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3 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

3.4 As funções textuais no modelo orientado à tradução

Segundo Nord (2012), são vários os modelos de função textual existentes e que podem auxiliar no treinamento de tradutores. Nesta obra, a autora enumera quatro tipos de função textual (função referencial, função expressiva, função apelativa e função fática), sendo que esta última foi por ela própria desenvolvida e repousa na proposta de meios linguísticos, não linguísticos e paralinguísticos utilizados em uma determinada situação. A seguir falaremos mais especificamente sobre cada uma destas funções, segundo o que postulou a autora (NORD, 2016).

3.4.1 Função referencial

A função referencial de uma comunicação qualquer incluirá sempre a referência dos objetos e dos fenômenos dentro de um universo particular. Dependendo do grau de envolvimento do receptor-leitor como objeto da comunicação, esta deverá adaptar-se de forma a cumprir a sua função comunicativa. No exemplo que a autora nos coloca podemos identificar a seguintes situações: a) se o objeto é totalmente desconhecido do receptor, por exemplo, uma notícia sobre um acidente de carro, a comunicação terá uma função mais informativa; b) se o objeto da comunicação for uma explicação gramatical de um determinado idioma, a função será metalinguística; c) se o objeto da comunicação for instruções de como operar uma máquina, a função que se espera é uma função orientadora. Para este último caso, a autora nos fornece o seguinte exemplo (NORD, 2012, p. 40):

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Instruções para Engarrafar Frutas

1 Coloque os frascos limpos e em temperatura ambiente, em uma tigela grande de água fervente.

2. Preencha os frascos com frutas, socando-as bem até o topo, batendo os frascos em um pano dobrado ou na palma da mão para garantir seu preenchimento total. 3. Encha os frascos com água fervente uma calda doce até a altura de ¼ de polegada do topo. 28

Como se depreende do exemplo acima, a função orientadora, nesse caso, objetiva dar instruções. Suas características intratextuais são marcadas pela forma breve, concisa e sequencial das orações, bem como pela utilização de verbos no imperativo, significando não comportar variações quanto ao modo de proceder. Essa orientação pode ser tanto relacionada a objetos reais como ficcionais. No entanto, sabendo-se que os modelos comunicativos são determinados pelas tradições e perspectivas culturais, os receptores na CF podem perfeitamente compreender a função referencial de forma distinta dos receptores na CA. É nesse instante que a autora identifica o aparecimento de um sério problema. É o fenômeno do distanciamento cultural enfrentado pelo TRD que não possui conhecimento suficiente da CF e/ou da CA. Tal tópico será abordado na seção 3.16, onde teremos a oportunidade de aprofundar o contexto cultural no processo tradutório.

Conclui-se que a função referencial dependerá do grau de compreensão que se tenha a respeito do TF. O problema torna-se visível, também em relação ao leitor da LA e ao leitor da LF, quando ambos, ou um destes, não possui mesmo nível de conhecimento sobre um determinado assunto ou objeto. Situação que não precisa necessariamente existir quando se fala em comunicação de falantes de diferentes línguas. É o caso dos regionalismos. Muitas vezes, os citadinos de um mesmo local podem sofrer a perda do referencial se um dos comunicantes não conhecer determinada variação diatópica29, posto que seja novo na cidade. Por exemplo, se disséssemos a um paulistano momentaneamente residindo em Fortaleza que a dengue deixa a pessoa com uma “murrinha” no corpo, seria muito provável que ele nos questionasse o que de fato queremos dizer com essa expressão.

28 Directions for Bottling Fruit: 1. Place clean worm jars in a large bowl of boiling water. 2. Pack the jars firmly

with fruit to the very top, tapping jars on a folded cloth or the palm of the hand to ensure a tight pack. 3. Fill the jars with boiling water of syrup to within ¼ inch of the top (Tradução nossa).

29 É a diversidade linguística regional ou geográfica apresentadas por falantes de uma mesma língua. A variação

diatópica é responsável pelos regionalismos ou falares locais. Disponível em: < http://www.ebah.com.br/content/ABAAAffN8AA/variacao-diatopica >. Acesso em: 8 nov. 2017.

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3.4.2 Função expressiva

A função expressiva tem como ponto de referência a atitude do remetente perante os objetos e os acontecimentos do mundo. Ela se subdivide em tantas funções quantas forem as manifestações do remetente da mensagem. Quando a função comunicativa expressar sentimentos, estamos diante de uma função subemotiva; se expressar uma avaliação ou uma decisão, a função é subavaliativa.

Por exemplo, em um edital de licitação da Prefeitura de Eirunepé, no Estado do Amazonas no item 5.7 está expresso: “Será considerado preço excessivo, aquele que estiver superior ao preço estimado pela Administração e preço inexequível, aquele que for impraticável, por estar abaixo da estimativa de preço do mercado”. O texto de regulamentação de um processo de licitação traz a clara discriminação do que seja, para aquele contexto, o entendimento de produto ou serviço com preço muito elevado ou muito baixo. Nesse caso, estamos diante do que Nord chama de função subavaliativa.

Ainda para a mesma autora, a função expressiva imprime no TF a mensagem que será interpretada pelo TRD em relação aos valores presentes nesta CF. Porém, o maior ou menor grau de dificuldade para o receptor assimilar tais valores será diretamente proporcional ao teor de clareza com que tais valores estão expressos neste TF. A forma mais comum de mensagem direta está representada em textos onde sinais gráficos explicitam o aspecto avaliativo de um texto, consoante o exemplo que demos acima, quando do uso dos adjetivos “excessivo”, “inexequível” e “impraticável”.

3.4.3 Função apelativa

Voltada à sensibilidade dos receptores, a função apelativa tem como propósito persuadir alguém a agir (ou reagir) de uma determinada maneira. Essa função é encontrada abundantemente nos textos publicitários, tanto na forma oral quanto na forma escrita. “Se nós queremos convencer alguém a fazer algo ou para compartilhar um ponto de vista particular, apelamos à sua sensibilidade, seus desejos secretos.” (NORD, 2012, p. 42). Nos anúncios publicitários, por exemplo, o apelo para que o consumidor seja convencido a adquirir um bem ou contratar um serviço é construído em face das necessidades reais ou imaginárias.

É interessante observar que no idioma inglês há uma distinção entre um texto ou mensagem meramente comercial e um apelo institucional. “Mensagens destinadas a persuadir

59 os leitores a aceitar ideias ou se comportar de certa maneira são propagandas e mensagens destinadas a persuadir os leitores a comprar serviços ou produtos são advertisements” (MENEZES, 2003, p. 99). É o que também assevera Nord quando afirma que há textos meramente apelativos e textos que descrevem as qualidades de um produto que se presume ter valores positivos no sistema de valores dos receptores. Com uma função mais educativa, tais textos visam a apelar para princípios éticos e morais. Analisemos a figura abaixo:

Figura 5 – Função apelativa

Fonte: PETA30

O texto “Please... don’t let Avon test on me” (por favor, não permita que a Avon faça teste em mim – tradução nossa), que se lê no cartaz segurado pelo manifestante fantasiado de coelho possui um tom apelativo pelas seguintes razões: (i) o texto inicia com uma palavra de apelo por favor; (ii) pela escolha da primeira pessoa do singular, como se o receptor estivesse ouvindo o apelo emanado diretamente da vítima; e (iii) pela escolha da construção textual, onde o objeto da ação (o coelho) encontra-se em uma posição totalmente passiva e indefesa diante do sujeito da ação, uma poderosa indústria multinacional de cosméticos. Além desses elementos intratextuais, podemos determinar a função apelativa por pelo menos dois elementos extratextuais: (i) a representação visual do manifestante vestido de coelho, trazendo ao receptor a imediata associação entre o ato cruel e sua vítima postada ali, diante desse receptor; (ii) o uso de letras maiúsculas em todo o texto como representação imagética de um grito.

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3.4.4 Função fática

A função fática na tradução tem por objetivo estabelecer, manter ou extinguir o contato entre o remetente e o receptor, e também pode prestar-se para definir o tipo de relacionamento (formal/informal, simétrico/assimétrico) que se estabelece entre ambos, emissor e receptor (NORD, 2012, p. 44). Para tanto, ela se utiliza de meios linguísticos, paralinguísticos e não linguísticos, sendo que sua presença se fará mais notada pelo receptor quanto menos culturalmente convencional ela for.

A função fática poder ser percebida, por exemplo, quando em uma petição judicial, o emissor faz constar uma frase de efeito epigrafada no alto da folha, consoante se vê na figura abaixo:

Figura 6 - Primeira folha de uma petição inicial

Fonte: Documento pertencente ao acervo pessoal do pesquisador.

A frase em epígrafe, “justiça tardia nada mais é do que injustiça institucionalizada” de autoria de Rui Barbosa, político, diplomata, escritor e filólogo nascido no Brasil em 1849 e falecido em 1923, não faz parte dos requisitos essenciais da petição inicial, no entanto, alguns advogados costumam coloca-la em epígrafe para propor uma reflexão com um forte apelo sentimental em relação à necessidade de se ver a celeuma judicial resolvida o mais breve possível. O TRD, nesse caso, sabendo tratar-se de um texto

61 não integrante da petição inicial, poderá considerar a citação em epígrafe como um elemento extratextual, observando tal fato em nota de rodapé.

O problema, segundo a autora, é que a forma reconhecidamente convencional no TF pode não ser culturalmente assim entendida no TA. De fato, a correspondência cultural entre aspectos linguísticos, paralinguísticos e não linguísticos do o vernáculo e da língua inglesa, por exemplo, é muitas vezes inexistente.

Segundo o site TIPZINE, em sua página intitulada “Campanhas Desastrosas” 31, a Pepsi Cola lançara, há algum tempo atrás, uma campanha publicitária com o slogan “Come alive with Pepsi!” (“Desperte-se com Pepsi” – tradução nossa). Quando esta campanha foi lançada nos mercados alemão e chinês, provocou um desastre de vendas do produto. O motivo foi a versão que este slogan causou nas respectivas CA. Tanto em alemão com o chinês, o slogan foi traduzido com esta significação: “traga seus antepassados de volta à vida com Pepsi”. Logicamente, nenhum consumidor se agradou esse apelo.

As respectivas escolhas tradutórias, como nós pudemos perceber no exemplo acima, não atentaram para o distanciamento cultural entre a mensagem original, aquela contida no TA, e a mensagem veiculada no TF, cuja cultura possui peculiaridades que não podem absorver uma tradução tão próxima da literal. A correspondência cultural entre aspectos linguísticos, paralinguísticos e não linguísticos dos idiomas em questão parece inexistente.

Pelo que foi explanado acima, podemos concluir que a atribuição de um texto a determinado tipo ou gênero não consegue trazer uma solução irretocável para sua tradução (NORD, 2016). Em verdade, a análise do TF pode requerer do tradutor que este faça uma mensuração acerca dos graus de relevância e das funções que o TF apresenta, separando os elementos que serão conservados e/ou adaptados para o TA. Para tanto, é necessário que se redefina o conceito de equivalência como um meio-termo entre fidelidade e liberdade. Conforme veremos o subitem a seguir.