as intrigas são declaradas sem respeito a pessoa alguma e ajunta a esta rara qualidade para lhe darmos crédito, o ser contemporâneo do que escreve, e o não ter poupado a meios de instruir-se para conhecer o que escrevia, só para ver os lugares que eram teatro da história que empreendeu e tomar miúdas e exactas informações do acontecido. A carta que ElRei lhe escreveu quando ele estava em Alcácer Ceguer, para o animar ao seu trabalho, faz igual honra ao Monarca, e ao escritor (1792: 210-211).

Mas há uma faceta do plágio que importa frisar, e neste ponto temos de reconhecer a nossa gratidão ao cronista: o mundo da escrita medieval foi marcado inúmeras vezes por exemplares únicos que, por vaticínio do tempo ou incúria do homem, se poderiam ter perdido para sempre. Sendo assim, «quantos retalhos de conhecimento não terão sido salvaguardados do esquecimento e chegado até nós pelo, agora reprovável, acto de usurpar a criação de outrem?» (Carilho, 2005:14-15).

Crónica do Conde D. Duarte de Meneses – Estudo histórico-cultural e edição semidiplomática

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Capítulo 3.

A obra zurariana e o seu contributo