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3.4 Afinal, o que é Família(s)?

3.4.1 As funções familiares

Esta subseção em tem como objetivo analisar as funções familiares: a econômica, a social, a biológica e a psicológica. Petrini (2008) faz uma crítica em relação às funções que eram reservadas à família e que, nos dias atuais, passaram a ser desempenhadas por outras instituições públicas e/ou privadas, como exemplos, podem- se citar a tarefa educativa, a socialização (função social) e os cuidados com a saúde física e mental. Esta última função é cada vez menos realizada pelo Estado, sendo por instituições privadas e filantrópicas, por meio das políticas sociais, por instituições privadas, cujo acesso ocorre via mercado pelo pagamento aos planos e seguros de saúde.

Complementando a posição de Donati (2008), em relação às funções que as famílias possuem, outros autores como Neves (2008), Osório (1996) e Prado (1985) comentam que, independentemente da configuração familiar, as funções familiares são intrínsecas à própria constituição familiar. Ao longo do tempo a família desenvolveu funções para preservar a sobrevivência biológica da espécie, para propiciar o desenvolvimento psíquico e/ou emocional dos descendentes. Dessa forma, as funções

familiares ou atribuições da família para com seus entes são centradas no tripé: biológico – psicológico – social e ambas fazem sentido entendidas numa totalidade de forma interdependente, dificilmente fazem sentido de forma isolada.

Faz-se necessário ter clareza das particularidades de cada função acima descritas para se ter uma nítida noção da família como o espaço sine qua non de reprodução e manutenção da espécie humana no âmbito público ou privado, de acordo (OSÓRIO, 1996). A função Biológica tem como objetivo principal garantir e manter a sobrevivência por meio dos cuidados: em virtude da idade avançada, de doença, de falta de trabalho, devido à incapacidade temporária ou permanente, ou ainda por meio dos alimentos.

O fundamento da prestação de alimentos28, de acordo com Diniz (2010, p. 589- 590), é o princípio da preservação da dignidade da pessoa humana e o da solidariedade social e familiar prescritos na Constituição Federal de 1988 e no Código Civil de 2002 (Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 em substituição ao primeiro Código Civil Brasileiro de 16 de janeiro de 1916 Lei nº 3.071). Há outro elemento também importante relacionado à função biológica, trata-se da ruptura com o matrimônio concebido na relação entre amor, sexualidade e fecundidade. Nas três últimas décadas, em especial a partir da década de 1970, “a sociedade tem a oportunidade de viver a sexualidade sem a fecundidade, a sexualidade sem o amor, e a fecundidade sem a sexualidade” (PETRINI, 2009, p. 261). Isso devido, principalmente, às efervescentes demandas trazidas pelo movimento feminista da época.

A função Psicológica da família tem a atribuição de prover o elemento afetivo indispensável à sobrevivência emocional dos membros da família. Como afirma Osório (1996, p. 20-21), sem o afeto dado pelos pais, pelos familiares ou pelos seus sub- rogados, o ser humano “não desabrocha, permanecendo fechado numa concha psíquica”. Outro exemplo dessa função é proporcionar o ambiente adequado para a aprendizagem empírica que direciona o processo cognitivo do ser humano, bem como também facilitar o intercâmbio de informações com o universo que está a sua volta.

Já a função Social tem como principal atribuição à transmissão de valores e de manifestações culturais dos mais diversos agrupamentos étnicos ao longo da história, até da própria pré-história, e a preparação para o exercício da cidadania, seguindo os

28 “Alimentos são prestações para satisfação das necessidades vitais de quem não pode provê-las por si.

Os alimentos compreendem o que é indispensável à vida da pessoa como alimentação, vestuário, habitação, tratamento médico e transporte” (DINIZ, 2010, p. 588).

padrões dominantes e hegemônicos de valores e de condutas de um determinado momento histórico. Corroborando Osório (1996) e Neves (2008), as funções psicossociais estão relacionadas ao plano afetivo e da sociabilidade, pois é atribuído à família o objetivo de ser vigilante nos momentos de crises vitais, nas transmissões de aprendizados que passam pela educação e pela convivência em família, como mostra o autor abaixo,

[...] a noção de que os papéis familiares possam ser intercambiáveis; o exercício das funções familiares não é uma via de mão única e sim um constante processo de trocas, mutualidades e interações afetivas. Aliás, é nesse caráter interativo que reside a matriz psicodinâmica que configura a natureza intrínseca da entidade familiar (OSÓRIO, 1996, p. 22).

Pode-se observar que as funções biopsicossociais são requisitos necessários para um bom desempenho físico/material, emocional e social de cada dinâmica familiar na atualidade. Tais funções não são fechadas em si, ou seja, estanques em si mesmas. A sua execução “não é exclusiva aos papéis familiares aos quais está acostumado a imputar” (OSÓRIO, 1996, p. 22). As funções familiares podem ser exercidas por qualquer membro da família, independentemente de modelo ou configuração familiar.

As funções familiares não devem ser pensadas como uma camisa de força, mas sim como uma possibilidade de manutenção da entidade familiar, em que o papel de cada membro da família possa ser intercambiável. Portanto, cabe à família a promover o crescimento e o desenvolvimento biopsicossocial de cada membro, objetivando o preenchimento das condições mínimas para o convívio social.

No caso da família não conseguir exercer alguma de suas funções, estará em situação de vulnerabilidade ou risco social decorrentes da pobreza e/ou da fragilização dos vínculos afetivos, ou se encontre em situação de risco pessoal e/ou social em decorrência de abandono, desemprego levando à quebra ou à fragilização dos vínculos familiares (BRASIL, 2004, 2012). As funções sociais passaram por um processo de privatização na modernidade, as responsabilidades sociais, econômicas e biológicas recaíram para a esfera do privado, e o Estado vem se abstendo de promover políticas públicas para as famílias, como bem mostra Neves (2008), abaixo.

A privatização da família moderna conduz à passagem das funções socializadoras e dos cuidados para a ordem privada [...] a família

desenvolveu diferentes funções e manteve o casamento, as relações de parentesco e a divisão sexual do trabalho presente em todo agrupamento familiar, variando apenas as formas como se combinam (NEVES, 2008, p. 71).

Como se pode observar, é a partir do século XVIII que começa a se delinear a família nuclear burguesa. Para Szymanski (2005, p. 23-24), as interpretações feitas nesse momento sobre família eram feitas no contexto do modelo nuclear, e quando a composição familiar se afastava da estrutura e da composição proposta era chamada de incompleta ou desestruturada, pois o foco da interpretação estava voltado para a estrutura da família e não para a qualidade das inter-relações.

A família no capitalismo deixa de ser compreendida como uma unidade de produção; na medida em que esse sistema separou a produção, o espaço da esfera pública, e a família, por sua vez, tornou-se a esfera privada da vida social (SARTI, 2005). Os aspectos econômicos, políticos e sociais influenciam nas diversas composições familiares existentes, por isso a dificuldade de conceituar o que seja família. Essas variáveis determinam as diversas composições familiares existentes na sociedade desde a pré-história até a contemporaneidade, por isso se faz necessário reconhecer e revalorizar a família nos seus diversos arranjos e processos.

A família entendida como uma associação de pessoas ligadas por laços de afetividade, ao longo dos séculos, pode ser composta por diversas configurações. Para fins didáticos, citaremos abaixo alguns tipos de composições consideradas “família”, segundo Szymanski (2002, p. 10 apud KASLOW, 2001):

1) família nuclear, incluindo duas gerações, com filhos biológicos; 2) famílias extensas, incluindo três ou quatro gerações; 3) famílias adotivas temporárias [...]; 4) famílias adotivas, que podem ser bi- raciais ou multiculturais; 5) casais; 6) famílias monoparentais, chefiadas por pai ou mãe; 7) casais homossexuais com ou sem crianças; 8) famílias reconstituídas depois do divórcio; 9) várias pessoas vivendo juntas, sem laços legais, mas com forte compromisso mútuo.

A dinâmica da família no mundo contemporâneo passa por um intenso processo de individualização que se espalha pelo conjunto da sociedade. De um lado, tem-se a privatização da família, e como indícios dessa privatização, pode-se elencar a procura por um âmbito de vida fechado, ou seja, viver a família como esfera de relações apenas

expressivas e comunicativas, livres de qualquer conexão com a sociedade, privada de responsabilidade pública. Por outro lado, a família torna-se também sujeito de interesses coletivos e objeto de crescentes preocupações públicas, enfatizando a sua dimensão pública (DONATI, 2008). A família na atualidade é entendida como uma tênue relação com o público e o privado.

Até o século XVIII a vida familiar era vivida em público, mas, como explica Anunciação (2002), a vida em família era compartilhada pelas relações de vizinhança, de amizades, ou de traições, e não existia nenhuma intimidade. Todavia, a partir do século XVIII, o âmbito familiar foi se tornando mais fechado, ou seja, privado. E o provérbio popular “em briga de marido e mulher o Estado não mete a colher” virou lei, norma para ser cumprida.

As transformações em curso na família hodiernamente, sobretudo a partir de meados da década de 1970, tem suscitado um grande debate acerca da “crise da família”, e com isso um progressivo enfraquecimento e perda de sua relevância social, mas o que vem se comprovando no real vivido é contrário a essa hipótese. Os indícios de crise, ou ainda do fim da instituição família, que vem ocorrendo nesses últimos anos são (novas) configurações e de redefinição familiar, e em decorrência de mudanças como: a baixa natalidade e fecundidade e o aumento dos divórcios, têm-se novos arranjos familiares tais como:

as formas neoestruturais (em famílias com dupla carreira ou com uma divisão do trabalho entre homem e mulher diferente das conhecidas até o momento); as formas neocomunitárias (caracterizadas por forte éthos de solidariedade, quer nas relações internas, quer naquelas de participação em comunidades escolhidas [...]; as formas reconstruídas (estabelecem-se após os divórcios) e as formas alternativas (as famílias com um só genitor por escolha)[...] (DONATI, 2008, p. 63) A família como instituição que está em “crise” e que iria desaparecer, desde o século passado vem demonstrando que tem a capacidade de permanência, de renovação e de ressignificação. Nesse momento foi alterada a ordem da família tradicional em relação à autoridade patriarcal, proporcionando uma maior divisão dos papéis familiares.

A diversidade de formas familiares faz com que não utilize o termo família no singular, mas no plural, “famílias”, para enfatizar a diversidade de arranjos familiares na cena contemporânea. Para compreender melhor esses “novos” arranjos familiares, é

preciso entender a importância do afeto como um elemento básico para a vida familiar que outrora era definida basicamente pela consaguinidade, que sobressaía na distinção de quem eram os entes legítimos e ilegítimos na tradição familiar. Segundo Sawaia (2010, p. 40), “a afetividade é um meio de penetrar no que há de mais singular na vida social coletiva, pois ela constitui um universo peculiar da configuração subjetiva das relações sociais de dominação”. O mais importante não é mais a linhagem, representada pela consanguinidade ou pelo sobrenome da família, e sim a afetividade entre os membros da família.

Depois de ter sido anunciada a morte da FAMÍLIA no singular, aquela que bem mereceu o ódio de André Gide e os elogios do marechal Pétain, chegou agora a vez das famílias, sem F maiúsculo e sem grandes princípios. Aquelas em que cada um pode afundar as suas raízes e justificar a suas escolhas fantasiando-as num acalentador o pessoal lá de casa (COLLANGE, 1994, p. 16).

A partir das diversas perspectivas teóricas do que vem a ser família(s) desde o seu sentido etimológico até a sua compreensão na cena contemporânea, faz-se necessário, no próximo capítulo, analisar a diversidade de configurações familiares presentes na formação sócio-histórica brasileira.

3.5 Um olhar demográfico sobre as Configurações Familiares no Brasil: uma