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3 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

3.17 Aspectos gerais da Terminologia e da Terminografia

O progresso da comunicação humana, acelerado pelo fenômeno da globalização e do desenvolvimento das ciências em todo o mundo, reforçou a necessidade de se buscar um aperfeiçoamento da comunicação especializada.

Quando criamos e utilizamos novas palavras para dar significado a objetos e fenômenos existentes, estamos trabalhando com terminologia, a qual é elemento inerente às chamadas comunicações especializadas (KRIEGER; FINATTO, 2004, p. 16). Ela permite identificar toda a gama de conceitos e definições dentro das diversas áreas do conhecimento humano, desde o campo das Ciências e da Tecnologia.

A Terminologia enquanto ciência autônoma nasce dessa necessidade de se padronizar um léxico que seja próprio de cada ciência, o qual difere do léxico comum por tomar empréstimos diretos do grego e do latim. Portanto, quando nos referimos à terminologia enquanto elemento ligado às comunicações especializadas, esta será grafada com “t” (minúsculo); quando nos referimos a esta como ciência autônoma, será grafada com “T” (maiúsculo).

Conceituar terminologia não é tarefa fácil, visto que, segundo Aubert (2001), esse conceito abrange duas acepções distintas: pode referir-se ao conjunto de fraseologias de uma determinada ciência, ou pode centrar-se em um conjunto de pressupostos e métodos para descrever uma linguagem específica. Nesse sentido, essa linguagem tende a se desenvolver dentro de um padrão preestabelecido, o qual se fixará em marcas lexicais, sintáticas, discursivas e estilísticas próprias, ou apropriadas – no sentido direto que foram frutos de uma apropriação intencional dos desenvolvedores daquela linguagem especializada.

Em seu aspecto metodológico, a Terminologia segue, na visão de Aubert (2001, p. 28-32) os seguintes passos:

1. Seleção de termos (unidade linguística que designa um conceito, um objeto ou um processo dentro de um universo percebido ou concebido e raramente se confunde com a palavra ortográfica), pela qual se pode determinar quais vocábulos são inerentes à ciência sob estudo;

2. Identificação das unidades lexicais e terminológicas, que diz respeito à busca da distinção do que seja uma unidade terminológica e uma unidade lexical,

104 visto que aquela pode ser fruto de uma ou mais unidades lexicais; ao passo que uma unidade lexical será sempre constituída de uma única palavra;

3. Análise que se processará na busca exaustiva de um perfil semântico mais específico dentro do contexto em apreço;

4. A unidade de informação, a qual consistirá na formulação de uma ficha terminológica com base em contextos que permitam distinguir significado e significante. Cada ficha representa um sintagma específico, um novo conceito.

Pelo que se vislumbra da exposição acima, a Terminologia visa a padronizar os termos lexicais dentro de uma linguagem especializada. Corroborando com a definição de Aubert, Krieger; Finatto (2004, p. 53) entendem que uma das características da Terminologia é a sua função normalizadora, pela qual se estabelecem medidas de controle sobre a utilização de vocabulário.

Durante o processo tradutório, o uso inadequado de uma linguagem que não esteja dentro dos padrões esperados pode resultar em um trabalho de tradução de qualidade duvidosa, sem prejuízo de poder causar má interpretação ou ambiguidade. Na prática diária, o tradutor profissional faz uso da terminologia especializada por saber que esta auxilia as ciências a “estabelecer determinações normativas, entre outros aspectos” (KRIEGER; FINATTO, 2004, p. 17). Nesse sentido, a terminologia torna-se indispensável ao gerenciamento do trabalho tradutório. Assim também entende Said (2011 p. 2656):

[...] no dia a dia profissional, o tradutor sempre tem de tomar decisões de terminologia que podem ser cruciais para o sucesso de seu trabalho, não apenas decisões sobre qual a melhor tradução para determinado termo técnico, mas também sobre a validação e adequação de glossários externos, as ferramentas ideais para gerenciar a terminologia de um projeto e as técnicas de pesquisa terminológica. Por isso, pode-se dizer que o trabalho de tradução depende muito da terminologia.

Concordamos com Said sobre a necessidade de o tradutor especializado buscar na terminologia o amparo e a justificativa de suas escolhas tradutórias. Como visto anteriormente, o PA do TF, em geral, advogados e outros operadores do direito, são profissionais com conhecimento na área jurídico-comercial, de cuja terminologia especializada se pressupõe terem domínio. Portanto, não faria nenhum sentido, diante da encomenda tradutória especificada, modificar ou adaptar texto de lei ou contrato, correndo-se o risco de produzir um TA diverso, ambíguo ou divergente do encargo tradutório.

105 Outra importante área do conhecimento que fundamenta nossa pesquisa é a Terminografia, que segundo Cabré (2004, p. 20), é o “ramo da Terminologia que se ocupa, também, da elaboração de dicionários especializados ou de glossários terminológicos.”. No entanto, é oportuno ressaltar que não temos a pretensão de elaborar glossário especializado como resultado deste trabalho. A pesquisa terminográfica feita na presente dissertação visa tão-somente oferecer ao leitor um subsídio teórico com base em fontes terminográficas monolíngue e bilíngue, proporcionando um estudo comparativo de termos e de unidades fraseológicas apresentadas nos textos que compõem o nosso corpus. 76

3.17.1 Conceito de termo

O termo é visto como um dos principais objetos da Terminologia, sendo responsável pela precisão dos significados no processo comunicativo. Como bem observa Santiago (2007, p. 37):

Nas pesquisas atuais, é necessário atentar para um ponto importante dentro do estudo terminológico: o reconhecimento do termo. A palavra é de fácil reconhecimento, pois, diferente do termo técnico-científico, seu uso não se condiciona a uma língua, que por ser especializada, encerra conceitos, ideias, noções teóricas ou aplicação de algum conhecimento específico. Ou seja, não há um limite que seja consistente para separar o léxico comum do especializado. Ressaltamos, portanto, que o reconhecimento do termo é uma das tarefas mais árduas que os terminológos têm pela frente. Isso se justifica, já que são nos textos especializados em que se encontram as terminologias.

Para o nosso estudo, consideraremos termo, segundo a definição de Gouadec (1990, p. 13), “uma unidade linguística que designa um conceito, um objeto ou um processo”77. Para este autor, o saber científico das áreas do conhecimento humano é construído e passa a se expressar por meio de seus termos. Nesse sentido, os termos jurídicos, enquanto componentes da representação da realidade, afirmam a existência da Ciência do Direito enquanto um campo distinto do saber humano.

3.17.2 Terminologia bilíngue

Ao adentrarmos na perspectiva da terminologia bilíngue, partimos da distinção básica entre esta e a terminologia monolíngue. Na terminologia monolíngue conhecem-se os traços conceituais e se busca estabelecer uma relação significado/significante (AUBERT,

76 O detalhamento de todos os passos e as obras terminográficas utilizadas pode ser encontrado no Capítulo 4. 77 Do original: “une unité linguistique désignant un concept, un objet ou un processus”

106 2001, p. 37); na terminologia bilíngue busca-se conhecer o termo em determinada língua (LF), porém, o objetivo é buscar um termo que tenha um mesmo valor em outra língua (LA), ou um termo que mais se aproxime, embora necessariamente não seja coincidente.

Torna-se necessário, portanto, que o TRD tenha pleno conhecimento da LF para que possa encontrar o termo mais adequado na LA. Para tanto, deve acercar-se de cuidados que vão desde a análise sistemática de textos especializados LF, pelo qual ele deverá selecionar a bibliografia mais confiável, atualizada. Ainda dentro da investigação terminológica, o TRD poderá valer-se de outros meios para buscar a melhor adequação dos termos e fraseologias especializadas78 que exijam maior esforço na sua adequação à LA.

Aubert (2001, p. 47) nos sugere uma pesquisa pontual, com seus importantes passos, na busca dessa adequação ou da equivalência terminológica. Tal pesquisa está subdividida nas seguintes subtarefas:

a) Uma conversa com o cliente, assim chamado o solicitante da tradução, o que Nord chama de iniciador (INI), que pode ser um indivíduo ou um ente público ou privado, por seus respectivos representantes;

b) Consulta a dicionários monolíngues, partindo dos mais genéricos e chegando- se aos mais específicos;

c) Consulta com um especialista na área cujo documento se insere; d) Pesquisa a dicionários bilíngues, dos genéricos aos mais específicos;

e) Utilização de “traços conceptuais” escolhendo-se os descritores que serão úteis para uma determinação de possíveis equivalências;

f) Verificação de ocorrências que hoje, com advento das ferramentas eletrônicas para pesquisa de corpus, torna-se tarefa menos árdua ao profissional que busca a comprovação da escolha terminológica por este viés; e

g) Inserção de neologismos, sendo esta subtarefa somente viável diante da impossibilidade das anteriores. Essa inserção de palavra nova pode dar-se das seguintes formas: por importação direta, com a simples transcrição do termo direto do original; por adaptação ortográfico-lexical, o chamado “aportuguesamento” do termo em outro idioma;

107 criação de termo socorrendo-se às línguas clássicas (grego/latim); e criação de termos valendo-se dos já existentes no vernáculo, a chamada “sinonimização”.

Observamos que o pesquisador, ao sugerir uma pesquisa pontual, traça diretrizes ou estratégias que o TRD poderá seguir no sentido de minimizar ou dirimir as dificuldades oriundas do processo tradutório. Observa-se que, quanto mais difícil for a tarefa de encontrar equivalente, mais deve o TRD buscar caminhos alternativos, chegando ao ponto de, na total ausência de termo equivalente la língua alvo, este poder inserir neologismos, sendo esta subtarefa somente viável diante da impossibilidade das anteriores.

3.17.3 Terminologia e tradução

Em um trabalho desenvolvido por Cabré (2004), vamos encontrar uma abordagem sobre terminologia e tradução especializada, não especificamente a tradução funcionalista, onde a autora identifica vários pontos em comum, tanto em termos de disciplina acadêmica quanto em sua manifestação empírica: (i) ambas possuem uma longa trajetória prática antes de se tornarem objeto de estudo acadêmico; (ii) ambas possuem campos interdisciplinares de base cognitiva, linguística e comunicativa; (iii) a terminologia e a tradução surgiram da necessidade de se expressar um pensamento mais preciso em relação ao seu significado ou de se buscar uma compreensão comunicativa deste pensamento; (iv) os dois campos de estudo visam a se firmarem enquanto disciplinas autônomas, enfatizando suas características distintas das outras disciplinas acadêmicas, enquanto buscam novas teorias que apoiem sua independência científica. No caso da abordagem funcionalista, esses avanços são apresentados a partir de Christiane Nord, quando idealiza a criação de uma disciplina de “introdução à teoria, metodologia e didática da análise textual pré-tradutória” (NORD, 2016 p. 409).

Por outro lado, a mesma pesquisadora destaca que as duas matérias de estudo também apresentam características distintas entre si. Isso faz com que ambas as disciplinas estabeleçam uma clara especialidade: (i) enquanto a tradução se caracteriza por sua natureza finalista, ou seja, seu foco é no produto; a terminologia possui um viés colaborativo e seu foco é no processo; (ii) enquanto a tradução especializada não prescinde da terminologia, esta, em algumas situações, pode dispensar a tradução como um princípio metodológico.

É oportuno esclarecer que, diferentemente do que apresenta Cabré, na tradução, segundo a abordagem funcionalista, o foco está no processo e não no produto da tradução,

108 como já foi demonstrado durante a apresentação do modelo circular de análise crítica da tradução.

Não se pode negar é que o TRD encontrará diversos momentos em que não poderá simplesmente contar com sua bagagem de conhecimento teórico e empírico para vencer todos os obstáculos trazidos por situações de equivalência terminológica em textos especializados. Nesse sentido, a tradução especializada, e mais precisamente em relação ao presente trabalho, a tradução juramentada, bem como a tradução técnica, exigirá que o TRD se utilize da terminologia em diversos níveis de envolvimento. Para Cabré (2004), há quatro níveis de envolvimento: no 1º nível, ao se deparar com um termo desconhecido na LF, o TRD especializado irá procurar seu significado em dicionários bilíngues, acessar banco de dados e, por fim se vale da consulta terminológica. Neste estágio de pesquisa, o TRD é um agente passivo; no 2º nível, não solucionando o problema pelas vias anteriores, onde se encontraria um termo oficialmente aceito, o TRD recorre aos seus conhecimentos linguísticos e cria um neologismo para a LA, explicando sua escolha em nota de rodapé. Ao fazer essa escolha, este não se utilizou da terminologia e sim da lexicografia79 no 3º nível, o TRD, seja um tradutor juramentado ou um tradutor técnico, tende a se especializar em um determinado ramo da ciência (Medicina, Direito, Engenharia, Odontologia, etc.), o que lhe assegura uma zona de conforto, já que ambos tendem a limitar o espectro de conhecimento do sistema linguístico a uma destas especialidades. Na busca por esta especialidade, é natural que o TRD também se familiarizar com a terminologia específica da área de sua atuação, o que implica conhecimentos de metodologia da investigação terminológica pontual; no 4º nível envolvimento, o tradutor se utiliza da informação terminológica existente em base de dados para propor soluções terminológicas para casos de não equivalência, editando-as em forma de glossário a outros tradutores.